Polêmico e pragmático, o ex-ministro Antônio Delfim Netto morreu nesta segunda-feira (12), aos 96 anos. Um dos economistas mais conhecidos do país, nunca foi unânime, mas sua influência no debate econômico é indiscutível.
Responsável pela formação de sucessivas gerações de economistas, Delfim viveu seu auge durante os anos do governo militar, mas manteve relevância após a redemocratização, sendo considerado o ministro da Fazenda mais poderoso da história republicana.
Internado desde a última segunda-feira (8/5) no Hospital Israelita Albert Einstein por complicações de saúde, ele deixa uma filha e um neto. Segundo a assessoria de imprensa da família, o velório e o sepultamento serão restritos à família.
Descendente de imigrantes italianos, nascido em maio de 1928, na capital paulista, formou-se economista em 1951 pela Universidade de São Paulo (USP) e tornou-se professor em 1958 com tese de doutorado sobre café. Foi na mesma instituição que fez carreira acadêmica como professor titular de Análise Macroeconômica e recebeu o título de professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Foi membro do Conselho Consultivo de Planejamento (Consplan) do governo Castelo Branco em 1965 e tornou-se secretário da Fazenda do governo paulista em 1966. Depois de se destacar no cargo, Delfim Netto assumiu o Ministério da Fazenda em 1967, sob a presidência do general Costa e Silva, e foi um dos arquitetos da política econômica brasileira durante a ditadura militar.
O rápido crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da época fez com que Delfim fosse conhecido como o “Milagre Econômico”. O período apresentou características marcantes, como crescimento médio de 10% ao ano, significativo desenvolvimento industrial, modernização da infraestrutura e aumento das exportações, impulsionando a economia brasileira. Contudo, as políticas desenvolvimentistas levaram a sérios problemas de dívida externa no país, o que acabou resultando na hiperinflação que marcou o início da redemocratização.
AI-5
À frente da equipe econômica, foi um dos signatários do Ato Institucional Número 5 (AI-5), decreto que deu início ao período mais sangrento da ditadura, a partir de dezembro de 1968. Em entrevista ao programa Roda Viva, em 2019, o economista afirmou que assinaria novamente a lei. “Não há arrependimento possível por algo sobre o qual você não tem controle”, disse ele.
Delfim Netto permaneceu como titular da pasta até 1974, tornando-se um dos Ministros da Fazenda mais antigos do país, durante sete anos. Logo após esse período, tornou-se embaixador do Brasil em Paris (1975-1977). Ao retornar ao Brasil, foi Ministro do Planejamento, entre 1979 e 1985, e Ministro da Agricultura (1979).
Foi eleito deputado federal pela primeira vez em 1987, onde exerceu cinco mandatos como deputado federal pelo estado de São Paulo, até deixar o Congresso em 2007.
Conselheiro
Delfim se reinventou na carreira política, tornando-se um dos poucos personagens que teve acesso ao poder na era militar e civil. Ministro nos governos dos generais Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e João Baptista Figueiredo, também exerceu influência nos governos de José Sarney.
Embora sua imagem estivesse ligada à ditadura, Netto tornou-se uma espécie de assessor informal do presidente Lula durante seu segundo mandato (2007-2010). Além disso, deu conselhos a Dilma Rousseff e também foi procurado por Michel Temer.
Ao lamentar a morte do economista, Lula lembrou que o criticou durante 30 anos. “Na minha campanha de 2006, pedi desculpas publicamente porque ele foi um dos maiores defensores do que fizemos nas políticas de desenvolvimento e inclusão social que implementei nos meus dois primeiros mandatos”, disse ela.
Segundo o petista, ele participou bastante das discussões de políticas públicas nesse período. “Quando o adversário político é inteligente, ele nos faz trabalhar para sermos mais inteligentes e competentes”, destacou o chefe do Executivo, que teve voto a seu favor declarado por Delfim nas eleições de 2022, quando disputou a presidência com Bolsonaro.
