Para se manter fiel aos objetivos do Fórum de São Paulo, de apoiar as forças de esquerda na América Latina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva constrange o Itamaraty e o Brasil, ao não acompanhar a reação de 11 governos democráticos do continente, que rejeitam “categoricamente” a certificação, pelo Supremo Tribunal venezuelano, da vitória de Nicolás Maduro, com a proibição de exibição da ata do Conselho Nacional Eleitoral, “em caráter inapelável”. Ou seja, num jogo em que Maduro perdeu, o árbitro pegou a bola e declarou a vitória, sem direito a mostrar o VAR dos gols.
A Organização das Nações Unidas (ONU), a União Europeia (UE), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e 11 países americanos protestaram contra a fraude explícita, mas o Brasil não o fez. Para Maduro, a posição de Lula parecia uma traição. E para Daniel Ortega, da Nicarágua, Lula “quer ser representante dos ianques”. Ele o chamou de bajulador dos Estados Unidos. Danos por todos os lados.
Além disso, o PT, partido de Lula, reconheceu imediatamente a vitória de Maduro, antecipando mesmo a certificação do Supremo Tribunal venezuelano. Ao contrário de Maduro, Ortega e do PT? O impasse de Lula.
A Colômbia, onde estão três milhões de refugiados venezuelanos, e o Brasil ainda esperam convencer Maduro. Para quê? Lula já disse que a eleição foi normal, que a oposição insatisfeita pode ir à Justiça e que serão realizadas outras eleições (até Maduro vencer?). Tentando não parecer tão mal, ela admitiu mais tarde que o regime venezuelano é “muito desagradável” e que as atas precisam ser mostradas. Ele insistiu com o presidente colombiano, Gustavo Petro, que era preciso mostrar a ata, o que foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal.
O vencedor, Edmundo González, teria que se apresentar ontem ao Ministério Público para explicar a página da oposição que mostra os resultados em 82% das urnas. O MP considera isto uma usurpação de competência, alegando que só a CNE, Conselho Eleitoral, pode mostrar o resultado. Simplesmente não aparece. Porque se você mostrar, verão que Maduro perdeu.
Fórum de São Paulo
Lula e Fidel Castro fundaram o Foro de São Paulo em 1990, no âmbito do PT. Ainda faltavam dois anos para que o tenente-coronel pára-quedista Hugo Chávez tentasse o poder através de um golpe de Estado, em fevereiro de 1992. Ele foi condenado e preso. Em fevereiro de 1999, foi eleito presidente. Em 2003, perguntei ao então ministro José Dirceu como lidar com Chávez, que já era conhecido por suas bravatas. Ele me disse — não lembro as palavras exatas — que seria como lidar com alguém desequilibrado.
Em 2008, Chávez criou, com Lula, em Brasília, a Unasul (União das Nações Sul-Americanas). O ex-presidente Jair Bolsonaro tirou o Brasil da Unasul e Lula o recolocou no ano passado, anunciando que precisava reconstruir a entidade.
No início de seu governo, em Brasília, Lula tentou “vender” Maduro aos colegas sul-americanos na reunião da Unasul, o que irritou alguns, como o esquerdista Gabriel Boric —que agora denuncia fraudes eleitorais na Venezuela.
A situação parece impossível de resolver. Lula foi longe demais com Maduro e agora se depara com esse impasse. Para nós, brasileiros, uma oportunidade de refletir. Lembra quando Maduro zombou do nosso sistema eleitoral? “No Brasil, nem uma única cédula é auditada.” Bem, agora ele está pagando por isso. Ele não pode mostrar a ata, pois ela revela que perdeu. A auditoria em tempo real, por meio da leitura de um QR Code, permitiu à oposição e ao Carter Center, convidado pelo Acordo de Barbados, acessar os resultados. Agora, o Supremo Tribunal da Venezuela proibiu a sua exibição, mas é tarde demais.
Aqui no Brasil buscamos mais segurança depois do caso Proconsult, que quase derrotou Leonel Brizola. Por três vezes, o Congresso aprovou a prova de voto digital. Projetos de Roberto Requião e Brizola Neto; de Flávio Dino e Brizola Neto; e Bolsonaro. Os dois primeiros sancionados por Fernando Henrique Cardoso e Lula, o terceiro vetado por Dilma Rousseff, com veto derrubado por 71% do Congresso.
Mas, por três vezes, o Supremo Tribunal Federal (STF) não permitiu. E em breve teremos eleições.
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