Um encontro promovido pela G20 em Mato Grosso que tinha como um dos seus objetivos servir de vitrine para o agronegócio sustentável no Brasil tem como pano de fundo um tragédia climática de dimensões históricas.
Desde ontem (9/10), o Brasil realiza uma reunião de ministros da agricultura dos países do G20, grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia e a União Africana. O encontro foi levado para um balneário às margens do Lago Manso, no município de Chapada dos Guimarães, conhecido destino turístico de Mato Grosso.
O Estado possui a maior produção de grãos e o maior rebanho bovino do país. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, deixou claro o que espera do encontro.
“Vamos mostrar nosso potencial na produção de alimentos de forma sustentável”, disse nesta segunda-feira (9/9).
Mas a zona onde se realiza o encontro é uma das muitas do país que está coberta de fumo devido à registrar incêndios que atingiu o país este ano.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mato Grosso é o campeão no ranking de focos de incêndio deste ano e imagens de satélite têm mostrado nos últimos dias que grandes partes do Estado, incluindo a região da Chapada dos Guimarães, estão sofrendo com os efeitos dos incêndios.
Segundo governantes, parte considerável dessas queimadas está relacionada ao aumento da área de pastagens ou à abertura de novas fronteiras agrícolas em biomas como Pantanal, Cerrado e Amazônia.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a ocorrência de tantas queimadas na região escolhida para ser vitrine do agronegócio brasileiro compromete a imagem do Brasil no exterior e serve de alerta. Moradores da cidade onde é realizado o evento dizem esperar medidas para evitar a repetição do cenário atual.
“Vimos a fumaça cobrir toda a cidade”
Segundo o governo brasileiro, os principais temas da reunião de ministros da agricultura do G20 em Mato Grosso serão: sustentabilidade nos sistemas agroalimentares; expansão do comércio internacional para segurança alimentar e nutricional; reconhecimento da agricultura familiar e do papel dos camponeses e dos povos indígenas nos sistemas alimentares; e promover a integração da pesca e da aquicultura nas cadeias globais.
Mato Grosso foi cuidadosamente escolhido pelo governo brasileiro para sediar a reunião dos ministros da Agricultura do G20, segundo Carlos Fávaro.
Fávaro, que é deputado federal eleito pelo estado, disse que Mato Grosso seria uma espécie de “símbolo” do modelo agrícola do país.
“Estamos no estado com a maior produção agrícola do Brasil, o maior rebanho bovino do Brasil […] mas que é o símbolo da preservação ambiental”, disse Fávaro na abertura do encontro desta terça-feira (09/10).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado possui o maior rebanho bovino do país, com 34 milhões de cabeças de gado. Além disso, é o maior produtor de soja, milho e algodão.
Especialistas do agronegócio consideram o Estado o “celeiro” do Brasil.
Por outro lado, o Estado aparece como o segundo maior desmatador da Amazônia (atrás apenas do Pará) no período entre 2022 e 2023.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), neste período, o Estado perdeu 2 mil quilômetros quadrados de florestas, área maior que a da cidade de São Paulo.
A situação em 2024 aponta para a persistência de um cenário ambiental e climático dramático.
O Estado é o campeão nacional em número de focos de incêndio com 36,4 mil registros entre o início do ano e segunda-feira (9/9), segundo o Inpe.
É o maior número para o mesmo período desde 2007. Em relação ao ano passado, o crescimento foi de 215%, praticamente o dobro do crescimento médio registrado no país, que foi de 107%.
O município de Chapada dos Guimarães, onde acontece a reunião do grupo de trabalho, foi fortemente afetado pelos incêndios.
Nos últimos dias, bombeiros e bombeiros se mobilizaram para controlar duas frentes de incêndio no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, um dos maiores do Brasil.
Na semana passada, as duas frentes estiveram prestes a se unir, desafiando o trabalho das equipes lideradas pelo Instituto Chico Mendes de Meio de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Em nota enviada à BBC News Brasil pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), a entidade disse que o ICMBio vem combatendo os incêndios no parque com 54 pessoas, entre bombeiros, funcionários do parque, voluntários e um avião.
O parque fica a aproximadamente 40 km da sede do município de Chapada dos Guimarães.
Mesmo defendendo a escolha do local da reunião, Fávaro reconheceu que as delegações internacionais teriam sido impactadas pelos incêndios em seus trajetos entre Cuiabá e o balneário onde é realizada a reunião.
“Apesar das dificuldades momentâneas que o Brasil está passando, com os incêndios, com as mudanças climáticas, você pôde ver isso à medida que avançava, na estrada. Mas é uma região onde o turismo é muito importante”, disse. Alguns dos incêndios que atingiram o Estado têm afetado o trânsito em rodovias como a que liga Cuiabá ao local do encontro.
