Por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, advogado, mestre em direito público, professor de direito administrativo, escritor, consultor, conferencista e palestrante e Luiz Carlos Quintella Neto, advogado, mestre em ciências jurídicas pela Universidade de Lisboa e especialista em direito público pela Faculdade Baiana de direita
Nos últimos anos, notaram-se avanços legislativos no sentido de ampliar a segurança jurídica em favor da atuação de bons gestores públicos, buscando pôr fim ao “apagão da caneta” que tem ocorrido na gestão pública nacional.
O controle da atividade administrativa é essencial, possibilitando a proteção do interesse público e do erário público. Exercida de forma excessiva, porém, inibe o gestor público de agir, e principalmente de inovar, por medo das graves penalidades que lhe poderão ser aplicadas e do desgaste de um processo.
Nesta evolução, três leis são paradigmáticas. Lei nº 13.655/2013, por meio da qual foi promovida uma verdadeira mudança de paradigma no controle administrativo, especialmente ao afirmar que o agente público só responderá por decisões tomadas com dolo ou erro grosseiro, devendo também ser considerados obstáculos e dificuldades reais enfrentados.
Lei nº 14.133/2021, atual regra geral para Licitações e Contratos Públicos, que destaca a opção ousada de não penalizar os agentes por irregularidades que não geraram danos, priorizando medidas de saneamento e mitigação de riscos, como melhorar os controles institucionais preventivos e treinar agentes públicos. Fica garantido também que quem agir de acordo com a orientação jurídica e for processado terá sua defesa promovida pelo direito público, se assim o desejar.
Por fim, a Lei nº 14.230/2021, que promoveu alterações na Lei de Improbidade Administrativa – LIA, principalmente para pacificar para que não haja improbidade culposa. O sistema de improbidade visa coibir a desonestidade na gestão pública, e não que sejam aplicadas penalidades graves ao gestor que, com boas intenções, cometeu um erro, ou deu uma interpretação a determinada regra diferente da que o controlador entende.
Contudo, um alerta deve ser ratificado: “chegou a hora da mudança e essa mudança só ocorrerá se os nossos intérpretes mudarem para compreender a sabedoria que ecoa dos nossos legítimos representantes”.
Em recente — e louvável — decisão, a 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, em ação de improbidade administrativa movida contra a senhora Elieth de Fátima da Silva Braga, ex-prefeita de Mocajuba, no Pará, aplicou os novos dispositivos do LIA ao processo em curso desde 2020, para o julgar improcedente.
À frente da gestão municipal em 2018, Dona Elieth utilizou recursos de precatórios relativos à complementação da União ao extinto Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Ensino (Fundef), para pagar a folha de pagamento dos professores.
A escolha, que teve finalidade pública honrosa, foi adotada com a participação dos setores interessados, amparada em pareceres jurídicos e decisões judiciais que consideraram lícito proceder dessa forma. O gestor teve, portanto, o cuidado de assegurar uma governação em níveis de notável prudência.
O Ministério Público Federal, porém, entendendo que houve desvio de finalidade, propôs a ação de improbidade, tratando-a da mesma forma que gestores desonestos, que concederam uso ilícito desses recursos.
Apoiado no trabalho diligente de advogados e, atento aos princípios que norteiam a legislação contemporânea, o Exmo. O juiz que julgou o caso reconheceu que o ex-prefeito não buscou benefício pessoal nem fez escolha supérflua, mas, no máximo, cometeu irregularidade, sem prejuízo aos cofres públicos.
Sentenças como esta, em consonância com a melhor interpretação do direito administrativo, reforçam a segurança daqueles que, face às eleições deste ano de 2024, procuram, com fins republicanos, concorrer às prefeituras municipais, conscientizando-os de que existem instrumentos legais que melhoram a sua segurança e o incentivam a agir de forma eficiente na promoção do valor público.
Alienação fiduciária e a nova tendência na Justiça
Por Anna Carolina Dias Esteves, advogada cível e de resolução de conflitos do Innocenti Advogados
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a multa de 50% sobre o valor originalmente financiado em contrato de alienação fiduciária, conforme estabelece o artigo 3º, parágrafo 6º, do Decreto-Lei nº 911/1969, não deveria ser aplicada. aplicada quando a decisão da ação de busca e apreensão ser improcedente for revertida em recurso.
No caso em questão, o banco credor iniciou busca e apreensão de veículo adquirido por meio de alienação fiduciária, alegando falta de pagamento de parcelas. O carro foi imediatamente apreendido, mas o devedor liquidou os pagamentos pendentes, levando o tribunal a ordenar a devolução imediata do bem. Porém, o veículo já havia sido vendido a terceiro pelo banco, impossibilitando sua devolução.
A sentença original considerou improcedente o pedido do banco e condenou-o a pagar ao devedor fiduciário o valor venal do automóvel na data da apreensão, além da multa de 50% sobre o valor financiado, conforme previsto no Decreto-Lei 911/1969 .
O Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) reformou esta sentença para julgar procedente a ação de busca e apreensão, alegando que, ao expurgar a demora, o devedor teria reconhecido tacitamente a origem da ação. Porém, como o banco vendeu o veículo prematuramente e sem autorização judicial, a decisão confirmou a condenação da instituição financeira ao pagamento do valor do bem mais multa de 50% sobre o financiamento.
O relator do recurso do banco no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que a multa prevista no Decreto-Lei 911/1969 visa compensar os prejuízos causados ao credor fiduciário em razão da ação de busca e apreensão movida injustamente contra o devedor fiduciário. Ele destacou que dois requisitos devem ser atendidos para a aplicação dessa multa: a decisão de improcedência da ação de busca e apreensão e a alienação prematura do bem.
No caso em análise, apesar de o banco ter vendido o veículo antecipadamente, a Justiça estadual considerou procedente a busca e apreensão, o que impossibilita a aplicação da multa de 50% em favor do devedor.
O relator observou ainda que o devedor não recorreu da decisão que reformou a sentença para julgar procedente a ação, o que impossibilitaria a alteração dessa questão no julgamento do recurso especial.
Portanto, uma vez obtido julgamento favorável ao pedido, com o reconhecimento da dívida pelo devedor quando da regularização dos pagamentos em atraso, não é possível aplicar a multa prevista no artigo 3º, parágrafo 6º, do Decreto-Lei 911/1969, visto que a ação de busca e apreensão não foi movida injustamente contra o devedor fiduciário.
A não aplicação de multa de 50% sobre o valor originalmente financiado nos casos de reversão da sentença de improcedência da ação de busca e apreensão sugere uma abordagem mais equitativa, evitando penalizar excessivamente o devedor nas situações em que a sentença seja revertida a seu favor .
A decisão destaca ainda a importância de uma análise criteriosa dos factos e circunstâncias de cada caso, de forma a garantir uma aplicação justa da lei. Além disso, destaca a necessidade de respeitar os princípios da boa-fé e da segurança jurídica nas relações contratuais, protegendo os direitos tanto do credor como do devedor fiduciário.
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