Uma aplicação, duas pessoas.
A dupla opositora formada por Edmundo González Urrutia e María Corina Machado busca a vitória, no domingo (28/7), eleições presidenciais na Venezuelaprovocar uma reviravolta na política do país e pôr fim aos 25 anos do chavismo no poder.
Apesar dos numerosos obstáculos institucionais e eleitorais, González – um antigo diplomata de 74 anos sem experiência política – lidera as sondagens contra Nicolás Maduro, presidente desde 2013.
E muito se deve ao papel de María Corina Machado.
“O que estamos vendo é uma campanha 2×1”, explica a cientista política Carmen Beatriz Fernández à BBC Mundo. “Funciona como uma bicicleta tandem, de dois lugares, onde María Corina segura o guidão e Edmundo pedala. Mas é ela quem lidera o processo, e tem sido desde o ano passado, quando venceu as primárias por uma maioria esmagadora.”
Machado venceu as eleições internas organizadas pela Plataforma Democrática Unitária em 22 de outubro de 2023, com 93% dos votos. Sem carregar a bandeira dos partidos tradicionais, ela se tornou a nova cara do bloco de oposição e ressuscitou um grupo que havia perdido força nos últimos anos.
“Depois de 2021, a sociedade se despolitizou, porque as pessoas interpretaram que o governo (de oposição interino) de Juan Guaidó não cumpriu o que prometeu”, diz o analista político Oswaldo Ramírez.
“Como consequência, a forte oposição desapareceu. Caiu para níveis críticos. Com as primárias, Machado se posicionou como líder da oposição e conseguiu outra coisa: repolitizar o país”.
Na época das primárias, Machado já havia sido inabilitado de concorrer a cargos eletivos por 15 anos por suposto envolvimento em corrupção durante o chamado governo interino de Guaidó.
Ó acordo firmado entre a Plataforma Unitária e o partido no poder em Barbados, uma semana antes das eleições internas, abriu a possibilidade de autorizar a participação de “todos os candidatos e partidos políticos” na corrida.
Mas nem mesmo as condições estabelecidas pelos Estados Unidos para a remoção das sanções ao petróleo, ouro e gás venezuelanos reverteram a decisão.
Machado, de 56 anos, ficou de fora da eleição. Mas não a preferência dos eleitores.
“No passado, quem liderou o voto da oposição foi Leopoldo López. Quando foi desativado, tivemos que procurar outras opções. Não com Maria Corina. Ninguém se importou com o fato de ela ter sido desqualificada, porque ela capitalizou o descontentamento contra a oposição tradicional”, disse Eugenio Martínez, jornalista especializado na cobertura de questões eleitorais, à BBC Mundo (serviço espanhol da BBC).
Diante da impossibilidade de registrar sua candidatura no Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o nome de Corina Yoris surgiu como alternativa para representar Machado.
Mas a académica de 80 anos também não conseguiu formalizar a sua candidatura devido a uma alegada falha no site do órgão eleitoral. Foi então que surgiu a opção de indicar González Urrutia como candidato.
Em entrevista recente, Machado destacou a firmeza e capacidade de trabalho de González. “Conseguimos formar uma equipe. Alguns tentaram nos dividir. Mas ficaremos juntos até o fim.”
Desde então, os dois compartilharam campanhas, viagens, palestras e entrevistas. Para muitos opositores ao regime, que querem mudanças, votar em González significa votar em Machado.
Confronto passado
María Corina Machado iniciou a sua carreira política há 22 anos, liderando a organização não governamental Súmate, que defende a transparência eleitoral e a participação cidadã.
O seu papel foi crucial na obtenção de mais de quatro milhões de assinaturas que abriram caminho para um referendo revogatório em 2004 contra o presidente Hugo Chávez.
Desde então, o governo atribuiu a María Corina o papel antagônico.
Este confronto teve momentos de pico. Uma delas foi quando, em 2005, foi fotografada no Salão Oval da Casa Branca com o presidente dos EUA, George W. Bush, inimigo declarado do chavismo.
Outro acontecimento memorável ocorreu em Janeiro de 2012, durante o discurso anual de Chávez à Assembleia Nacional.
O deputado Machado interrompeu o discurso do presidente e, diante de todos, pronunciou a famosa frase: “Desapropriar é roubar”.
Mas os seus discursos incendiários e as suas posições radicais nem sempre conquistaram seguidores na oposição. E ela foi excluída do centro das decisões da própria liderança.
A demonstração mais clara de rejeição foi recebida durante as primeiras eleições primárias organizadas pela Mesa Redonda da Unidade Democrática em 2012, quando obteve apenas 3,81% dos votos contra Henrique Capriles, que venceu com 64,33%.
