Traçar um modelo ideal para governar o Brasil enfrenta obstáculos que vão desde o grande número de partidos até a falta de apoio do Executivo para a implementação de formatos como, por exemplo, o semipresidencialismo. Essa ideia, apoiada por ex-presidentes, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e até pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é tema de discussão nos meios políticos e acadêmicos.
Na avaliação do professor Carlos Blanco de Morais, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com o formato, há risco de governos de curta duração. “Se a atual fragmentação partidária persistisse no Brasil, após uma transição para o semipresidencialismo, haveria o risco de ter um governo liderado por um primeiro-ministro negociando semanalmente sua sobrevivência com coalizões fluidas e bases aliadas, sendo derrubado por uma moção de censura caso as negociações fracassassem”, disse ao Correio.
Carlos Blanco de Morais é professor de Direito Constitucional e Internacional na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Coordenador Científico do Direito Público de Lisboa (LPL), o centro de investigação jurídica mais bem classificado em Portugal. É consultor sénior do Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros e consultor jurídico. Foi agraciado com o posto de Comendador da Ordem do Cruzeiro do Sul no Brasil.
O Brasil optou pelo modelo presidencialista na Constituição e confirmou esse formato em plebiscito em 1993. Porém, há sempre um equilíbrio desafiador em torno da chamada governabilidade dos mandatos executivos, especialmente os federais. Ao mesmo tempo, o presidencialismo de coligação continuou a mostrar sinais de exaustão.
É possível regressar a um sistema presidencial mais sustentável?
Esta opção não é surpreendente. Como na maior parte do continente americano, o Brasil acolheu o presidencialismo e o plebiscito de 1993 foi, na minha opinião, uma decisão popular sábia devido ao momento político que atravessava e que exigia um Executivo estável que orientasse a transição de um regime militar para a democracia . Quanto ao chamado presidencialismo de coalizão, funcionou razoavelmente bem durante as presidências de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva (no primeiro mandato) e Michel Temer, que tinha capacidade e autoridade para forjar coalizões estáveis em blocos partidários formados. por partidos de famílias políticas próximas ou não antagônicas. Mas, desde os últimos governos do PT, sem o interregno de Temer, o presidencialismo de coligação descarrilou.
Por quais motivos?
Em primeiro lugar, deve-se ao número extremamente elevado de partidos – o que torna difícil ter maiorias parlamentares absolutas e coesas (ou seja, partidos de famílias políticas e afins) que garantam reformas fundamentais e políticas coerentes. A segunda razão tem a ver com a ruptura dos próprios partidos e coligações. Nos partidos grandes e médios, poderosos caudilhismos regionais condicionam ou provocam um curto-circuito no poder dos líderes dos partidos nacionais e na disciplina das bancadas parlamentares. E em terceiro lugar, o sistema, desde a segunda parte do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, até ao presente, tem assistido a um “presidencialismo de assembleia” atípico: um presidente minoritário contido, sem apoio parlamentar suficiente para aprovar as suas políticas (sendo o número de medidas provisórias não confirmadas é grande) e o surgimento de uma forma translúcida de governança feita a partir do Congresso, colocando o verdadeiro poder do país no bloco partidário, o chamado “Centrão”.
Quais os desafios para a implementação do semipresidencialismo no Brasil?
O semipresidencialismo supõe uma bicefalia entre um presidente moderador que regula as diversas instituições e pode influenciar ou controlar o governo (mas que não governa de facto) e um primeiro-ministro que governa, mas é duplamente responsável perante o presidente e o parlamento. Se a atual fragmentação partidária persistisse no Brasil, após uma transição para o semipresidencialismo, haveria o risco de ter um governo liderado por um primeiro-ministro negociando semanalmente sua sobrevivência com coalizões fluidas e bases aliadas, sendo derrubado por uma moção de censura se as negociações fracassassem. Ou então demitido pelo presidente. A pressão política parlamentar passaria assim do presidente, transformado num poder moderador, para o governo, com o risco de governos de curta duração.
Um regime parlamentar funcionaria?
Um sistema parlamentar com um número tão elevado de partidos seria ingovernável e foi Sartori quem antecipou isso em seu livro “Engenharia Constitucional”, a respeito do Brasil. Seria equivalente a conceber a mais recente operação do Presidencialismo de Coligação, com a agravante de o governo poder ser destituído por uma moção de censura aprovada por um parlamento segmentado por maiorias fluidas. Mesmo que originalmente apoiado por uma coalizão majoritária formada por partidos que a ele se unissem por mera conveniência, o governo poderia ruir a qualquer momento com o “desembarque” na oposição desses partidos aliados quando estes não obtivessem as cadeiras ou vantagens que desejavam. Além disso, teríamos um presidente meramente cerimonial e uma Suprema Corte mais forte.
Em entrevistas anteriores, você disse que o STF brasileiro é o tribunal constitucional mais poderoso do mundo. O que isso significa?
