As projeções macroeconômicas da equipe econômica no Projeto de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2025, denominado PLN 3/2024, no Congresso Nacional e que alterou metas fiscais, são mais otimistas que as do mercado e ajudam a mascarar um problema constante no Orçamento: pouco espaço para gastos emergenciais, como o auxílio ao Rio Grande do Sul —que teve que ficar fora do limite de gastos para não ultrapassar a meta fiscal.
Os parâmetros do PLDO consideram um crescimento de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma taxa básica econômica (Selic) em torno de 7% nos próximos anos e, segundo analistas, é muito improvável que essas previsões se concretizem. Eles lembram que, devido à piora da situação fiscal neste ano, o Banco Central reduziu a taxa de corte de juros e as novas apostas apontam Selic de 10% no final deste ano, e crescimento do PIB em torno de 2% a partir deste ano em diante. 2024. As projeções ainda não contemplam o impacto da tragédia no sul do país, e, segundo dados do Ministério das Finanças, o estado do sul tem um peso de cerca de 6,5% no PIB nacional.
O Orçamento rígido, com despesas obrigatórias representando mais de 90% do total de despesas previstas, restando menos de 10% para despesas discricionárias — que podem sofrer cortes para ajuste fiscal ou reservas de emergência — é um problema, segundo especialistas. Além disso, destacam que o PLN 3/2024, protocolado no Congresso no mês passado, prevê economias de despesas muito modestas e, por isso, o mercado financeiro tem exigido maior prêmio de risco nos títulos públicos —usados para cobrir perdas das contas públicas.
Ajuste difícil
O ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria, reforça que é cada vez mais difícil para os governos fazerem ajustes nos gastos, porque o Orçamento é muito rígido e com despesas atreladas à receita. “Em geral, em outros países os governos têm menos de 50% das despesas obrigatórias, mas aqui chegam a mais de 90%”, compara o economista.
Nóbrega reconhece que, atualmente, as despesas obrigatórias nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, estão próximas dos 70%, mas ainda é possível fazer escolhas e investir para prevenir desastres climáticos ou guerras. “No Brasil isso é impossível. O país não tem mecanismos para enfrentar contingências e fazer reservas contra desastres naturais, mas exige a vinculação dos gastos com educação e saúde com receitas, o que é triste, porque isso tem apoio majoritário na sociedade”, ele destaca.
Na avaliação do ex-ministro, será necessário rediscutir essa questão das vinculações e o governo também precisa realmente lidar com a melhoria dos gastos públicos, pois vincular os gastos com educação não faz mais sentido se não houver mais bônus demográfico e população está envelhecendo. Em breve será necessário investir mais na saúde do que nas escolas. “A velha discussão sobre dissociação vai voltar, quando houver mais questionamentos sobre a qualidade dos gastos diante das mudanças demográficas. Há prefeituras no Rio Grande do Sul que são obrigadas a gastar 25% dos impostos com educação, mas o fazem. não tem alunos nas salas e ficam pintando as paredes”, destaca.
O volume de despesas obrigatórias continua crescendo e, por exemplo, a previsão para o Bolsa Família, por exemplo, quintuplicou de tamanho, para quase R$ 175 bilhões desde o ano passado. Esse valor é quase o mesmo volume previsto de despesas não obrigatórias do Executivo, ou seja, aquelas que podem ser cortadas no Orçamento de 2025, de R$ 173,1 bilhões. Além do aumento dos gastos obrigatórios, muitas vezes sem indicação de receita recorrente, como é o caso da desoneração da folha de pagamento que teve o veto presidencial derrubado, analistas apontam outro problema que ajuda a agravar a situação fiscal: a vinculação das despesas a receitas, como os mínimos para educação e saúde, e também a vinculação das despesas previdenciárias ao salário mínimo, que voltou a ter ganhos reais, com correção acima da inflação.
Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, em artigo recente, alerta sobre esse problema de vinculação de despesas. Segundo ele, desvincular despesas do salário mínimo ou do crescimento das receitas é uma das “medidas essenciais para tirar o governo do caminho da dívida insustentável”. Segundo estimativas do economista, as despesas do governo federal deste ano poderiam ser R$ 131,6 bilhões menores se não fossem as destinações. “Isso faria com que o déficit primário previsto de R$ 9,3 bilhões se transformasse em um superávit de R$ 122,3 bilhões (1,1% do PIB)”, destaca.
Segundo Mendes, o custo fiscal das vinculações crescerá exponencialmente, “especialmente nos casos da Previdência e da Assistência, com o acúmulo de sucessivos ganhos reais do salário mínimo, e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), devido à os próximos aumentos da contribuição federal, fixados na Constituição”. “Haverá sempre argumentos a favor das ligações das despesas, especialmente aqueles com grande apelo popular. Isto não elimina a realidade aritmética: as ligações são uma causa central do desequilíbrio fiscal crónico.”
Diante da mudança nas metas fiscais, a secretária estadual de Economia de Goiás, Selene Peres Peres Nunes, reforça que o governo precisa concentrar esforços na qualidade dos gastos públicos. “Essa é uma agenda que ficou parada, sem resolver novos problemas que surgiram, como essa complexa relação entre os poderes Executivo e Legislativo na questão das emendas parlamentares e, agora, das emendas do Pix. sendo consumidos por emendas. São questões que precisam ser abordadas e que estão afetando significativamente a capacidade do governo federal de promover o ajuste fiscal”, alerta.
Selene Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ainda avalia que o governo perdeu credibilidade ao alterar as metas fiscais no PLDO. “Cada passo que você dá é um passo em direção à perda de credibilidade das regras fiscais no Brasil, o que compromete o trabalho que fizemos lá atrás. A regra da LRF continua em vigor, mas esse tipo de ação prejudica a regra”, lamenta.
