Por Tomáz de Aquino Resende* — Enfrentar o desafio de mudar a realidade de milhões de brasileiros foi algo que custou ao Terceiro Setor capítulos que misturam ousadia e angústia, fracassos e acertos, medo e coragem. Antíteses que resumem, muito apropriadamente, a história de milhões de organizações da sociedade civil (OSC) que nasceram e morreram no país.
Aliás, utilizo mais uma vez o termo ousadia para definir o trabalho realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que há um ano publicou um levantamento histórico inédito do Terceiro Setor, analisando mais de um milhão de entidades criadas no Brasil entre 1901 e 2020. Através do estudo é possível estabelecer algumas marcas. Por exemplo, o boom de novas associações a partir da década de 1960, que continuou na década seguinte, e o crescimento mais moderado nas décadas de 1990 e 2000.
Mas, mais do que observar a cronologia das OSC, a Dinâmica do Terceiro Setor no Brasil: trajetórias de criação e encerramento de Organizações da Sociedade Civil (OSC) de 1901 a 2020, como é chamado o estudo do Ipea, busca reconstituir as aberturas e o encerramentos de entidades, bem como identificar as razões pelas quais muitas delas sofrem. É evidente — e o estudo confirma-o — que existem contextos político-económicos por trás de cada organização fechada, mas os números em geral também têm algo a dizer.
Para fazer a análise, o Ipea utilizou o banco de dados da Receita Federal do Brasil (SRFB), onde, em 2020, havia mais de 46 milhões de registros de CNPJ —dos quais, exatos 1.164.354 foram identificados como OSCs. Destes, 815.676 estavam (em teoria) activos, enquanto outros 345.678 estavam listados no sistema como inactivos.
Uma visão geral destacada no estudo indica que os anos de 2008 e 2015 foram marcados por muitas baixas entre as OSC. Em ambos os períodos, os motivos ocorreram em decorrência da Instrução Normativa nº 748/2007, da Receita Federal, que culminou em outros, até determinar a declaração de inelegibilidade de entidades que não apresentaram informações por cinco ou mais anos consecutivos.
Mas o que nos causa mais desconforto e um certo sinal de alerta é a distribuição das OSC por década de abertura e as taxas de crescimento em relação à década anterior. É possível notar, nesta seção, a explosão das organizações no Brasil exatamente nas décadas de 1960, 70 e 80. Mas observa-se também que, pela primeira vez na história, houve retração no número de organizações. Entre 2000 e 2009, havia 338.526 entidades ativas no país; no entanto, este número caiu para 284.184 entre 2010 e 2019.
Agora, em 2024, não é possível ter muita esperança de que esse número volte a crescer. É necessário restabelecer a ligação, para não dizer a consciencialização, com a sociedade e o poder público sobre a importância das entidades, e criar políticas de apoio e preservação daquelas mais pequenas, que não têm acesso a recursos estatais.
Se não houver uma mudança clara de foco para a sobrevivência das organizações que ainda são a favor das classes mais marginalizadas, correremos o risco de ver esse número despencar novamente em uma possível análise em 2029. O estudo do Ipea faz um alerta claro : o Terceiro Setor clama por socorro.
*Tomaz é especialista em terceiro setor, intersetorialidade, procurador aposentado e presidente da Confederação Brasileira de Fundações (Cebraf)
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