“Beleza transformada em carvão”
Moradores da Chapada dos Guimarães entrevistados pela BBC News Brasil afirmam que não foram apenas membros de delegações internacionais os afetados pelos incêndios.
“Aqui vimos a fumaça cobrir toda a cidade. Isso afeta a vida dos moradores e também a economia local, pois alguns pontos turísticos foram fechados por causa dos incêndios”, disse a bióloga Juliana Bonanomi, que mora na cidade.
A antropóloga Suzana Hiroka disse ter visto impactos em diferentes áreas da cidade devido aos incêndios.
“Em termos de saúde, os incêndios acentuaram as doenças respiratórias. Quem tem asma ou bronquite está muito doente. As pessoas têm muitas dores de cabeça, rouquidão ou coriza. Mulheres e crianças são muito afetadas”, disse.
Hiroka também destacou os efeitos dos incêndios na economia da cidade.
“A Chapada vive do turismo. Os incêndios fizeram com que o parque fechasse vários pontos. A cidade vivia da sua beleza cênica, mas agora essa beleza virou carvão”, disse.

Contradição e oportunidade
O climatologista Carlos Nobre foi um dos autores do Quarto Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007, ele disse à BBC News Brasil que a realização da reunião dos ministros da Agricultura do G20 é um momento decisivo .
“Precisamos saber se o agronegócio continuará dizendo que não tem responsabilidade alguma pelo que está acontecendo no Brasil e no mundo ou se veremos alguma mudança nas políticas e uma indução de novas práticas voltadas para uma agricultura de baixo carbono”, disse ele. disse à BBC News Brasil.
Segundo ele, historicamente, o agronegócio no Brasil tenta se isentar de responsabilidades pelas mudanças climáticas apesar de ser, na avaliação de Nobre, um dos principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
Nobre afirmou que, na sua opinião, a realização desta reunião no atual contexto de incêndios descontrolados mancha a imagem do país.
“A imagem do país já está manchada porque todos os dados do Inpe indicam que esses incêndios foram causados por ação humana. Não estamos falando de descargas elétricas. Estamos falando de atividades criminosas”, afirmou o climatologista.
A diretora executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), Alice Thuault, disse à BBC News Brasil que espera que as condições em que o encontro acontece possam conscientizar os participantes. O ICV é uma organização não governamental que atua há mais de 20 anos na proteção do meio ambiente em Mato Grosso.
“É uma tragédia o que está a acontecer aqui, mas penso que é importante que este encontro seja realizado neste contexto, nesta espécie de ‘pé do vulcão’. É importante que os participantes vejam claramente os impactos das alterações climáticas num lugar que é sempre apontado como exemplo do agronegócio”, disse à BBC News Brasil.
Para Suzana Hiroka, moradora da Chapada dos Guimarães, o suposto foco na sustentabilidade da reunião de ministros da Agricultura é uma contradição.
“É uma contradição porque Chapada dos Guimarães é um município de monocultura. Temos aqui grandes plantações de soja e algodão e praticamente não aparece o pequeno agricultor que faz uma agricultura mais sustentável”, disse.
Alice Thault resume suas expectativas em relação ao encontro em meio à fumaça.
“Espero que as questões climáticas estejam, de facto, na agenda da reunião e que esta experiência, por assim dizer, imersiva, valha alguma coisa”, disse.
A BBC News Brasil enviou perguntas aos ministérios das Relações Exteriores (MRE), da Agricultura (Mapa) e do Meio Ambiente (MMA). Dúvidas também foram encaminhadas à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (Sema-MT).
Apenas o MMA respondeu informando sobre as condições de combate ao incêndio no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. Nenhuma das outras agências enviou respostas.
O que é o G20
O G20 é um fórum internacional que reúne as principais economias do mundo, incluindo 19 países, a União Europeia e a União Africana. Oficialmente, o objectivo do grupo é promover a cooperação económica global, o comércio internacional e a estabilidade financeira.
O grupo foi criado em 1999 e, mais recentemente, passou a abordar também temas relacionados às mudanças climáticas e à segurança alimentar, duas das principais plataformas do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em 2023, o Brasil assumiu pela primeira vez a presidência do G20 e vem realizando uma série de reuniões preparatórias para a grande cúpula de chefes de estado do grupo que será realizada entre os dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro.
O Grupo de Trabalho sobre Agricultura do G20 é uma subdivisão do G20 e a reunião realizada na Chapada dos Guimarães é uma das que antecedem a cúpula principal, em novembro.
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