O Supremo Tribunal é, de facto, o poder moderador do sistema político. O STF não se limita a invalidar normas inconstitucionais, pois, ao apelar ao seu poder interpretativo, atinge imperativamente todos os poderes do Estado: ativa mutações constitucionais (uniões entre pessoas do mesmo sexo); invalida alterações constitucionais (domínio tributário); entre outros. Alegando a “competência de competência” na delimitação dos seus poderes, exercendo simultaneamente funções de julgamento em matéria penal no domínio do foro privilegiado, tendo a última palavra em qualquer conflito e não respondendo a qualquer outro poder do Estado, alguém duvida que é, factualmente, o poder moderador, por excelência? No entanto, não tem poder constituinte, ao contrário do que afirmou um dos seus membros em Lisboa. Este poder é inalienável e pertence ao povo.
Você acompanhou a tentativa de golpe de Estado no Brasil em 8 de janeiro de 2023? Como o senhor avalia a conduta da Justiça brasileira nesse caso?
Acompanhei a insurreição golpista de 8 de janeiro e as intoleráveis depredações cometidas no Supremo Tribunal Federal. Assim como aconteceu com o surreal assalto ao Congresso nos Estados Unidos, considerei o que aconteceu naquele mesmo dia, nas redes sociais, um grosseiro desrespeito aos resultados eleitorais, um golpe farroupilha realizado nas urnas e um grave ataque ao Estado de Direito . Fiquei apenas surpreendido com o facto de as autoridades civis e militares terem permitido concentrações de manifestantes fora dos quartéis incitando à rebelião e de o novo governo não ter uma força de intervenção eficaz e pronta para reprimir a multidão que tentava ocupar as instituições, dado que o na véspera, os apelos à referida manifestação multiplicaram-se nas redes. Quanto à reacção do Judiciário, diria que em geral foi correcto atribuir responsabilidade criminal às pessoas que encorajaram, apoiaram, organizaram e lideraram a insurreição. Em qualquer caso, as responsabilidades penais são determinadas individualmente e não colectivamente e não podem constituir pretexto para prisões por tempo indeterminado ou tentações justicialistas de “caça às bruxas” que podem gerar um efeito contrário desnecessário em sectores da sociedade civil.
Você acredita que o crescimento da extrema direita também aumentou os casos de xenofobia contra brasileiros na Europa, especialmente em Portugal?
O Centro de Estudos de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que dirijo, encomendou um inquérito sobre migração para 2023. E os resultados entre os inquiridos portugueses revelaram que a comunidade de estrangeiros mais bem integrada é a O brasileiro. (mais de 70% de respostas favoráveis). Na Faculdade de Direito de Lisboa e Coimbra, os estudantes brasileiros têm associações arraigadas e participam em cargos de gestão nas mesmas escolas. Eu diria que os casos de xenofobia são claramente minoritários ou marginais. Quanto à direita radical liderada pelo partido Chega, com 50 deputados, a informação pública disponível parece sugerir que o discurso crítico deste partido sobre a imigração nunca teve como alvo os brasileiros. Atendendo aos fatos, o partido em questão tem um deputado brasileiro negro e faz uma intensa campanha junto às comunidades bolsonaristas brasileiras, pois aposta nelas para crescerem eleitoralmente, contando com a naturalização dos moradores.
Como deverá a democracia liberal ser defendida contra as forças extremistas?
Em primeiro lugar, é necessário distinguir entre forças extremistas que querem derrubar a democracia e partidos radicais, que à esquerda e à direita competem pelo poder e respeitam as regras do jogo democrático. Não basta entender que o discurso de determinado partido ou movimento é politicamente incorreto para ser colocado no índice de novas inquisições. A democracia implica liberdade de expressão e tolerância para com aqueles que, como afirma o juiz Samuel Alito da Suprema Corte americana, “expressam ideias que detestamos”. Nesta lógica, a democracia liberal pressupõe que todas as tendências têm o direito de se expressar, manifestar-se e competir em atos eleitorais sem censura.
Você quer acrescentar mais alguma coisa?
Gostaria de me felicitar pelo enorme sucesso do Fórum de Lisboa, que este ano superou todas as expectativas e que é o maior e mais importante evento que se realiza entre os dois países, não só a nível jurídico, mas acrescentaria também, na discussão de políticas públicas. O Fórum realiza um encontro com uma dimensão inédita entre os meios académicos, jurídicos, políticos e económicos de Portugal e do Brasil que só poderá reforçar os laços humanos, culturais e estratégicos entre dois países unidos na história, na língua e na boa convivência humana e no seu destino no universal. O Ministro Gilmar Mendes, amigo e parceiro, do lado brasileiro tem sido a alma mater deste encontro de pessoas que pensam diferente, mas que pretendem construir, através do diálogo, da pesquisa e da troca de experiências, um pilar fundamental da economia luso-brasileira. comunidade: a do conhecimento.
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