A demissão do Ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, acusado de assediar sexualmente a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não pôs fim à crise que envolve os principais atores do inédito Escândalo da Esplanada. O ministro, por motivos óbvios, não revela os detalhes do ocorrido, enquanto o ex-ministro se diz inocente e divulga diálogos entre eles que deixam um ponto de interrogação, pelo nível de intimidade pessoal e cumplicidade política que existia entre eles.
Contudo, outros depoimentos de supostas vítimas de assédio sexual pesam contra o ministro. O mais marcante é o de Isabel Rodrigues, ex-aluna de Silvio Almeida e candidata a vereadora na cidade de Santo André, na região metropolitana de São Paulo, pelo PSB. “Sentei-me ao lado dele e não sei por que ele sentiu que tinha o direito de invadir minhas partes íntimas sem meu consentimento”, disse ela, em vídeo postado em seu Instagram.
O fato da suposta vítima ser candidata às eleições municipais poderia ser um argumento para o ex-ministro desqualificá-la, assim como os textos de seus diálogos com Anielle suscitam interpretações contrárias, como “não aconteceu grande coisa” ou “aconteceu muita intimidade”, ambos machistas. Mas há depoimentos de outras testemunhas, mantidos em sigilo, que estão sendo colhidos na investigação do caso. Este sigilo foi justificado pela jurisdição privilegiada dos ministros e pela vontade das vítimas de assédio.
A politização do caso é inevitável pelo facto de envolver dois ministros de Estado. É aqui que a situação se complica para o governo, porque o ministro tem direito à presunção de inocência e ao devido processo legal. Ao atuar como diretor de defesa, Sílvio Almeida nega a autoria dos fatos, conforme dita a teoria dos jogos. No famoso “dilema dos prisioneiros”, existe o chamado “equilíbrio de Nash”. Cada jogador é individualmente encorajado a trair o próximo, mesmo após a promessa recíproca de colaboração. O dilema é colaborar ou não com os outros, sem traí-los.
À medida que vão sendo revelados os bastidores do caso, percebe-se que o governo se envolveu nessa estratégia para abafar o escândalo, que acabou sendo revelado pela Me Too Brasil, organização de mulheres criada exatamente para impedir que isso aconteça. de acontecer, com base em depoimentos de testemunhas que permaneceram anônimas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva agiu rapidamente para demitir o ministro, mas não pôs fim ao escândalo.
Desde a escolha dos ministros, tem havido um conflito de esferas de acção e um sinal contraditório. Faria mais sentido Silvio Almeida ter sido escolhido para o Ministério da Igualdade Racial, porque este é o foco do seu trabalho como ativista intelectual e político; Anielle Franco, pela pasta dos Direitos Humanos, por ter se destacado na luta pela investigação e punição dos responsáveis pela morte de sua irmã, a vereadora carioca Marielle Franco (PSol), embora seja especialista em questões étnico-raciais e igualdade de género. Havia uma disputa política não resolvida nesta divisão de funções.
Silvio Almeida terá muitos problemas pela frente devido às denúncias: familiares, políticos, profissionais e acadêmicos. Este é um daqueles casos de “faça o que eu digo, não o que eu faço”. Intelectual brilhante, autor do conceituado conceito de “racismo estrutural” brasileiro, jogou pela janela o prestígio que conquistou com seu comportamento pessoal.
Ao se defender, após o fracasso do pacto de silêncio que aparentemente existiu no Palácio do Planalto, o ex-ministro expõe as dificuldades do governo em manter sob controle a luta entre lideranças e organizações identitárias, ligadas ou não ao PT, pelo controle de cargos, recursos e políticas de direitos humanos. A primeira-dama Janja da Silva exerce controle sobre esses líderes dentro do governo e teve papel decisivo na destituição de Silvio Almeida.
A esquerda herdou da Igreja Católica a bandeira dos direitos humanos, durante o regime militar, que envolveu principalmente o combate aos assassinatos políticos e à tortura; Na democracia, ganharam força as lutas contra os manicômios, a violência policial e a situação degradante nas prisões. Porém, no poder, priorizou aspectos identitários e não conseguiu enfrentar a questão da violência em todas as suas dimensões, especialmente a segurança pública, sempre oposta pela esquerda aos direitos humanos.
O pensador italiano Nicolas Maquiavel estabeleceu uma diferença entre a moral cristã e as virtudes políticas. Virtù tem um significado muito diferente do significado moral da virtude. Não é a de santos e mártires, está mais próxima do significado grego de Aristóteles, que destaca a competência técnica para o desempenho satisfatório de uma atividade.
A defesa dos direitos humanos, o combate ao racismo e a defesa dos direitos das mulheres são bandeiras essenciais para a liderança moral da sociedade, ainda mais quando a segurança pública e o combate à corrupção estão em mãos opostas. A justa demissão de Silvio Almeida não resolve esse problema. Consagra ainda mais a hegemonia da identidade na política de direitos humanos.
Em tempo: Sílvio Almeida foi um dos “canceladores” do antropólogo baiano Antônio Risério, que questionou a centralidade do “identitarismo” na atuação da esquerda brasileira.
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