O ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República e principal coordenador do governo brasileiro junto ao regime autoritário na Venezuela, em entrevista ao Valor Econômico declarou que o Brasil não pretende romper com o governo de Nicolás Maduro, apesar os impasses no processo eleitoral no país vizinho.
“O Brasil não vai romper relações com a Venezuela. As relações são com o Estado”, afirmou. Na mesma entrevista, reconheceu o fracasso dos esforços diplomáticos do Itamaraty para fazer com que o ditador venezuelano aceitasse a vitória da oposição e disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não comparecerá à posse de Maduro.
Como sabemos, as eleições venezuelanas foram fraudadas, as actas das juntas eleitorais exigidas pela oposição e pelos governos do Brasil, da Colômbia e do México nunca apareceram, a oposição continuou a ser duramente reprimida e o candidato da oposição, Edmundo Gonzáles, foi forçado a assinar uma declaração aceitando o resultado proclamado pelo tribunal eleitoral para poder sair do país e pedir asilo em Espanha.
A entrevista de Amorim não tem sabor de derrota, mas de vitória. Ao contrário do Itamaraty, o ex-chanceler sempre apostou na acomodação com a Venezuela e no reconhecimento do governo de Maduro, por motivos que não têm explicação plausível, pelas consequências negativas para a imagem do governo numa questão fundamental: a centralidade da democracia na sua política.
O papel de Amorim como mediador e a nota divulgada pela liderança do PT logo após a eleição, na qual o partido reconheceu a vitória de Maduro, parecem agora um jogo combinado. Deixaram Lula de saia justa. O ex-chanceler ocupa um cargo na Presidência que já foi ocupado com mais discrição por Marco Aurélio Garcia, o grande arquiteto das relações internacionais de Lula com os partidos de esquerda da América Latina e da social-democracia europeia.
Amorim critica sistematicamente o “discreto” ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, nos temas mais sensíveis para o Itamaraty, como a crise na Venezuela, a guerra em Gaza, as relações com a Rússia e as imposições chinesas à expansão dos BRICS. O problema é que isso cria cada vez mais constrangimento para Lula no mundo ocidental e mais dificuldades diplomáticas para o Brasil, como na questão da nova lei sobre o desmatamento na União Europeia e, também, no seu acordo com o Mercosul.
Há um grande distanciamento entre as relações internacionais do PT e os interesses nacionais, além do fato de a política externa brasileira não estar desvinculada da política interna. Nesse aspecto, as entrevistas de Amorim e as declarações improvisadas de Lula, em determinados momentos, deixam o governo em situação difícil perante a opinião pública brasileira. É nestes momentos que a experiência e a habilidade da nossa diplomacia deveriam ter mais protagonismo.
Ditadura
Amorim não classifica a situação venezuelana como ditadura, embora o rei esteja nu. “Prefiro não fazer adjetivos”, disse ele na entrevista, a respeito de Maduro. É pouco provável que Amorim não soubesse dos esforços feitos pelo ex-presidente do governo de Espanha José Luiz Zapatero (PSOE) junto de Maduro para que Gonzáles pudesse deixar a embaixada espanhola em Caracas.
O preço para o candidato da oposição foi assinar a declaração desmoralizante em queeconomia e acató — mas não compartilhei — a decisão do Supremo Tribunal que validou a vitória eleitoral de Nicolás Maduro em 28 de julho e negou ter sido coagidos pelo governo espanhol ou pelo embaixador espanhol na Venezuela.
Ao justificar a sua decisão, em entrevista à agência Reuters, Gonzáles disse que escolheu a liberdade, em vez de se esconder, tal como fez a líder da oposição María Corina Machado, que permanece na Venezuela e apoiou a decisão de Gonzales: “A sua vida estava em perigo e o As crescentes ameaças, intimações, mandados de prisão e até as tentativas de chantagem e coação a que foi sujeito demonstram que o regime não tem escrúpulos nem limites na sua obsessão em silenciá-lo e tentar subjugá-lo”, declarou o oposicionista no X.
Em sua justificativa, Gonzáles disse que “teria que ser livre para poder fazer o que está fazendo, transmitindo ao mundo o que está acontecendo na Venezuela e estabelecendo contatos com líderes mundiais”.
Voltando à entrevista ao Valor, Amorim atropela o Itamaraty em todos os temas delicados, como os incêndios na Amazônia, a guerra na Ucrânia e o conflito no Oriente Médio. Ao destacar a importância da multipolaridade nas relações internacionais, enfatizou a parceria estratégica com a China, que está transformando os BRICS em um grande bloco econômico na região do Astral Sul em disputa com o Ocidente. O Brasil negligencia as relações com os Estados Unidos ao analisar a reestruturação e regionalização das cadeias de valor do comércio global. As prioridades são diferentes.
Na última quarta-feira, Lula conversou por telefone com o presidente russo, Vladimir Putin. Na agenda estão a guerra na Ucrânia e a cimeira dos BRICS, que terá lugar na Rússia em Outubro.
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