Por Leonardo Roscoe Bessa, desembargador do TJDFT, professor do CEUB, mestre e doutor em direito
O uso de inteligência artificial (IA) em produtos e serviços no mercado consumidor é crescente. Entre muitos exemplos: carros que se orientam automaticamente no trânsito; rotas eficazes e mais rápidas (como as do aplicativo Waze ou Google Maps) são usadas rotineiramente; os serviços bancários são melhorados (e até criados); controle inteligente de eletrodomésticos.
Apesar dos possíveis questionamentos e do caráter — pelo menos aparente — inovador das tecnologias que utilizam IA, o ordenamento jurídico já oferece respostas para alguns pontos como os danos causados aos consumidores decorrentes de produtos e serviços com IA. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor-CDC (Lei 8.078/90), o produto ou serviço tem qualidade quando funciona adequadamente (atende à finalidade que lhe é inerente) e, ao mesmo tempo, não representa risco à saúde e à segurança — física e propriedade – do consumidor.
Produtos e serviços que, em qualquer grau, tragam automação ou, em nível superior, atributos de IA devem funcionar adequadamente, atender às expectativas de funcionalidade e segurança e não causar danos materiais e morais (acidentes de consumo) a consumidores e terceiros (art. 17 do o CDC).
Este artigo aborda a responsabilidade do fornecedor em caso de acidente de consumo (responsabilidade pelo fato do produto ou serviço). Inicialmente, deve-se destacar a relevância de informações adequadas, objetivas e claras sobre a funcionalidade da IA e seus riscos. As informações sobre os atributos e usos da IA influenciam o consumidor na compra e, ao mesmo tempo, definem o grau de funcionalidade e segurança do produto ou serviço.
O fornecedor deve ter clareza sobre os detalhes que a IA oferece, como como alimentar (insumo) adequadamente, como ensinar, aprimorar e prevenir acidentes; Todas as informações relativas ao bom uso devem ser disponibilizadas.
No caso de acidente de consumo, o nível de informação é dado relevante para verificar qualquer fato que seja exclusivo ou concorrente do consumidor pelo dano. O CDC prevê a exclusão da responsabilidade do fornecedor quando o dano for causado por ação — parcial ou total — do consumidor. No entanto, o ónus da prova da exclusão recai sobre o fornecedor.
Há o cuidado, conforme destacado pela doutrina e pela jurisprudência, de inversão ope legis do ônus da prova. O fornecedor deverá demonstrar, por exemplo, que o consumidor ofereceu comandos ou ensinamentos incorretos à IA do carro que, em consequência, colidiu e causou danos ao motorista e a terceiros (espectador, art. 17 do CDC).
É possível que a ação do consumidor tenha contribuído parcialmente para o dano, o que acarreta indenização proporcional à participação. Mais uma vez, o ónus da prova recai sobre o fornecedor. Continuando com o exemplo do veículo, o nível de informação ao comercializar um carro com IA deve ser proporcional à complexidade das funcionalidades oferecidas. Cabe destacar toda a capacidade da IA, os cuidados que o motorista deve ter e como alimentar adequadamente o sistema.
AI integra o produto ou serviço. É, em tese, um diferencial para atrair consumidores e aumentar as vendas. O produto ou serviço que possui IA não está separado de seu criador ou executor. No caso de acidente de consumo, não há alteração do contribuinte, que tem o dever de indenizar. Ou seja, a disciplina é exatamente a mesma para qualquer acidente de consumo.
A presença da IA não altera o dever do contribuinte de ressarcir os danos sofridos pelo consumidor: o sistema é o mesmo para qualquer acidente de consumo. No caso de um produto, a responsabilidade inicial é do fabricante; no serviço, do provedor.
Tal como um carro, um smartphone com IA deve funcionar adequadamente, correspondendo às expectativas criadas no consumidor pela oferta e pela publicidade. Ao mesmo tempo, deve-se observar a segurança do produto, ou seja, que a IA não causará danos ao acionar indevidamente outros produtos conectados (por exemplo, abrindo o portão da casa) ou, por engano, direcionando-o para áreas com alta taxa de criminalidade.
Algumas dúvidas podem surgir dependendo da compreensão do conceito de nexo de causalidade na responsabilidade civil. Imagine que, devido a uma falha no funcionamento da IA, a porta da residência, ao invés de permanecer trancada, fica visivelmente aberta e que, diante deste fato, vários itens de grande valor são roubados. Ilustre-se com um fato semelhante: os vidros do carro estão abertos incorretamente, o que permite a entrada de água da chuva por horas, danificando o estofamento.
As questões devem ser resolvidas com base no elemento tradicional e milenar da responsabilidade civil: o nexo de causalidade. O Brasil adota a teoria da causalidade direta e imediata “que considera como causa jurídica apenas o evento que esteja diretamente ligado ao dano, sem interferência de outra condição sucessiva” (art. 403 do Código Civil).
Apesar da adoção da teoria, a solução não é simples. É juridicamente defensável sustentar a presença do nexo de causalidade com o consequente dever de indemnização do fabricante. Por outro lado, a tese — baseada na mesma teoria, de que houve uma causa sucessiva ou paralela — da entrada de criminosos na casa (no primeiro exemplo) não é absurda. Neste caso, a responsabilidade do terceiro seria excluída.
Ao mesmo tempo, pode-se argumentar, dependendo das circunstâncias, alimentação inadequada da IA pelo consumidor (input), com discussão se houve fato exclusivo ou concorrente. Existem muitas possibilidades. Contudo, é importante perceber que a complexidade não está relacionada com a presença de IA no produto; as dúvidas de interpretação decorrem das dificuldades inerentes ao debate e ao significado do nexo de causalidade na responsabilidade civil, que atinge diversos ramos do direito.
Consultoria jurídica
Por Marília Borges, Contadora e sócia-diretora da Dinâmica Contábil
O Microempreendedor Individual (MEI) é obrigado a declarar Imposto de Renda?
Instituído pela lei complementar nº 128/2008, que entrou em vigor em 2009, o microempreendedor individual (MEI) foi criado para beneficiar e formalizar os profissionais brasileiros que trabalham por conta própria. Segundo levantamento do Mapa Empresa — relatório gerado pela Secretaria Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (MEMP) — o Brasil tem atualmente 11,6 milhões de MEIs ativos.
Marco para o empreendedorismo brasileiro, o MEI trouxe muitas garantias e benefícios aos microempreendedores. Simplificar o processo de abertura do CNPJ, cálculo de imposto, emissão de notas fiscais e licenciamento é uma vitória dessa classe de trabalhadores.
Por outro lado, os profissionais que se formalizam como MEI têm muitas dúvidas quanto às suas obrigações perante o fisco. Uma delas é a declaração anual. O microempreendedor individual é obrigado a apresentar à Receita Federal até 31 de maio de cada ano a receita bruta auferida no ano-calendário anterior à declaração.
Nem sempre o titular do MEI é obrigado a declarar o Imposto de Renda, pois se trata de regras específicas previstas na legislação. Neste ano, entre as principais obrigações estão o recebimento de lucros tributáveis acima
R$ 30.639,90, isentos rendimentos superiores a R$ 200.000,00 ou posse de bens e direitos superiores a R$ 800.000,00, conforme artigo 2º da instrução normativa nº 2.178 publicada pela Receita Federal.
Diferentemente da declaração do Imposto de Renda Pessoa Física, os microempreendedores, tenham ou não movimentações, são obrigados a apresentar sua declaração anual, sob pena de multa ou até mesmo de suspensão das atividades do MEI quando a declaração for atrasada ou omitida.
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