Por Júlia Vituli e Thiago Braga — No contexto do crescimento das indústrias de private equity e venture capital no Brasil, no final da década de 90, a Lei nº 11.312/2006 concedeu tratamento tributário específico destinado aos cotistas de Fundos de Investimento em Participações (FIPs). Apesar do mar agitado enfrentado pelos tributaristas quanto à interpretação dada pelo fisco a esse tratamento desde então, a tranquilidade, conferida tanto pelo Poder Legislativo quanto pelas últimas decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), sinaliza uma preocupação genuína com a segurança do estatuto jurídico dos investidores.
Na perspectiva dos investidores, os FIPs são atrativos, pois proporcionam participação ativa no processo de tomada de decisão de suas investidas, conforme previsto na Deliberação CVM nº 175.
Do ponto de vista tributário, via de regra, os cotistas do FIP estão sujeitos ao imposto de renda à alíquota de 15% sobre os rendimentos e ganhos de capital na venda, resgate ou amortização de cotas.
Os investidores não residentes (INRs), por sua vez, são beneficiados com alíquota zero de imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos de capital na alienação, resgate ou amortização de cotas do FIP (art. 3º da Lei nº 11.312/2006[2]).
O objetivo da norma é justamente incentivar a entrada de capital estrangeiro no país para promover a atividade econômica das empresas e impulsionar a economia brasileira.
Historicamente, para que os investidores usufruíssem desse benefício fiscal, era necessário atender aos seguintes requisitos: não deter, individual ou conjuntamente, 40% das cotas emitidas do FIP e não estar localizado em jurisdição com tributação favorável ou paraíso fiscal .
Diante das exigências elencadas acima, a Receita Federal (“RFB”) passou a intensificar a fiscalização e multar estruturas nas quais os investidores indiretos em FIPs concentrassem mais de 40% das cotas em determinados níveis da cadeia societária, ou tivessem investidores domiciliados em imposto do paraíso.
O objetivo das avaliações foi identificar estruturas societárias que atendessem aos requisitos elencados pela legislação apenas no nível dos acionistas diretos dos FIPs, o que, na visão da Receita Federal, constituiria uma simulação e autorizaria a desconstituição dessas estruturas com a arrecadação de IRRF direcionada aos administradores de FIPs.
Em 2019, na tentativa de sinalizar alguma segurança jurídica aos INRs, a Receita Federal publicou o Ato Declaratório Interpretativo nº 5/2019, orientando que a origem do investimento, para fins de aplicação dos benefícios fiscais concedidos aos INRs, será determinada com base na jurisdição do investidor direto no país, exceto em casos de dolo, fraude ou simulação.
Entendendo que não há obrigação legal de abertura de toda a cadeia societária dos cotistas do FIP à RFB, alguns contribuintes limitaram-se a identificar apenas o primeiro nível de investidores (acionistas diretos).
Essa conduta também foi questionada pela Receita Federal, que passou a multar os representantes dos INRs por não identificarem o beneficiário dos rendimentos (ou por não tê-los identificado “de forma satisfatória”, como defendem as multas).
Essas avaliações são baseadas no art. 61 da Lei nº 8.981/1995[3]que exige o recolhimento do IRRF à alíquota de 35%, com reajuste da base de cálculo (gross-up), o que eleva a carga tributária efetiva para aproximadamente 54%.
No caso de rendimentos provenientes de FIPs remetidos a beneficiário no exterior, não haveria necessidade de falar em qualquer presunção, uma vez que é identificado o beneficiário desses rendimentos, que é o INR.
As pessoas físicas, que seriam os “beneficiários finais”, na visão da Receita Federal, muitas vezes entregam seus recursos a gestores profissionais e investidores, sem ter qualquer discricionariedade ou interferência na aplicação desses recursos no veículo estrangeiro que detém diretamente as ações do FIP no Brasil.
Portanto, é completamente inapropriado que o Fisco procure a pessoa física beneficiária final da cadeia, que pode eventualmente ser uma pessoa física no Brasil ou em regime tributário privilegiado, para desconsiderar o benefício fiscal.
É simples: o beneficiário do pagamento é o INR, que é identificado conforme legislação regulamentadora.
Além disso, a alegação de que as pessoas físicas, beneficiárias finais dos rendimentos, por poderem ser domiciliadas no Brasil ou em país com tributação favorável, estariam fraudando as regras tributárias, tendo em vista, como já dito, que muitas vezes investem em veículos no exterior por meio de terceiros festas.
Dada a legislação tributária e o objetivo de alíquota zero de imposto de renda (atração de investimentos do exterior), fica claro que a exigência da Lei se refere ao primeiro nível de pagamento aos beneficiários, não havendo justificativa para abertura da cadeia de investimentos.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), em decisões recentes, reconheceu a limitação da identificação do pagamento ao primeiro nível da cadeia, ou seja, não há necessidade de considerar a “busca” do beneficiário final. Citamos, como exemplo, as recentes decisões 1301-006.807 (Caso Itaú), 1301-006.703 (Caso Dínamo) e 1301-006.963 (Caso S3 Caceis Brasil).
Além dos bons precedentes citados acima, a também recente Lei nº 14.711/2023 revogou as exigências de 40% das ações detidas por INRs e flexibilizou as exigências de composição de carteira, mantendo as exigências de composição de carteira da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). . ) para FIPs. Assim, a legislação apenas manteve a sua não aplicação para os domiciliados em jurisdições com tributação favorecida.
Além disso, a Lei foi publicada
nº 14.754/2023, que alterou e consolidou a tributação dos Fundos de Investimento no Brasil, oportunidade em que o Congresso Nacional não alterou o benefício concedido aos INR titulares de cotas de FIP, reforçando a importância dada pelo legislador ao tema.
As recorrentes autuações fiscais que visam desconstituir ou questionar as estruturas de investimento utilizadas pelos INRs acabam por desestimular o investimento estrangeiro no país, fazendo exatamente o contrário do que fizeram a Lei nº 11.312/2006 (que estabelece a alíquota zero) e a Lei nº 14.711/2023 ( flexibilizando os requisitos para uso dos INRs) pretendem incentivar e afastar o interesse do INR em investir seus recursos no mercado brasileiro.
Esperamos que as alterações legislativas, somadas à jurisprudência do CARF, representem o prenúncio de um momento de maior segurança jurídica a ser vivenciado pelo INR dos FIPs.
*Júlia e Thiago são advogados do Candido Martins Advogados
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