Bionirica – Uma biografia de sonho É um livro apenas para mulheres. São rostos femininos que você vê, um após o outro, mais ou menos coloridos, como se todos saíssem do mesmo jeito. São todas Ana Miranda, que assina esta autobiografia ilustrada e inusitada com lançamento marcado para amanhã, às 19h00, na Associação Nacional de Escritores (ANE). “Quase todos os meus desenhos são de mulheres, porque são algo que vem de dentro. E todas as mulheres do livro se parecem comigo, mas ao mesmo tempo são todas mulheres que consigo reconhecer”, avisa Ana.
Autora de mais de 30 livros, entre romances, livros infantis e poesias, e vencedora de três Jabutis, Ana Miranda começou a desenhar ainda criança, como forma de mergulhar no imaginário. Ela desenhou a vida inteira e guardou tudo como se fosse um diário até perceber que ali havia um livro. “Sou uma pessoa de livros. Se me expresso em um livro, sinto que o sonho realmente se torna realidade. O livro é um ser memorial, um ser longevo, que carrega em suas páginas o universo infinito das palavras. O livro cria intimidade entre os seres, amizade, compreensão”, explica o autor de obras emblemáticas como Dias e dias, Boca do inferno e Desmundo.
Coletado no livro Bioniricaos desenhos são uma forma de Ana olhar para outra forma de contar histórias. Organizado cronologicamente, o livro abrange desde os primeiros desenhos até os mais recentes, o que permite acompanhar o desenvolvimento e as projeções da própria autora. Os personagens desenhados na adolescência são magros, sem seios, menores e com figuras mais infantis. Com o passar do tempo, eles ficam mais cheios, mais fortificados. Para a autora, são reflexo de seu próprio amadurecimento.
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Aos poucos, vão ganhando aspecto de damas, mais corpulentas. “E com o quadril recheado, o que aconteceu com meu corpo, e deve acontecer também com minha alma. Os desenhos de adolescentes têm uma vibração intrínseca. animais, mulheres vegetais, mulheres indígenas, trapezistas, dançarinas, sereias, mulheres aladas, mulheres dos sonhos, mas todas são Ana, afinal”, afirma.
Alguns blocos de desenho vêm acompanhados de textos sempre muito poéticos, mas também reveladores da biografia do autor. Escritos para o livro, os textos contam a história do que Ana chama de dilema. “Um dilema que é meu e de muita gente, ainda mais nestes tempos em que estamos fragmentados pelo sistema. O dilema da múltipla expressão. Um dilema do artista e do ser humano”, alerta. “Em alguns desenhos do livro você pode ver como as línguas estão profundamente entrelaçadas. Alguns desenhos são feitos de palavras. E palavras que são sonhos, cores.” De Fortaleza, cidade onde nasceu há 73 anos e para onde voltou em 2006, Ana Miranda conta a aventura de descobrir desenhos antigos e montar o acervo em um livro.
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Entrevista//Ana Miranda
Você pode nos contar um pouco sobre como e por que começou a fazer desenhos?
O desenho é uma das primeiras expressões humanas, está nas paredes das cavernas, e continua até hoje a ser uma forma fabulosa de transmitir sensações, percepções, sonhos, desejos, todo o lado espiritual e o lado social humano. Todo ser humano desenha, não importa o que aconteça. Os malucos da Dra. Nise da Silveira se curavam desenhando. Comecei a desenhar ainda criança, como todas as crianças, e talvez fosse para me curar do mundo que me rodeava e experimentar as maravilhas do mundo da imaginação e do mundo das artes.
Em um dos textos que acompanham os desenhos, você fala sobre viver em paz com eles, com sua feiúra, e amar seus monstrinhos. Como é a sua relação com esses desenhos? O que eles representam para você?
Quando um desenho é bonito, harmonioso, bem feito, sinto uma sensação de bem-estar e paz. Tudo é azul na América do Sul. Mas alguns desenhos são grosseiros, distorcidos, feios, e sinto a dor do erro. Mas a dor do erro é o que mais nos ensina, é quando somos mais verdadeiros, quando deixamos escapar as nossas verdades, os monstros que vivem dentro de nós, aprendemos a ver como somos animais e também vegetais, e é nossa maior originalidade. O design harmonioso é agradável, não incomoda, mas a arte não é feita de anjinhos com cachos dourados. Dói, mas é a verdade que preciso enfrentar. Somos humanos e estamos descobrindo que não somos apenas maravilhosos, mas também terríveis. Nestes tempos de redes interiores, estamos descobrindo como, no milagre da nossa beleza, somos perigosos.
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Você diz que a literatura é ciumenta e possessiva e que você precisava de solidão. Que solidão é possível em meio à escrita e a esses seres que te habitam?
Essa sua observação é muito bonita. Sempre precisei de solidão para escrever meus romances, mas para mim não existe solidão interior, como existia para Clarice Lispector, cujo interior era densamente povoado por Clarices. Apenas Clarices. Quão solitário! Que vertigem! Tenho milhares de personagens em meu mundo interior, nunca estou sozinho, eles agem, interferem, intercedem, me fazem sofrer, mudam meus caminhos e decisões. Às vezes eles até me prendem. Ou eles me divertem e me fazem feliz. Às vezes aparece um personagem e eu me apaixono, ah, quem é você?
Podemos falar sobre autobiografia ilustrada?
Bionirico é uma palavra que inventei, para dizer biografia onírica, onírica. O poeta Nicolas Behr diz que ele é bio, da vida, é dendrolático. Mas, sim, Bionírica, uma biografia de sonho, é a história de uma vida, a vida de uma menina que nasceu na praia de Iracema, vivia descalça no cerrado olhando as flores de outro planeta, coberta de poeira vermelha como um índiozinho menina entre tratores e tiranias, tornou-se mulher no desolado Rio, e vive como dama nas praias a que pertence. Ela riu, sonhou muito, criou, fez trinta livros e milhares de desenhos, sofreu, teve raivas e revoltas, mas acima de tudo amou. Mas uma vida não é apenas uma vida. Uma vida são todas as vidas, disse Humboldt.
O que faz você desenhar hoje? Em algum momento você parou de desenhar?
Acho que desenhava muito quando era mais novo porque era muito tímido, preferia fugir do mundo. Parei de desenhar muitas vezes, por algum trauma, pela paixão pelas palavras, por escrever romances, pela vontade de ser racional também e não apenas intuitivo… Mas a mão continuou desenhando. Tenho coleções de rabiscos feitos em estado de distração, ou durante uma conversa, ou ao telefone, ou numa fila de espera… a mão nunca parava de desenhar. E hoje desenho por hábito, necessidade e prazer, desenhar é terapia, é divertido. É uma conversa com meu mundo interior. Sinto-me como uma espécie de monumento, que poderia ser um livro.
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