No foco das atenções pela impossibilidade de transparência e rastreabilidade, emendas parlamentares distribuídas por deputados e senadores aos seus redutos eleitorais sem nenhum critério são alvo da dedicação da Transparência Brasil, organização da sociedade civil que vem trabalhando para promover o controle por duas décadas. do poder público.
Em entrevista com CorrespondênciaMarina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, avalia que a chamada “emenda Pix”, repasse feito diretamente pelos parlamentares a estados e municípios sem apresentação de projetos e sem conhecimento da aplicação dos recursos, são “praticamente uma doação” para aliados políticos. A entidade apurou que esse tipo de alteração saltou de R$ 3 bilhões em 2022 para R$ 8 bilhões neste ano. O recurso é pago pelo governo federal.
O dirigente da entidade afirma ainda que o Congresso e os partidos não têm interesse em dar transparência a esse tipo de emenda, tanto que nenhum partido entrou no STF contra esse tipo de repasse, como foi feito no orçamento secreto, e nenhum parlamentar está disposto a defender publicamente as alterações do Pix. “Ninguém vai declarar que a emenda do Pix tem um ótimo formato. Seria dar um tiro no pé. De bazuca”, declarou. Abaixo estão trechos da entrevista:
A Transparência Brasil tem se concentrado na distribuição de emendas parlamentares, especialmente o “Pix”. O que mais chama sua atenção?
Principalmente duas coisas. A falta de transparência, que decorre da forma como foi criado, ou seja, é praticamente uma doação para estados e municípios, que não precisam firmar convênios, apresentar planos de trabalho, o dinheiro vai para lá e pronto. Deputados e senadores, por que vão postar informações sobre o que precisa ser feito, o que será comprado ou contratado com essa emenda? Eles não colocam e não sabemos de antemão o que será feito com ele. E há uma falta de responsabilização. Como estados e municípios recebem esses recursos e passam a ser seus, não precisam dizer como criaram o plano de trabalho. O que impede que a sociedade tenha ideia do que foi feito com aquele dinheiro, de forma geral.
E é algo difícil de ser acompanhado pela sociedade, não é? Se nada for publicado.
É um assunto árduo. Mesmo para pessoas no poder público é algo difícil de entender. Mas, ao mesmo tempo, o que chega aos cidadãos é um partido que justifica a existência destas alterações, ou a sua persistência, que é o deputado ou o senador, ou o seu aliado municipal, dizendo “consegui esta alteração” ou “trouxe esse dinheiro aqui.” Ou seja, existe apenas essa parte, entre aspas, da transparência, que é favorável, eleitoralmente, ao autor da emenda ou aos seus aliados. Ou mesmo parentes.
Isso é bastante comum de ver. Ainda mais em época eleitoral. Parlamentares com aliados inaugurando obras, com faixas e dizendo que garantiram os recursos.
Por vezes, esta é mesmo a única forma de sabermos quem foi o autor de uma determinada alteração. No caso de alterações de comissão, quem foi o verdadeiro autor. Isso porque o cara vai lá e bate no peito e diz que foi ele.
É curioso que poucos parlamentares, ou quase nenhum, se pronunciem em defesa da emenda do Pix, colocando a cara nela, como dizem. Mesmo que quase todo mundo use. Como você avalia?
Diga claramente, não. Imagine dizer “Isso é muito importante. Essas alterações do Pix têm um ótimo formato”. Ninguém dirá isso. Seria como dar um tiro no próprio pé com uma bazuca. Na prática, nada foi feito na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ou no Orçamento para garantir algum tipo de transparência ou melhorar a forma como esses recursos são controlados, o que diz muito sobre como a maioria ali pensa sobre essas alterações. Mesmo no caso do orçamento secreto, alguns partidos acionaram o STF para questioná-lo. Mas, reparem, não há partido processando o STF por causa das emendas do Pix. Esta também é uma grande indicação. Pode não ser suficientemente expresso ou explícito, mas o apoio é muito forte.
