Por Rodrigo Matheus e Fernando Dias — De acordo com o dispositivo constitucional, cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) dar a última palavra nas matérias de legislação infraconstitucional, uniformizando a sua interpretação. Nesse sentido, é de grande importância o recente julgamento do Recurso Especial 2.093.778/PR, ocorrido em 18/06/2024, mantendo a decisão do TRF4, que considerou irregular o transporte oferecido pela Buser.
Na decisão do STJ foi feita uma análise minuciosa do mérito da questão e o relator, ministro Mauro Campbell Marques, destacou que o serviço oferecido pela Buser “implica, na realidade, a prestação irregular de serviço de transporte rodoviário de passageiros”.
As novas tecnologias não são um salvo-conduto que permita ignorar o sistema jurídico vigente. Como alertou o ministro Campbell Marques, “o que vejo, nas circunstâncias do caso, (…), é o abuso das vantagens advindas da inovação tecnológica, especialmente na complexa realidade brasileira (…)”.
Os defensores do modelo de “carta colaborativa” argumentam contra o livre exercício das atividades econômicas previsto no parágrafo único do art. 170 da CF e proibindo a adoção de restrições às novas tecnologias na Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019).
Acontece que a interpretação das leis não pode ser feita com lupa. O sistema jurídico é um sistema de regras e princípios que devem ser interpretados de forma coerente e harmoniosa. E, ao fazê-lo, não é difícil ao intérprete menos tendencioso compreender por que a atividade económica denominada fretamento depende de regulação para o seu exercício: para proteger os utilizadores e evitar a concorrência desleal com o serviço público de transporte público.
Ainda neste sentido, o intérprete deve analisar os diplomas como um todo e evitar interpretações baseadas apenas num único dispositivo. Não muito longe da arte. 170 da Constituição Federal, seu art. 175 é claro ao prever que o Estado, nos termos da lei, prestará serviços públicos, diretamente ou por concessão ou permissão.
O transporte público é um serviço público, qualificado como direito social, prestado sob regime pautado pela regularidade, continuidade, razoabilidade e controle tarifário, serviço gratuito, entre outros. Assim, o sistema de transporte público coletivo pressupõe uma compensação entre ligações excedentárias e deficitárias.
O fretamento é um serviço de transporte privado que não permite cobrança de passagens individuais e não é aberto ao público. Portanto, não se orienta pelos princípios do serviço público. Seu objetivo é o resultado econômico, para que sejam oferecidas apenas conexões com alta demanda, com liberdade de preços e sem atendimento de benefícios tarifários. Trata-se de atividade econômica em sentido estrito, gratuita à iniciativa privada, mas sujeita a autorização e regulamentação estatal, conforme decorre da parte final do parágrafo único do referido art. 170 da Constituição Federal.
Além de descumprir o atual marco regulatório, defender a concorrência entre fretamentos e transporte público coletivo significa desequilibrar os sistemas de serviços de transporte público público, tornando-os inviáveis.
Se o charter for explorado como serviço de transporte público, ou seja, com ligações ou linhas constantes, aberto ao público e com venda individual de bilhetes, a atividade é desnaturada e estabelece-se uma concorrência desleal e ruinosa com o transporte público. Foi exatamente o que considerou o STJ na referida decisão do Recurso Especial nº 2.093.778/PR.
Da mesma forma, comparações artificiais não podem ser utilizadas para justificar o modelo de “carta colaborativa”. O STF julgou o tópico 967 referente ao Uber, que não é idêntico ao modelo Buser. Isto porque não existe identidade de regime entre o transporte público coletivo (serviço público) e o transporte individual de passageiros (atividade económica de utilidade pública). O transporte individual é uma atividade privada e não está expressamente previsto na Constituição Federal, enquanto o transporte público regular está constitucionalmente consagrado como serviço público em todas as esferas.
A decisão do STJ é paradigmática, dada a sua referida competência para promover a uniformização da interpretação da legislação federal brasileira. O acórdão promove segurança jurídica, pois confirma a veracidade de inúmeras afirmações do Poder Judiciário a respeito da ilegalidade do modelo Buser.
*Rodrigo é mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Membro da Comissão de Direito Administrativo e da Comissão de Estudos de Infraestrutura do Iasp
*Fernando é advogado, formado pela PUC/SP, pós-graduado pela FGV, LL.M pela University of Virginia, mestrando pela Universidade de São Paulo
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