As eleições autárquicas aproximam-se, mas a população ainda não está muito interessada porque, salvo imprevistos, tudo continuará como sempre, quaisquer que sejam os resultados. O mesmo não se pode dizer da classe política, pois as eleições autárquicas determinam o destino das futuras eleições parlamentares, que determinam o destino dos próximos governos.
O nosso sistema eleitoral é fortemente inclinado para a preservação das forças dominantes e muito pouco favorável às mudanças, principalmente devido à exclusividade do financiamento público das campanhas. Os fundos eleitorais são calculados com base nas bancadas federais dos partidos e como o dinheiro é um fator decisivo nas eleições, os partidos dominantes têm muito mais chances de permanecerem dominantes.
O sistema político brasileiro é construído para se autoperpetuar e, portanto, a composição das assembleias estaduais e da Câmara dos Deputados praticamente não se altera em termos políticos, mesmo diante de mudanças nos sentimentos da população. Nas eleições para Presidente da República, graças ao seu carácter plebiscitário, costumam prevalecer os ventos de mudança, mas o poder dos presidentes acaba por se diluir perante o Parlamento e os tribunais, neutralizando qualquer desejo de reforma.
Mas o planeta está a mudar e mudará ainda mais, e mais rapidamente do que estamos habituados, o que poderá deixar-nos numa zona histórica diferente do resto do mundo desenvolvido ou mesmo em desenvolvimento.
A nova competição geopolítica que está a emergir rapidamente é diferente daquela entre os países ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos, e a antiga União Soviética. Isto foi exclusivamente político e militar. A actualidade é predominantemente económica e tecnológica, envolvendo todos os aspectos da vida. A corrida pela hegemonia tecnológica entre os EUA e a China afectará o livre comércio e a globalização, e também causará um declínio na cooperação internacional.
Perguntas centrais
A política internacional das grandes potências terá maior ênfase nas questões económicas e tecnológicas, misturando questões de Estado e interesses corporativos. O cenário externo, na política e na economia, será muito diferente daquele que vivemos até agora. E tudo indica que aqui tanto o governo como o Parlamento continuarão a viver como se nada estivesse a acontecer.
Até a Europa, com todo o seu poder económico e político, está a colocar-se em estado de alerta. Um relatório de Mario Draghi, antigo presidente do Banco Central Europeu, encomendado pela Comissão Europeia, expôs as fragilidades do continente face às novas realidades económicas e geopolíticas. Propôs mudanças radicais nas áreas da defesa, comércio e políticas para apoiar a inovação e a competitividade empresarial.
Estas mudanças visam dotar a Europa de autonomia na área da defesa e de um papel de liderança nas novas tecnologias, apoiando o setor privado com menos regulamentação e mais investimento público. Seria uma reviravolta completa na vida europeia, visando a própria sobrevivência. Se estes planos se concretizarão é uma questão em aberto, mas até agora ninguém foi capaz de sugerir outro manual de sobrevivência.
Enquanto isso, no Brasil, o governo e o Parlamento não demonstram o menor conhecimento ou preocupação estratégica em relação às mudanças tectônicas que estão em curso e que influenciarão diretamente o modo como a economia e a vida funcionarão. Para termos um futuro relevante, mesmo conhecendo as nossas limitações, temos que, pragmaticamente, mudar algumas das nossas concepções. A questão básica é que teremos que admitir uma maior interdependência entre a prosperidade das empresas e o poder do Estado. Separadamente, nem o Estado nem o sector privado têm meios para competir. A China utiliza todo o poder do Estado para promover as suas empresas e conquistar mercados. Os EUA já estão acordando para fazer as mesmas coisas. Agora é a União Europeia que sonha seguir o mesmo caminho.
E nós? Vamos continuar jogando a torto e a direito ou vamos jogar o jogo adulto?
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