Em meio aos avanços da medicina e à busca incessante por tratamentos eficazes para os transtornos mentais, uma abordagem inovadora ganhou destaque: a dieta voltada ao combate à bipolaridade e à esquizofrenia. Conhecida como dieta cetogênica, o plano alimentar tem como objetivo estimular a cetose, processo metabólico em que o corpo, diante dos baixos níveis de glicose, sua principal fonte de energia, passa a produzir corpos cetônicos a partir das células de gordura.
“Nesse processo, o corpo produz corpos cetônicos para obter energia, pois o nível de glicose é reduzido. Os corpos cetônicos provêm das células de gordura, que são “destruídas e transformadas” em corpos cetônicos pelo fígado”, explica Carla de Castro, nutricionista especializada em neuropsiquiatria e distúrbios do neurodesenvolvimento.
Esse tipo de dieta tem sido amplamente utilizado e com sucesso no tratamento de crianças com epilepsia refratária ou de difícil controle desde a década de 1920. Mas foi somente na década de 1990 que a dieta cetogênica deixou de ser vista como uma alternativa de tratamento. ou última escolha para esses pacientes e passou a ser utilizado em todo o mundo. “É uma opção terapêutica eficaz e segura, mas o acompanhamento destes pacientes deve ser rigoroso, com pessoal treinado, antecipando potenciais riscos e implementando dietas palatáveis e diversificadas”, aponta o especialista.
Segundo Carla, além de ser indicado no tratamento da epilepsia refratária, tem demonstrado benefícios no tratamento de doenças neurológicas degenerativas, como Alzheimer e Parkinson. “A explicação está num potencial efeito neuroprotetor, que leva ao aumento da plasticidade neuronal. Por outro lado, por promover a queima de gordura e a saciedade, a dieta cetogênica também pode ser recomendada para pessoas obesas ou com sobrepeso”, pontua o especialista.
Ainda segundo a nutricionista, quando realizada de maneira correta e com acompanhamento profissional, a dieta leva à perda de peso de forma saudável, podendo também ser indicada para o tratamento de pessoas com diabetes tipo 2, podendo até reduzir a necessidade de medicamentos antidiabéticos . Entre outros pontos, Carla destaca que, em alguns casos, quando os pacientes com transtorno bipolar não respondem adequadamente aos medicamentos estabilizadores do humor, os medicamentos anticonvulsivantes são indicados, pois um de seus mecanismos de ação é a estabilização do humor.
“Os medicamentos anticonvulsivantes reduzem a concentração intracelular de sódio, aliviando os sintomas da epilepsia e do transtorno bipolar. A dieta cetogênica torna o sangue levemente ácido, causando o mesmo efeito de diminuição da concentração intracelular de sódio. Seguindo essa lógica, as pessoas com transtorno bipolar também poderiam conseguir a estabilização do humor por meio da dieta alimentar, evitando a ingestão de muitos medicamentos. Da mesma forma, pacientes com epilepsia refratária também se beneficiam da dieta cetogênica pelos efeitos semelhantes aos mecanismos de ação dos anticonvulsivantes”, explica Castro.
A dieta e como funciona
A dieta cetogênica é caracterizada por alta ingestão de lipídios (60% a 80% das calorias diárias), quantidade moderada de proteínas (20%) e restrição severa de carboidratos (10%). A base do funcionamento dessa dieta é a indução do estado de cetose, onde o corpo passa a utilizar as gorduras como principal fonte de energia, ao invés dos carboidratos.
Segundo Carla, a cetose é alcançada quando a ingestão de carboidratos é significativamente reduzida, obrigando o corpo a metabolizar as gorduras para produzir cetonas, que são utilizadas como fonte de energia. Esse processo pode levar de dois a três dias para começar e os efeitos positivos geralmente são notados entre o terceiro e o sétimo dia de seguimento da dieta.
“Como principal componente da dieta cetogênica, a gordura deve vir preferencialmente de fontes saudáveis, como abacate, nozes, óleo de coco e azeite”, sugere a nutricionista. Leite e derivados, proteínas animais, ovos, cogumelos e uma variedade de vegetais com baixo teor de carboidratos, como folhas verdes, brócolis e couve-flor, também são permitidos.
Por outro lado, os alimentos ricos em carboidratos são estritamente evitados. Isso inclui cereais como arroz e trigo, tubérculos como batata e mandioca, legumes como feijão e grão de bico, além de frutas com alto teor de açúcar. Carla ressalta a importância de evitar também óleos refinados e alimentos processados, ricos em carboidratos simples e gorduras trans, contrariando os objetivos da dieta.
Os primeiros dias de adaptação à dieta cetogênica podem ser desafiadores. “Inicialmente, as queixas mais comuns são: sonolência, perda de peso, náuseas e refluxo gastroesofágico (devido à quantidade de gordura), dor de cabeça, irritabilidade, ansiedade, prisão de ventre alternada com diarreia. Esses sintomas costumam durar em torno de 5 (cinco) a 7 (sete). Tempo necessário para o corpo se adaptar ao novo protocolo”, explicou o especialista.
Apesar dos benefícios, Carla alerta para os riscos potenciais, principalmente em casos de deficiência de nutrientes ou alterações no colesterol. Portanto, o acompanhamento médico e nutricional é fundamental para ajustar a dieta conforme necessário e monitorar possíveis complicações.
A principal dificuldade de quem segue a dieta cetogênica são as restrições alimentares. Manter a consistência e seguir as instruções de maneira adequada requer disciplina. O monitoramento contínuo por meio de exames bioquímicos e observação de sinais e sintomas são essenciais para garantir segurança e eficácia a longo prazo.
A nutricionista destaca que a dieta cetogênica não é adequada para todos. Pacientes com condições como deficiência de piruvato carboxilase, deficiência de carnitina ou doenças mitocondriais podem apresentar piora clínica. Além disso, é importante considerar possíveis interações com medicamentos, principalmente em pacientes psiquiátricos.
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