Como o senhor avalia a atuação do ministro Flávio Dino, do STF, que busca transparência na distribuição dessas emendas?
O ministro Flávio Dino está muito empenhado e assumiu a responsabilidade de acabar definitivamente com essa ideia de orçamento secreto.
A PGR também ajuizou ação e o Ministério Público, na peça, faz um histórico das alterações, como vocês sabem. A impressão que se dá é que, com o passar do tempo, os parlamentares se sentiram livres para chegar onde estão hoje, sem nenhum controle. O que você acha?
Dada a falta de resistência do próprio Executivo, que poderia ter questionado isso de forma um pouco mais assertiva, incisiva, conforme o Congresso avançava. Mas não. É uma espécie de simbiótico. O Congresso, ao longo do tempo, assumiu a maior parte do Orçamento e bloqueou a acção governamental sobre estas despesas. Ele sentiu o gostinho do que era bom e continuou buscando mais, sem muita resistência institucional.
O senhor falou do Executivo, que é muito dependente do Congresso, e a divulgação da emenda foi uma forma de relacionamento.
É realmente uma reflexão. As alterações, tal como estão hoje, reflectem esta co-dependência. Ao mesmo tempo, a relação entre o Congresso e o Executivo tornou-se mais tensa, no sentido de que o Executivo não conseguiu construir uma maioria, pelo que precisou de recorrer a algum tipo de negociação. Mas esta negociação ultrapassou o controlo ou o que era aceitável dentro dos negócios políticos. Claro que há negociação e é inevitável. O problema é a dimensão que isso tomou e se refletiu nesta dinâmica de alterações.
Um argumento utilizado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, é que ninguém conhece mais a realidade dos estados do que os deputados. Portanto, acesso a alterações. Você concorda?
Em princípio, sim. Em entender quando as alterações foram criadas e até em determinar o período, concordo. A criação deles tem a ver com isso. Mas nesta fase em que estamos, de facto, desde 2020, e na dimensão que isso tomou, não temos de concordar. Do jeito que está, cria um desequilíbrio muito grande na distribuição dos recursos federais no sentido de que não resolve problemas estruturais, nem mesmo naqueles redutos eleitorais dos beneficiados. Você continua tendo muitos municípios campeões em receber emendas com problemas de saneamento básico, falta de vagas em creches, em escolas. Então, onde isso vai dar? Para ações com bom custo-benefício, algo que dê visibilidade rápida, seja fácil de fazer, não exija grandes licitações e obras e o resultado seja visível aí. E, consequentemente, vem o resultado eleitoral. E você tem lugares completamente esquecidos, à margem. Entre os municípios vizinhos, alguns recebem milhões e outros não recebem absolutamente nada. Você tem um aprofundamento da desigualdade, que é absolutamente o oposto do que a Constituição e o Constituinte imaginaram ao passar por esse processo orçamentário através da proposta de emendas dos parlamentares. É um argumento muito raso e que funcionaria se tudo funcionasse de acordo com a Constituição, de acordo com a moralidade e a eficiência do poder público.
Na sua opinião, qual é a solução para este problema das alterações? Como fornecer transparência?
É uma questão muito complexa. As decisões do ministro Flávio Dino, até agora, se todas forem cumpridas, farão o mínimo que é dar alguma transparência e permitir ver, com clareza, o quão distorcido isso é. Agora temos algumas noções e teremos transparência para ver as distorções. Mas o ideal é acabar com essas distorções. Emendas do Pix, por exemplo, tem que ter outra forma de fazer. Emenda que não é tão burocrática, como se argumenta com as clássicas emendas individuais, que dependem do projeto, da aprovação e da demora na saída do dinheiro. Tem que haver um meio-termo entre essa vinculação completa e essa permissividade total que está na emenda do Pix, com melhores condições, com melhor vinculação, com indicadores de execução de políticas públicas, de desenvolvimento humano e indicadores de acesso a serviços públicos. Deve haver algo mais racional na aplicação destes recursos que reduza ao máximo o uso político eleitoral da sua aplicação.
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