As contas públicas do Brasil pioraram significativamente no primeiro semestre do ano. Segundo especialistas consultados pelo Correspondênciaos novos dados, revelados no relatório bimestral de receitas e despesas, divulgado no início da semana, poderão tornar a trajetória da dívida pública bruta muito próxima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), na melhor das hipóteses.
Segundo os dados do relatório, a previsão do hiato fiscal “acima da linha” — considerando os descontos permitidos para cumprimento da meta fiscal — mais que dobrou em relação ao relatório do bimestre de março a abril, aumentando de R$ 27,5 bilhões, ou 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), para R$ 61,4 bilhões (0,5% do PIB).
Especialistas apontam que esse déficit, de R$ 61,4 bilhões, não é calculado oficialmente para o cumprimento da meta, mas tem impacto direto na dívida pública. No boletim anterior, a previsão de déficit primário era de R$ 27,5 bilhões, o que implica um aprofundamento do buraco fiscal em R$ 33,9 bilhões. Em relação à lei orçamentária, que tinha superávit primário projetado de R$ 9,1 bilhões, a piora da situação fiscal foi de R$ 70 bilhões, o que deverá impactar diretamente na dívida pública bruta.
Vale lembrar que, com base nos dados “abaixo da linha” do resultado primário – com os descontos das despesas extraordinárias no auxílio às enchentes no Rio Grande do Sul e com o pagamento dos precatórios (dívidas judiciais da União), o o desconto sobre o déficit foi de R$ 28,8 bilhões. Para evitar que o déficit supere a meta, o governo anunciou uma redução de R$ 15 bilhões em despesas no Orçamento deste ano, medida ainda considerada insuficiente pelos especialistas em contas públicas para que o governo consiga cumprir as determinações do novo marco fiscal .
Nota informativa do 3º relatório bimestral, feita pela Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal, chamou a atenção para esse dado e chamou-o de “degradação significativa do resultado primário”.
Segundo técnicos legislativos, o resultado está muito próximo das projeções dos valores medianos de déficit esperados pelo mercado em R$ 81,4 bilhões divulgadas pelo Ministério da Fazenda no Prisma Fiscal de julho. “Isto evidencia a elevada probabilidade de necessidade de novas contingências em períodos futuros”, alertava o documento.
Segundo estimativas da economista Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), devido ao agravamento desta situação fiscal e às incertezas em relação às novas estimativas do governo, é possível que a dívida pública bruta ultrapasse 80 % do PIB ainda neste ano. “Há estimativas de uma dívida bruta em torno de 78% do PIB antes mesmo do relatório e do contingenciamento. E há bancos que alertam que ainda tem R$ 20 bilhões fora dessa conta, sendo R$ 12 bilhões de despesas subestimadas e R$ 8 bilhões em receitas superestimadas”, explicou.
Atualmente, o Ministério das Finanças prevê que a dívida pública bruta termine o ano em 76,6% do PIB. Porém, segundo dados divulgados pelo Banco Central em maio, a dívida pública bruta atingiu 76,8% do PIB. E, só com este aumento substancial da estimativa do hiato fiscal, já no terceiro bimestre do ano, para 0,5% do PIB, será alcançado o patamar de 80% do PIB, caso não haja receitas extraordinárias adicionais.
O diretor da IFI, Alexandre Andrade, lembrou que, segundo a última revisão de cenário da entidade, em junho, o déficit primário do governo central neste ano seria de 0,7% do PIB — cerca de R$ 75 bilhões —, sem as deduções da meta, e, portanto, da dívida pública bruta. ainda ficaria abaixo de 80% do PIB este ano, mas isso não seria possível em 2025. “Ainda estamos olhando para esses números bimestrais”, afirmou.
Ele destacou que mesmo que as despesas relacionadas à calamidade no Rio Grande do Sul e aos precatórios estejam fora da meta fiscal deste ano, “todo o déficit primário precisa ser financiado com a emissão de títulos, o que aumenta a dívida pública bruta”.
Segundo estimativas do especialista em contas públicas Murilo Viana, economista sênior da GO Associados, o déficit primário efetivo nas contas do governo federal neste ano deverá ficar entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões, bem acima do limite inferior da meta. fiscal, de R$ 28,8 bilhões. “Uma variável fundamental será identificar qual será realmente o desembolso do governo com a calamidade no Rio Grande do Sul. Não há dúvida de que o governo central tem que fornecer amplo apoio econômico e técnico para recuperar o Estado, mas tal apoio tende a impactar o resultado fiscal, seja no primário ou mesmo no financeiro”, destacou. Viana destacou ainda que para o governo estabilizar o aumento da dívida pública em relação ao PIB não basta simplesmente eliminar o défice primário. “Com o elevado nível de dívida que temos, e a elevada taxa de juro real, é necessário um excedente primário de pelo menos 1,5% do PIB para conter o crescimento da dívida. Estamos muito longe desta realidade”, lamentou.
“Meta Porcina”
Segundo dados do relatório, apesar do aumento recorde da receita mensal, a previsão de receita sofreu nova redução em relação à LOA, de R$ 13,2 bilhões, para R$ 2,168 trilhões. As despesas aumentaram R$ 20,7 bilhões, em relação ao boletim anterior, para R$ 2,229 trilhões.
E, mesmo com o corte anunciado de R$ 15 bilhões, o governo passou a mirar o limite inferior da meta em vez do centro da meta, que previa déficit zero. Os detalhes da tesouraria dos ministérios estão previstos para serem divulgados no decreto de programação orçamentária, que deverá ser publicado no Diário Oficial da União, no dia 30. Esse corte inclui um bloqueio de R$ 11,2 bilhões – para adequar as despesas ao limite de 70% do crescimento das despesas no novo marco – e uma contingência de R$ 3,8 bilhões – para cumprir o piso da meta fiscal.
Em matéria recente após a divulgação do relatório, o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman classificou a meta fiscal de déficit zero, prometida pelo governo para este ano, como a “meta Porcina”, em alusão a Viúva Porcina, personagem do novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, aquela que foi, sem nunca ter sido.
Segundo suas estimativas, o impacto desse déficit primário de R$ 61,4 bilhões projetado no boletim será de 0,5% do PIB sobre a dívida pública bruta, mas ele não prevê que fique acima de 80% do PIB este ano. “O resultado primário pode até estar de acordo com o permitido pela legislação, mas o que importa é quanto dinheiro vai faltar. Isso vira dívida”, destacou.
Na matéria, o ex-diretor do BC manifestou preocupação com o fato de o governo agora perseguir o limite inferior da meta de resultado primário, próximo de R$ 29 bilhões, e não de déficit zero, como prometido. “Por mais justificado que seja o auxílio ao RS, não há como fugir de uma conclusão simples: independentemente da contabilidade criativa, o excesso de despesas em relação às receitas será somado à dívida pública, sobre a qual incidirão juros, alimentando o processo como uma bola de neve”, alertou. “Não criamos metas fiscais para fingir que as obedecemos. Elas existem porque é preciso sinalizar aos devedores que em algum momento a bola de neve vai parar de crescer e, com um pouco mais de trabalho, vai começar a encolher”, disse. adicionado no texto.
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