Em meio a um cenário global marcado por conflitos humanitários e deslocamentos forçados, o Brasil tem se destacado pelo acolhimento de refugiados. Isso porque, segundo a Agência da ONU para Refugiados no Brasil (ACNUR), em 2023 o mundo atingiu a marca de 114 milhões de migrantes deslocados à força e, desse total, 710 mil vivem no Brasil.
Ao chegar a um novo país, a barreira linguística é o segundo maior desafio enfrentado pelos refugiados para se integrarem na sociedade local, perdendo apenas para os casos de xenofobia por parte de funcionários públicos, segundo o inquérito “Diagnóstico Participativo”, realizado pelo ACNUR.
Desafios de não saber o idioma
Ao chegar ao Brasil, no início do ano, o afegão Mohammad Reza se juntou ao grupo de refugiados acampados no aeroporto de Guarulhos à espera de serem acolhidos. Ele lembra que não saber falar Língua portuguesa Teve um impacto enorme naquela época. “Foi muito difícil quando cheguei aqui, não conseguia me comunicar, não conseguia conversar com as pessoas. Se eu precisasse ir ao supermercado comprar alguma coisa, não conseguia nem dizer ‘quanto é isso’ ou ‘quanto é aquilo’, tinha que usar o Google Tradutor”, conta.
Quando a ajuda chegou, Mohammad e outros seis afegãos conseguiram sair de Guarulhos e se instalar no abrigo da ONG Planeta de Todos, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. A ONG, comprometida com a integração sociolaboral dos refugiados, tem uma proposta de ação que inclui, além das aulas de inglês e da capacitação para o mercado de trabalho, as importantíssimas aulas de português, ministradas pela professora voluntária do Planeta de Todos, Thaís Calache.
Com quase 20 anos de experiência lecionando em sala de aula, ela destaca que simplificar a complexidade da língua portuguesa é uma grande missão. “Foi um desafio entender as reais necessidades dos alunos e adaptar conteúdos complexos para quem nunca teve contato com o nosso idioma de forma estruturada”, afirma.
Sem comunicação nada sustenta
A professora relata que o início do trabalho na ONG trouxe um sentimento de preocupação quanto à importância de sua contribuição. “Sem uma comunicação eficaz, nada pode ser sustentado. Aprender Português é fundamental para a integração de pessoas refugiadas na comunidade, desde uma situação mais simples, como pegar um elevador e poder se comunicar com qualquer pessoa que esteja nele, até interações em ambiente de trabalho”, explica.
Aprender a língua permite que a população refugiada viva de forma independente e se sinta parte integrante da sociedade, impactando diversas esferas:
1. Integração social e cultural
Segundo André Naddeo, diretor executivo da ONG Planeta de Todos, saber se comunicar é essencial para a integração em qualquer nova sociedade. “Sem um conhecimento básico da língua portuguesa, os refugiados podem enfrentar dificuldades em estabelecer ligações sociais, compreender e participar em atividades culturais e construir relações com membros da comunidade local”, afirma.
2. Acesso a serviços básicos
A barreira linguística pode impedir que os refugiados tenham acesso a serviços essenciais, como saúde, educação e assistência social. Situações comuns, como entender orientações médicas, agendar consultas, preencher formulários administrativos e entender informações importantes sobre seus direitos e deveres, tornam-se difíceis.
3. Emprego e meios de subsistência
A capacidade de comunicar na língua local é um dos requisitos básicos para os refugiados encontrarem emprego. Não entender o português dificulta ou impossibilita a participação entrevistas e até mesmo interação com colegas e clientes.
4. Saúde mental e bem-estar
A sensação de não conseguir expressar-se adequadamente pode afetar a autoestima e a confiança dos refugiados, aumentando o sentimento de insegurança e vulnerabilidade.
Integração com a vida cultural da comunidade
Embora tenha passado pouco tempo desde o início das aulas de português, a professora comemora o progresso dos refugiados e destaca que eles já conseguem participar ativamente da vida cultural da comunidade. “Fiquei sabendo por um amigo que, num final de semana, ele viu os meninos da ONG participando de aulas de forró que são oferecidas em nossa cidade”, conta Thaís Calache. “Ele me disse que eles estão se comunicando bem e que usam os pronomes corretamente, de uma forma que poucas pessoas fazem. Isso me deixa muito feliz”, acrescenta.
Há cinco meses, no Planeta de Todos, Mohammad Reza celebra o progresso nas aulas de português como um passo importante para a construção de uma nova vida no Brasil. “Não pude ficar no meu país, estava numa situação ruim lá e sabia que haveria muitas dificuldades e desafios quando chegasse Brasil“, afirma. “Mas eu acreditei em mim mesmo e que deveria passar por tudo para ter uma vida nova aqui e isso me dá energia. Agora sinto que posso me comunicar e resolver meus problemas. Me sinto melhor com isso”, comemora.
Por Nayara Campos da Silva
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