A agenda conjunta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente chileno Gabriel Boric terminou nesta terça-feira (6/8) em Santiago com poucas palavras sobre o assunto que pairou no clima do encontro bilateral: a situação política na Venezuela.
Mesmo com poucas declarações sobre o tema, os diferentes posicionamentos dos esquerdistas Lula e Boric em relação à crise no país vizinho, desencadeada pela vitória de Nicolás Maduro declarada pela autoridade eleitoral, mas contestada pela oposição, que exige divulgação detalhada dos dados , foram expostos. de votação.
Lula manteve o foco no papel de mediador que o Brasil deseja desempenhar na crise, enquanto Boric repetiu o tom crítico em relação a Maduro, mencionando que os direitos humanos devem ser respeitados em todos os lugares, inclusive na Venezuela.
A crise venezuelana nem sequer foi mencionada na nota conjunta emitida pelos dois governos sobre o encontro.
O documento abordava, além de acordos bilaterais e assuntos de interesse comercial dos países, manifestações sobre as guerras em Gaza e na Ucrânia —mas nada sobre a contestação à reeleição de Nicolás Maduro, que está provocando protestos no país vizinho.
No primeiro dia do encontro, segunda-feira (8/5), Lula abordou brevemente a situação venezuelana em seu discurso no Palácio La Moneda, sede do governo chileno.
“Expor [para Boric] as iniciativas que empreendi com os presidentes Gustavo Petro [Colômbia] e López Obrador [México] em relação ao processo político na Venezuela”, relatou Lula, em depoimento à imprensa, sobre o encontro com Boric.
“O respeito pela tolerância, o respeito pela soberania popular é o que nos move a defender a transparência dos resultados. O compromisso com a paz é o que nos leva a apelar às partes ao diálogo e à promoção do entendimento entre governo e oposição”, continuou.
Durante o evento com Lula, Boric afirmou que falaria sobre o assunto nesta terça, mas acabou não o fazendo, pelo menos na agenda com o presidente brasileiro, que terminou no horário do almoço.
Na noite de segunda-feira, porém, Boric fez uma nova declaração sobre a Venezuela na rede social X, antigo Twitter.
O presidente chileno condenou a investigação do Ministério Público venezuelano contra Edmundo González, que concorreu nas eleições contra Maduro, e María Corina Machado, que lidera a oposição do país, que classificou como uma “perseguição criminosa”.
“Apelamos ao respeito pelos direitos humanos dos manifestantes e dos líderes da oposição”, escreveu Boric.
“Agora o regime de Maduro anuncia uma investigação criminal contra González e Machado, ao mesmo tempo que reprime o seu próprio povo, que exige que a sua vontade, expressa democraticamente, seja respeitada”, continuou o presidente chileno.
Na mesma noite, em discurso durante evento de negócios, Boric mencionou brevemente a Venezuela, dizendo que a defesa irrestrita dos direitos humanos deve se aplicar ao “Chile, ao Brasil e certamente à Venezuela, nestes dias difíceis que atravessam”.
‘Somos diferentes e isso é extraordinário’
Desde o início da crise na Venezuela, os presidentes do Brasil e do Chile adotaram posições diferentes em relação à situação política do país.
Enquanto Boric afirmou que era “difícil acreditar” na vitória de Maduro, Lula exigiu a publicação da ata de votação, mas chegou a dizer que o questionamento do resultado pela oposição era uma situação “normal” que o sistema de justiça do país poderia resolver.
Em seu discurso no Palácio La Moneda, após o encontro com Boric, o presidente brasileiro afirmou, sem mencionar diretamente a crise na Venezuela, que era natural que houvesse diferenças entre os países.
“Cada país tem a sua cultura, cada país tem os seus interesses, as suas nuances políticas. Não podemos esperar que todos digam a mesma coisa, pensem a mesma coisa, não somos iguais”, disse Lula.
“Somos diferentes e isso é extraordinário, porque a diferença permite-nos tentar encontrar as nossas semelhanças, as coisas que nos ajudam.”
Posteriormente, ao ser questionado por jornalistas, ao sair do hotel onde estava hospedado, sobre o fato de González ter se autoproclamado presidente eleito, Lula respondeu: “O cara nem tomou posse e vocês querem que eu fale”.
Segundo um diplomata que atua em negociações relacionadas à crise política na Venezuela ouvido pela BBC News Brasil, o principal foco da diplomacia brasileira é a articulação com a Colômbia e o México para abrir o diálogo entre o governo e a oposição.
Ambos os países têm governos de esquerda que mantêm relações com a Venezuela. Juntamente com o Brasil, divulgaram uma nota nesta sexta-feira (8/2) oferecendo “apoiar os esforços de diálogo e a busca de acordos que beneficiem o povo venezuelano”, mas sem detalhar como isso aconteceria.
A intenção, disse a fonte entrevistada pela BBC News Brasil, é promover um encontro de alto nível entre os chanceleres dessas nações, ou mesmo entre os presidentes. Neste segundo caso, a reunião poderia ser virtual.
A principal dificuldade, porém, é convencer Maduro a participar neste diálogo, reconhece o diplomata. A oposição está mais aberta à negociação.
Para o cientista político chileno Patricio Navia, professor da Universidade Diego Portales e da Universidade de Nova York, as diferenças entre Lula e Boric em relação à Venezuela refletem não apenas as diferenças geracionais entre os dois líderes de esquerda, mas também os diferentes papéis do Brasil e do Chile no região.
“Provavelmente, a reação de Lula [à situação na Venezuela] reflete um pouco mais de experiência política do que a reação de Boric, que teve uma reação muito mais visceral e crítica, o que de certa forma o deixa fora do espaço para gerar diálogo e negociação entre o governo e a oposição na Venezuela”, afirma Navia.
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