Machado, porém, não desistiu. Em Fevereiro de 2014, convocou uma onda de protestos conhecida como “A Saída”, juntamente com outros líderes, para apelar à restituição da ordem democrática. As manifestações duraram até junho e deixaram mais de 43 mortos e quase 1.900 detidos.
E foi rotulada pelo chavismo como uma das faces do que o regime chamou de “direita radical e violenta”.
Até então, Machado era um defensor da abstenção porque não acreditava que houvesse condições eleitorais justas.
“Essa narrativa sempre tão conflituosa de Maria Corina nos levou à polarização”, diz Gabriela Santander, ativista política. “Para ela a via eleitoral não existia. Sua atitude me pareceu muito arrogante. Ela agiu visceralmente. Então, quando ela ganhou as primárias, fiquei com medo. Eu disse para mim mesmo: essa mulher vai nos levar ao precipício”.
O governo também pensou que enfrentava a mesma contestação de María Corina, diz Carmen Beatriz Fernández. Mas ela mostrou seu outro lado.
“O partido no poder pensou que, ao bloquear o caminho de María Corina, ela sairia às ruas e apelaria aos seus seguidores. Mas eles não leram corretamente. Eles não pensaram em sua capacidade de ceder ou em sua amplitude de visão. Eles não achavam que ele aprenderia com seus erros”, acrescenta ela.
A atual María Corina Machado tem se mostrado mais estratégica. Ela mudou o discurso político, uniu forças e pediu apoio político nas urnas, mesmo não sendo candidata e com o sistema eleitoral ainda mais restritivo, apontam analistas.
Nos últimos meses, o governo impôs limitações aos eleitores no estrangeiro, restringiu os convites a observadores da União Europeia e estabeleceu que as testemunhas nas mesas de voto devem estar registadas no mesmo centro de votação onde exercem as suas funções.
Machado manifestou seu repúdio, mas manteve-se firme para que a oposição continuasse na disputa.
“María Corina teve que recalcular e até quebrar seu próprio padrão moral. Ela concordou em brincar com as regras impostas para abrir caminho para mudanças”, afirma Oswaldo Ramírez.
A mãe de um país órfão
Os vídeos de María Corina durante a campanha eleitoral deixam claro que estamos perante uma imagem muito diferente da de há alguns anos.
Na avaliação de Carmen Beatriz Fernández, Machado parece mais próximo, mais compreensivo e solidário. Como se fosse uma mãe protetora, corajosa e corajosa que conseguiu se conectar – emocional e espiritualmente – com um país órfão.
“María Corina fala a um país abandonado, órfão”, diz Fernández.
“Esta campanha tem uma importante componente emocional devido ao fenómeno migratório, que tem deixado muitos em sofrimento permanente. Mães que querem os filhos de volta, filhos que querem voltar a ver os pais… E María Corina se conecta porque viveu isso com os próprios filhos”, acrescenta.
Assim, sua liderança – na opinião de Oswaldo Ramírez – encarna o arquétipo da mãe que protege, que acalma o choro e levanta as pessoas.
“O que María Corina gera nas pessoas transcende toda racionalidade”, afirma. “Ela não via essa energia desde 1997/1998, com a diferença de que, naquele momento, a emoção estava ligada à raiva”, lembra ela, referindo-se ao processo que levou Chávez ao poder.
‘Edmundo para todos’
Olhando para as eleições de 28 de julho, o maior desafio de Machado será conseguir a transferência de votos para Edmundo González Urrutia nas urnas e conseguir uma votação massiva para a Mesa da Unidade Democrática.
Até agora, segundo Carmen Beatriz Fernández, ela conseguiu garantir que uma figura até recentemente desconhecida como Edmundo González tenha agora um nível de conhecimento de 95% num país com grandes limitações de comunicação.
O slogan “Edmundo para todos” foi levado a todos os cantos do país para transferir a decisão do eleitorado de um candidato para outro. E alguns eleitores têm isso claro.
“Meu voto é em Edmundo, em sua lealdade e sentimento por María Corina”, reconhece Martín Peña, assistente social que mora em Caracas. “Aceitamos suas regras porque confiamos nelas.”
Se obtiver a maioria dos votos e o reconhecimento do órgão eleitoral, González assumirá a presidência para abrir o que todos prevêem que será um período de transição.
“Edmundo tem sido explícito sobre o seu papel com uma mensagem simples e ao mesmo tempo muito poderosa: ‘Ofereço uma transição pacífica e pacífica’. E isso é dito por um diplomata de carreira que sabe construir pontes”, afirma Fernández.
Machado teria um papel fundamental nesse processo, segundo o próprio González.
“Ela foi a líder que obteve mais votos nas primárias. Ela tem importante aceitação popular, então não vejo nenhuma oposição para que ela ocupe um cargo relevante dentro do governo”, afirmou a candidata.
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