Delfim foi alvo de busca e apreensão durante a operação Lava-Jato em 2018, suspeito de ter recebido propina durante as obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Ele negou as acusações, dizendo que recebeu pagamento de uma construtora por uma consultoria e que teria declarado o dinheiro.
Colunista dos principais veículos de imprensa do país há anos, ele, que tinha pouco uso de tecnologia, acabou ganhando destaque nas redes sociais com um vídeo em que defendia o sedentarismo como forma de prolongar a vida.
Vida acadêmica
Mesmo optando pela carreira política, o economista e ex-ministro Antônio Delfim Netto construiu um grande legado acadêmico. Professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), teve a rara capacidade de transitar entre as diversas escolas de ciências econômicas.
Lembrado por suas ironias ferozes e frases memoráveis, foi um defensor dos gastos públicos como motor do desenvolvimento econômico e foi considerado um dos três grandes economistas que moldaram as mudanças na economia brasileira no século XX, ao lado de Roberto Campos e Mario Henrique. Simonsen.
Com 10 livros publicados sobre problemas da economia brasileira, além de centenas de artigos e estudos, seus trabalhos de ensino e pesquisa estão focados no planejamento governamental e na teoria do desenvolvimento econômico.
Em seu último discurso ao Correio, em fevereiro de 2014, no momento das discussões sobre o início das emendas obrigatórias individuais, ele argumentou que não cabia ao Legislativo ter o controle do Orçamento. “A perspectiva de acumulação de gastos por parte do Congresso é uma tragédia, uma canalha. O risco de derrubar o veto do presidente é o início da tempestade perfeita. É uma irresponsabilidade que não tem limite”, argumentou.
O economista Aloísio Araújo, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EPGE), manteve conversas informais com Delfim nos últimos anos sobre política econômica. Ele destacou sua capacidade de se reinventar. “Inteligente e perspicaz, sempre acompanhou o debate económico procurando manter-se atualizado, na medida do possível”, comentou.
Araújo considerou que o economista teve erros e acertos, lembrando o legado deixado pelo “Milagre Econômico”. “A palavra milagre não é muito boa, houve economistas, antes, que fizeram reformas que prepararam o terreno para o crescimento económico, não teria sido possível sem isso”, disse Araújo.
A sagacidade era o diferencial de Delfim, segundo o colega. “O mais marcante é que ele viu uma oportunidade de fechar investimentos, colaborou com a formação de infraestrutura, construção de hidrelétricas, e foi uma fase que permitiu ao Brasil crescer muito. teve um crescimento econômico que não se preocupou com a educação, destinado a ter certas limitações”, avaliou o economista.
Delfim Netto doou cerca de 100 mil livros à FEA-USP, onde se formou e foi Professor Emérito. Segundo a instituição, sua biblioteca é considerada o acervo mais completo da área econômica do Brasil. “O legado acadêmico e intelectual do Professor Delfim continuará sendo lembrado por todos que tiveram o privilégio de conviver com ele, e também por aqueles que poderão acessar as obras de seu acervo construído ao longo de mais de oito décadas disponíveis na Biblioteca da FEA- USP”, disse a USP, em nota.
Desenvolvimentismo
Ao lamentar a morte de Delfim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva relembrou a morte da economista portuguesa Maria da Conceição Tavares, em junho deste ano. “Em pouco tempo, o Brasil perdeu duas referências no debate econômico do país”, disse.
O desenvolvimentismo tem um ponto comum entre ambos. Maria da Conceição foi progressista, uma forte defensora do papel do Estado como motor do bem-estar social e da promoção económica. Delfim Netto se definia como keynesiano, defensor de uma política industrial para o Brasil e a favor de uma certa intervenção estatal na economia.
“O legado do trabalho e do pensamento dos dois, divergentes, mas ambos de grande inteligência e erudição, continua a ser debatido pelas futuras gerações de economistas e figuras públicas”, destacou o petista.
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