As mudanças são saudáveis, apesar de assustarem quem gosta do conforto de ver as coisas como elas são. Para a banda Fontaines DC, a mudança é praticamente um dogma. A cada novo passo que decidem dar, é preciso mudar o rumo e buscar coisas novas. Romanceálbum lançado nesta sexta-feira (23/8), é mais uma daquelas viradas que os cinco irlandeses buscam e mais um sucesso nesta jornada.
O álbum de 11 faixas e 37 minutos de duração foge do pós-punk com referências ao grunge que abriu os olhos do mundo para a banda. A música do grupo também ganha nuances mais complexas que seu antecessor Fia skinty. Desta forma, Romance ainda é um álbum alternativo, mas com mais abrangência musical e camadas estéticas refinadas e que mostra muito mais possibilidades que os anteriores. “Depois de gravar três álbuns e aprender muito com eles. Cada um de nós foi para seu estúdio e trabalhou em novas ideias e possibilidades sonoras até chegarmos a um ponto comum, uma cabeça compartilhada entre os 5 integrantes”, analisa o guitarrista Conor Curley em entrevista ao Correspondência.
Procuram estar sempre nesta mesma página, na chamada “cabeça compartilhada”. “Quando você está escrevendo com mais quatro pessoas, o objetivo é que todos olhem na mesma direção em cada movimento e ideia”, ressalta. Acordo a caminho então é, para eles, um certificado de que está funcionando. “Acho que agora somos proficientes nisso”, diz ele.
O músico explica que o álbum é diferente, porque a mudança é uma necessidade tão importante quanto escrever músicas para os integrantes. “É preciso mudar um pouco de um projeto para outro para nos sentirmos vivos e que o tempo continue avançando, para sentirmos que não estamos presos no mesmo lugar”, comenta.
Para atender a esse desejo necessário, a banda se uniu a um dos maiores nomes da música britânica: o produtor James Ford. “Como fizemos todos os últimos discos com a mesma pessoa, James conseguiu adicionar uma mudança sonora. É interessante trazer um elemento novo”, pontua o guitarrista. Ford trabalhou com artistas pop do calibre de Jesse Ware, Kylie Minogue e Pet Shop Boys; bandas como Arctic Monkeys, Haim, Depeche Mode, Gorillaz e Blur; e artistas underground como Shame, Geese e Moon Diagrams. “Ele é incrível em todas as características que um grande produtor deve ter. Tem um ouvido apurado, um sentido especial de arranjo e é um músico fantástico atento às cordas e às melodias. Sem falar que ele é um baterista impressionante”, elogia.
Se fosse necessária uma mudança, uma figura como Ford seria muito útil. A possibilidade começou quando Fontaines estava em turnê com o Arctic Monkeys e o resultado foi o melhor possível. “Onde quer que você queira ir, ele lhe mostrará o caminho. Acho que foi isso que ele fez conosco”, afirma o artista.
As mudanças são mais constantes do que o normal para uma banda. Desde que começou em 2019, Fontaines DC só lançou um novo álbum em 2023, que contou apenas com a versão deluxe do álbum Fia skinty. Eles estão juntos há pouco mais de cinco anos, quatro álbuns lançados, além de um ao vivo e as faixas bônus já citadas. “Estamos lançando muito porque escrevemos e produzimos muito. Música é feita para ser lançada, até acabar não vamos parar de lançar”, afirma Curley.
Prodígios
O ritmo também é acelerado pela vontade de todos em ver seu trabalho em um local de prestígio. “A consolidação como grupo e banda que toca em todo o mundo era um objetivo. Quando tivemos sucesso com o primeiro álbum queríamos lançar o segundo imediatamente, justamente para provar que não era apenas a nossa estreia”, confessa.
Desde o lançamento de Dogrelseu álbum de estreia de 2019, Fontaines DC foi altamente reconhecido pela crítica e ouvintes no nicho da música alternativa. Essa síndrome do jovem gênio aumentou a exigência de “acertar”. “Ser reconhecido desde o início, ver que recebíamos críticas positivas e ver que isso se refletia nas pessoas dos nossos shows nos fez sentir pressionados a ser melhores”, afirma Curley.
A banda sentiu que havia uma chama que nunca poderia ser extinta. “É uma sensação estranha, como se tivéssemos que deixar uma vela acesa o tempo todo. O que exige cuidado e atenção ininterruptos. Nosso trabalho como banda é proteger e compartilhar o que as pessoas amam e o que fazemos”, reflete o artista que entende que isso também gera expectativas infinitas. “Temos que pensar constantemente em fazer algo que achamos que eles vão gostar, ao mesmo tempo que alcançamos nossos objetivos criativos”, acrescenta.
O guitarrista percebe que no momento atual a urgência passou e que o grupo agora vive os frutos e a honra de ter alcançado o sucesso. “Esta é a primeira vez que não queríamos provar nosso valor para nós mesmos”, acredita ele. Porém, agora eles querem encontrar um novo horizonte. “Acho que foi consequência do nosso trabalho, mas também surge um desafio: mostrar o que fazemos sob um holofote mais popular, ou menos alternativo”, afirma.
Para banda, o Romance levanta novas possibilidades. “Talvez estejamos procurando tornar nosso som um pouco mais amigável ao rádio. Já fizemos coisas estranhas e alternativas, queremos novos desafios agora”, sugere Curley. “Pretendemos olhar mais para o futuro, porque lá não há nada e precisamos criar o que será o futuro”, exalta.
Conexão Irlanda-Brasil
Fontaines DC faz parte de uma grande safra de artistas irlandeses em ascensão. Cillian Murphy e Paul Mescal em Hollywood são um bom exemplo disso. “A Irlanda tem alguns estigmas, seja por ser um país muito católico ou por ter um sotaque inglês diferente, mas quando uma pessoa sai de lá e explode artisticamente, é de uma forma imensa”, explica Curley, que lembra que houve um tempo quando a literatura cresceu no país. “James Joyce, Samuel Beckett e Brendan Behan, por exemplo, estiveram à frente do mundo”, lembra.
O que explica este movimento é que os habitantes se sentem isolados, o que de facto estão geograficamente. “Crescemos com a ideia de que nossa cena artística era pequena e não chegava ao mundo da maneira que achávamos que deveria”, diz ele. “Queríamos tanto provar que o mundo estava errado que acabamos ficando obcecados em contar a história de como as coisas são para nós”, acrescenta.
O resultado é visível, Murphy ganhou o Oscar, Mescal é um dos atores mais cobiçados da atualidade, a escritora Sally Rooney tem best-sellers consecutivos e Fontaines DC busca espalhar a música pelo mundo e receber reconhecimento, sendo indicado ao Grammy e colocar álbuns nas listas dos melhores do ano. “É legal ver uma pequena ilha de onde viemos indo tão bem, é muito bom fazer parte dela”, comemora.
Porém, é impossível dominar o planeta sem agradar um dos públicos mais entusiasmados: o Brasil. “Tem muitos brasileiros na Irlanda e conheci vários e são todos pessoas maravilhosas. Acho que existe uma ligação entre irlandeses e brasileiros no que diz respeito ao amor pela diversão”, afirma Curley. “Espero muito que num futuro próximo possamos ir ao país. Tocar para os nossos fãs e ouvir a sua música”, almeja o músico que admite apreciar o trabalho de Caetano Veloso.
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