Um dos desafios no tratamento da doença de Parkinson é que medicamentos e dispositivos para estimular a produção de dopamina – que é escassa nos pacientes – também podem causar movimentos descontrolados, chamados discinesia. Depois que o efeito passa, você retorna a um estado de tremor e rigidez. Um tratamento individualizado, que reduz flutuações extremas nos sintomas, foi demonstrado ser possível por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos.
Os cientistas descreveram, em dois estudos publicados ontem, um tipo de estimulação cerebral profunda (DBS) capaz de reconhecer sinais cerebrais que acompanham diferentes sintomas. Assim, o sistema autorregula a produção de dopamina, evitando que a substância seja fabricada em excesso ou de forma deficiente. Os artigos foram publicados na revista Medicina da Natureza.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10 milhões de pessoas sofrem da doença de Parkinson em todo o mundo. No Brasil, estima-se que existam 200 mil pacientes. A condição é caracterizada pela perda progressiva de neurônios produtores de dopamina em regiões profundas do cérebro, responsáveis pelo controle dos movimentos. A falta dessas células também pode causar sintomas não motores, como transtornos de humor e insônia.
Levodopa
Geralmente, o tratamento começa com o medicamento levodopa, e alguns pacientes também são indicados para implantação de dispositivo de PAE no cérebro. O dispositivo fornece um nível constante de estimulação dos produtores de dopamina. Um dos problemas é que o equipamento pode compensar demais ou subcompensar, fazendo com que os sintomas flutuem de um extremo ao outro durante o dia.
Os pesquisadores da UCSF trabalharam para melhorar a abordagem e criaram a tecnologia adaptativa de estimulação cerebral profunda (aECP), que usa inteligência artificial (IA) para monitorar a atividade cerebral de um paciente em busca de alterações nos sintomas. Ao detectá-los, ele intervém, com pulsos elétricos precisamente calibrados. Segundo os autores do estudo, a terapia complementa a ação dos medicamentos para Parkinson: quando a substância está ativa, há menos atividade; À medida que o efeito da droga passa, os estímulos aumentam.
Num teste com quatro pacientes, os cientistas descobriram que aECP melhorou as flutuações dos sintomas em 50%. Segundo eles, esta é a primeira vez que uma tecnologia de implante cerebral de circuito fechado – que se ajusta com base na resposta do próprio cérebro – funciona corretamente. O dispositivo também permite ao usuário sair do modo adaptativo ou até mesmo desligar a estimulação.
Padrões
“Este é o futuro da estimulação cerebral profunda para a doença de Parkinson”, disse Philip Starr, pesquisador da Clínica de Distúrbios do Movimento e Neuromodulação da UCSF e um dos autores seniores do estudo. Em apresentação online para a imprensa, ele disse que há mais de 10 anos busca os fundamentos da tecnologia. Em 2013, Starr descobriu como detectar e registrar os ritmos cerebrais anormais associados ao Parkinson. Há três anos, a equipe do neurologista identificou padrões específicos nessas frequências que correspondem a sintomas motores.
De acordo com Starr, embora os pesquisadores procurem há muito tempo melhorar a PCE, só recentemente as ferramentas e técnicas corretas permitiram o desenvolvimento de dispositivos para uso a longo prazo. No início deste ano, outra equipe da UCSF, liderada pelo neurocientista Simon Little, demonstrou na revista Comunicações da Natureza o potencial do DBS adaptativo para aliviar a insônia, um sintoma comum no Parkinson.
“A grande mudança que fizemos é que fomos capazes de detectar, em tempo real, onde um paciente está no espectro de sintomas e combinar isso com a quantidade exata de estimulação de que necessita”, disse Little. O cientista é coautor sênior dos dois estudos publicados ontem.
Este nível de personalização do PCE é possível porque o dispositivo reconhece os sinais cerebrais que acompanham os diferentes sintomas do Parkinson. Pesquisas anteriores identificaram padrões de atividade cerebral relacionados a diferentes alterações motoras em uma região profunda do cérebro que coordena o movimento, chamada núcleo subtalâmico (STN).
A área é a mesma estimulada pelo dispositivo convencional, e Starr suspeitou que a ativação estava na verdade silenciando os sinais que precisava captar. O neurocientista procurou então sinalização alternativa em outra região do cérebro, o córtex motor, que não seria enfraquecido pela FEC. O próximo desafio foi desenvolver um sistema adequado para uso fora do ambiente de laboratório.
O desafio é ampliar o acesso à abordagem
Embora a descoberta de um dispositivo capaz de regular a produção de dopamina no cérebro seja promissora, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco (UFSC), destacam que existem desafios significativos para tornar amplamente disponível a terapia para a doença de Parkinson. A configuração inicial do dispositivo descrita pelos cientistas na revista Medicina da Naturezapor exemplo, requer médicos altamente treinados. Muitas consultas clínicas também são necessárias para ajustes, algo que, no futuro, poderá ser feito pela própria estimulação cerebral profunda (ECP).
“Um dos grandes problemas que as PAE enfrentam, mesmo em indicações aprovadas como o Parkinson, é o acesso, tanto para os pacientes em termos de onde podem obtê-las, como para os médicos, que necessitam de formação especial para programar estes dispositivos”, disse ele. , em nota, Megan Frankowski, diretora do programa Brain Initiative, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, que financiou o projeto. “Se houver uma maneira de um sistema encontrar as configurações ideais com o toque de um botão, isso realmente aumentará a disponibilidade deste tratamento para mais pessoas.”
Para Craig van Horne, do Neurorestoration Center, do Instituto de Neurociências da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos, com melhorias, a EPC tem potencial não apenas para controlar os sintomas, mas para retardar a progressão do Parkinson. “Você pode administrar medicamentos, pode até fazer estimulação cerebral profunda e tratar alguns dos sintomas, mas isso ainda não impede a progressão”, diz Van Horne, que não esteve envolvido no estudo da Califórnia.
Atualmente, o neurocientista está trabalhando em um procedimento experimental que combina DBS com enxerto de nervo, abordagem chamada DBS-Plus. “Nenhum desses avanços tem um modelo único. A personalização será fundamental para alcançar os resultados que desejamos.” (PÓ)
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