É impossível ficar indiferente ao fenómeno Pablo Marçal. Há dois ou três meses, poucas pessoas, fora das ilhas da Internet, sabiam da sua existência. De repente, sem partido e sem grupos fortes de apoio na política e na economia, surge como um candidato competitivo na eleição para prefeito de São Paulo, confrontando candidatos fortemente ancorados no poder político convencional. Não é pouca coisa.
A sua candidatura é algo novo e surpreendente, não só porque é um empreendimento puramente individual, mas também porque não tem plano de governo, nem simboliza valores políticos diferentes que possam justificar uma mobilização de setores da sociedade não representados pelos outros. candidaturas. Para completar, em suas aparições em debates, ele se comporta de maneira deliberadamente rude e debochada, violando todas as regras de conduta que deveriam fazer parte dos protocolos de campanha política. Dada a importância de São Paulo e a representação do seu eleitorado de mais de 9 milhões de pessoas, a situação não pode ser simplesmente descartada como uma excentricidade localizada. É algo que pode ser repetido em escala nacional e, portanto, precisa ser compreendido.
Ainda não se pode saber se a candidatura sobreviverá aos ataques cruzados de todos os outros candidatos, subitamente unidos face ao inimigo comum, mas isso não altera a importância do fenómeno. Também não faz diferença se, uma vez eleito, Marçal conseguirá governar de acordo com as expectativas da população, se se movimentará adequadamente em meio às complexas estruturas de interesses que envolvem a cidade e seu orçamento milionário, ou se virá a um entendimento com uma Câmara Municipal não propriamente composta por anjos e arcanjos. O que importa saber, sobretudo, é o que significa para um candidato com este perfil o apoio de uma parte significativa da população da nossa maior cidade. Uma coisa é certa, ele contornou a polarização que domina a política brasileira no momento, deixando Lula e Bolsonaro de lado.
Nas democracias, as eleições são praticamente o único momento em que a voz dos governados é verdadeiramente ouvida e produz consequências. E os eleitores sabem disso. Ao rejeitar o apoio majoritário a quaisquer candidatos disponibilizados para sua escolha, os paulistanos nada mais fazem do que expressar seu descontentamento com o sistema político e o funcionamento do Estado. E neste momento da vida do país, em que todas as instituições do poder estatal parecem estranhas e indiferentes à realidade da maioria do povo, Pablo Marçal torna-se um instrumento de protesto pacífico e perfeitamente democrático.
Poucas pessoas serão ingênuas o suficiente para acreditar que ele será um grande prefeito, mas apostam nele como único recurso para expressar seu inconformismo e raiva com a incompetência, a corrupção e os excessos éticos em todos os Poderes e em todas as instâncias da Federação. .
Os Poderes não se reformam e não se defendem de qualquer mudança que afete os seus privilégios. Por conta disso, o Estado brasileiro tornou-se uma fonte de desperdício e um obstáculo ao crescimento econômico. Com o crescimento medíocre da economia, muito abaixo do que seria necessário para dar aos brasileiros um padrão de vida digno e proporcional aos recursos que temos, as pessoas estão perdendo a esperança no Estado e nas instituições. A única maneira que resta é cada pessoa usar seus próprios esforços para ter alguma esperança na vida. Querer que essas pessoas continuem se comportando como se tudo estivesse bem e continuando a respeitar o Estado e a política é muita ingenuidade.
Como pessoa, abomino um personagem como Pablo Marçal, por tudo que é e faz, mas, como cidadão privilegiado pela vida, não posso deixar de compreender o sentimento de desespero de tantos paulistas e brasileiros. Que possamos oferecer-lhes formas de mudança mais construtivas no futuro. Até então, a antipolítica continua a ser uma nova forma de política.
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