Economia tímida
A falta de melhoria na qualidade dos gastos públicos reflete-se na redução da poupança nos gastos no PLDO 2025. Até 2028, a equipe econômica planeja reduzir R$ 37,3 bilhões em despesas por meio de medidas que buscam melhorar a qualidade dos gastos. Desse total, R$ 9,2 bilhões estão previstos para o próximo ano. A revisão das despesas com benefícios previdenciários e subsídios para financiamento do setor agropecuário, Proagro, são as medidas destacadas no projeto que alterou a meta fiscal e adiou para 2026 a previsão de fechamento do rombo nas contas públicas —algo que o mercado duvida sobre. se isso acontecerá até o final da década.
Questionado pela reportagem sobre as críticas à falta de mais medidas de ajuste do lado da despesa no PLDO 2025, o secretário do Tesouro afirma que “há uma agenda de reformas do lado da despesa” e os números previstos ainda são tímidos, porque “não estavam maduros para serem expostos no PLDO, mas serão comunicados pelo governo oportunamente”. Segundo Ceron, a mudança na meta fiscal foi um consenso dentro da equipe econômica, porque a alternativa era um esforço “significativo” do lado da receita, em torno de 1% do PIB.
O chefe do Tesouro prevê que a estabilização da dívida pública bruta deverá ocorrer ainda nesta década, entre 2027 e 2028, algo improvável para a maioria dos analistas ouvidos pelo Correio. “Na nossa previsão, a dívida estabilizaria entre 2027 e 2028 e abaixo de 80% do PIB. No ano passado, o mercado estimou mal a dívida pública bruta, em 79% do PIB no final do ano. 74% do PIB São cinco pontos percentuais em um ano, de erro nas estimativas, mesmo pagando quase 1% do PIB em precatórios. Então, o ideal é que a dívida se estabilize abaixo de 80%, e é isso que estamos lutando para conseguir. “, diz Ceron.
O secretário garante que não houve divergências dentro da equipe econômica em relação à decisão de alteração da meta fiscal no PLDO. “Houve o entendimento de que, se não mudássemos a meta, seria necessário um pacote de medidas muito agressivo e, hoje, estaríamos discutindo o mercado em pânico. Foi mantido um diálogo aberto e transparente para um ajuste que não prejudicar a trajetória de recuperação fiscal.”
Na avaliação de analistas, porém, a dívida pública bruta deverá continuar crescendo até 2030 e 2032. Segundo estimativas do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), e somente em 2028 a meta fiscal seja alcançada. aproximar-se-ia do nível primário necessário para que a dívida começasse a estabilizar. “Com efeito, grande parte do ajuste adicional necessário foi ‘empurrado’ para o próximo governo. Com o resultado primário permanecendo abaixo do nível mínimo necessário por mais tempo, a dívida/PIB crescerá por mais tempo, partindo de um nível já muito desconfortável”, alerta o economista do Ibre, em artigo publicado após a divulgação do PLDO 2025.
Inflação
A economista Tatiana Pinheiro, economista-chefe para o Brasil da Galápagos Capital, também reconhece que as projeções macroeconômicas do governo são muito otimistas e, se realmente se concretizarem, como o crescimento do PIB de 3% e a taxa Selic em torno de 7%, seria possível para o governo estabilizar a dívida, caso a inflação continue bem comportada e próxima do centro da meta de 3% ao ano. “Com as premissas que o governo colocou no PLDO seria possível, sim, que o governo conseguisse estabilizar a dívida nesta década, mas é pouco provável que esse cenário se concretize”, afirma. Ela lembra ainda que o mercado tem outras variáveis, como crescimento de 2% e taxa Selic entre 9% e 10% até o final do ano. “A inflação não está muito acima da meta, mas precisamos lembrar que, em 2022, quando a dívida pública diminuiu, houve ajuda do imposto inflacionário”, afirma.
Tatiana Pinheiro destaca que o governo anterior, liderado pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes, apresentou uma relação dívida/PIB menor, mas não foi porque houve cortes de gastos. O que ajudou a reduzir a dívida em relação ao PIB foi a inflação que aumentou o PIB nominal, porque as receitas fiscais também cresceram à taxa inflacionária, uma vez que estão indexadas à inflação. “O fato é que os impostos inflacionários ajudam na gestão da dívida, mas são muito ruins para os mais pobres, porque são os mais afetados pela perda de poder de compra”, alerta. “A inflação mais alta ajuda o governo a entregar um resultado primário melhor, mas essa forma de equilibrar as contas não deveria ser a desejada, porque empobrece a população, principalmente os mais carentes”.
Por isso, segundo o economista de Galápagos, é preciso estar atento aos riscos de um Banco Central mais brando com a inflação, como defendem o atual governo e petistas de carteirinha. “No curto prazo, um banco central mais tolerante com a inflação pode não ser prejudicial à dívida pública, mas o imposto sobre a inflação acaba por ser prejudicial no longo prazo, porque mais taxas de juro terão de ser aumentadas no futuro” , ela destaca. Ela também reconhece que, neste momento, a dúvida atual do mercado é se o Banco Central será ou não mais brando com a inflação e isso explica o aumento do prêmio de risco na curva longa de juros, “mas isso também é uma discussão tributária”. . Não surpreendentemente, as obrigações do Tesouro indexadas à inflação voltaram a pagar mais de 6% ao ano em prémio de risco aos credores da dívida pública. “O mercado já aposta em mais inflação”, destaca.
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