Por Marco Antonio Innocenti* — Ao longo dos anos, houve grande evolução na gestão dos precatórios, principalmente a partir de 2019, com a Resolução 303 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Isso implicou padronização e uniformidade nos procedimentos administrativos para que os tribunais pudessem dar o mesmo tratamento às dívidas estaduais e municipais, regulamentando a forma de cálculo das parcelas mensais que as entidades devedoras enviam aos tribunais de justiça.
Hoje, para as entidades com maior estoque de precatórios, a legislação permite flexibilidade, especialmente porque os estados com maior endividamento criaram espaço fiscal no orçamento e conseguiram cumprir esse compromisso, sem prejuízo de outras políticas públicas. Portanto, não há razão para imaginar um corte orçamentário para interromper o pagamento de precatórios.
Pelo contrário, precisam encontrar medidas que tornem mais eficiente a gestão dos precatórios pelas administrações subnacionais, aproveitando melhor a política de acordos. Em muitos estados e municípios o acordo não existe ou tem uma lógica perversa, que não leva em conta o tempo de espera do credor, e há até estados que não permitem acordo sequer em precatórios mais recentes. Isso significa que o credor mais antigo é obrigado a dar um desconto maior para receber o mandado. Essa lógica é completamente absurda.
Um desconto maior deveria ser exigido daqueles que tiveram a ordem judicial emitida há menos tempo do que dos credores mais antigos. Essa é a lógica jurídica, homenageando quem está há mais tempo na fila.
Em 2021, a FGV publicou estudo relacionando inadimplência em precatórios e desemprego. Percebeu-se que quando os precatórios são pagos em dia, há uma melhora na taxa de empregabilidade. Quando os pagamentos não são feitos, o desemprego aumenta. Os precatórios pagos pelos estados e municípios exercem influência regional em suas economias. O não pagamento de precatórios constitui um freio ao desenvolvimento destas regiões.
Com exceção da inadimplência 2021/22, o governo federal vem cumprindo essas obrigações judiciais, o que também representa uma sinalização ao mercado de que tem forte compromisso com o pagamento dos títulos da dívida pública. O governo que deve títulos do Tesouro Nacional é o mesmo que deve ordens da Justiça Federal. Por que você paga por eles e não por estes? Se o governo manda ao mercado a mensagem de que não paga precatórios, que é dívida pública, por que pagaria a outra dívida, um título de crédito emitido pelo próprio governo? Isto tem um impacto óbvio no mercado de crédito internacional e também deve ser um exemplo a ser seguido pelos estados e municípios.
Para que o Brasil avance e se junte ao grupo de países que, de fato, respeitam os direitos individuais e dão segurança às relações jurídicas mantidas com o Poder Público, cumprir uma decisão judicial é o mínimo. Quando condenado, o Estado deve pagar imediatamente e não esperar que a situação se transforme em uma bola de neve. Quantos processos existem hoje na Justiça na ordem de R$ 500 milhões, R$ 1 bilhão, R$ 5 bilhões? Incontáveis. Isto não é conluio, isto não é fraude. Isso é irresponsável por parte do gestor que não fez o acordo quando deveria, não fez a conciliação que deveria ter feito e não paralisou o processo em que ficou evidente o direito da contraparte privada.
Quando se chega a um compromisso e se chega a um acordo, o valor da dívida do governo reduz drasticamente. Somente acordos de precatórios permitem que estados e municípios reduzam dívidas em 40%. As administrações precisam de reforçar os seus instrumentos de conciliação e mediação de conflitos. Só desta forma serão reduzidos os pagamentos judiciais e os encargos resultantes de condenações judiciais. Se continuarem neste círculo vicioso em que estão há décadas, violando direitos de servidores públicos, credores privados com bens desapropriados sem pagamento de indenização, desrespeitando contratos, esticando processos por décadas para não satisfazer o direito violado, estaremos condenados continuar a gastar muito dinheiro para manter um Estado ineficiente que não respeita os direitos dos cidadãos e das empresas.
*Sócio do escritório Innocenti Advogados Associados, especialista em precatórios, presidente da Comissão de Estudos de Ordens Judiciais do IASP — Instituto dos Advogados de São Paulo e ex-presidente da Comissão de Ordens Judiciais do Conselho Federal da OAB
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