Por Isabela Pompilio* e Sandra Rechsteiner* —Se você não quer que seus herdeiros tenham acesso às suas conversas privadas em aplicativos, faça um testamento!
Em maio passado, a comissão de juristas responsável pela revisão do Código Civil concluiu a votação de propostas de atualização do texto. Entre as inovações trazidas está a inclusão de uma parte específica sobre direito digital. No que diz respeito à herança digital, o objetivo é classificar os ativos digitais como parte do patrimônio, abrangendo tanto arquivos de áudio, vídeo, imagem e texto, quanto dados pessoais, contas em aplicativos e programas de recompensa — ou seja, todos os tipos de dados compartilhado digitalmente.
Atualmente, para ter acesso a senhas e conteúdos produzidos por uma pessoa falecida que não deixou instruções escritas, é necessária a entrada de uma ação judicial por um dos sucessores legais. Portanto, hoje, a forma mais segura de transmissão de seus ativos digitais após a morte é a elaboração de testamento indicando autorização, ou mesmo proibição expressa, à transmissão desses ativos a terceiros.
Contudo, muitas vezes esta transmissão não ocorre de imediato, simplesmente por vontade do falecido. No caso das milhas aéreas, por exemplo, os termos e condições dos principais programas de fidelidade não prevêem especificamente a possibilidade de transferência de pontos após o falecimento. Via de regra, esses programas não permitem a transferência, atribuição ou sucessão de notas. Contudo, já existem decisões judiciais que reconhecem a natureza patrimonial das milhas aéreas e, portanto, contrariando o disposto nestes termos, as milhas estão sujeitas a herança.
As redes sociais, em geral, possuem previsão, em seus termos de uso, sobre a possibilidade de manutenção ou não de perfis após a morte. Algumas plataformas chegam a adotar a política de transformar a conta do usuário em memorial, e, caso o usuário tenha adicionado o contato de um herdeiro à conta em vida, poderá ter acesso ao conteúdo.
Porém, na atualização do Código Civil em discussão no Congresso, que dispõe sobre a transmissão de bens digitais, é fundamental a aprovação de um texto de lei que exclua o acesso a conteúdos privados, a fim de garantir a defesa dos direitos à privacidade e à intimidade .
Ressaltamos que o ponto de atenção não diz respeito aos bens digitais sujeitos à exploração econômica, pois já são devidamente considerados como bens transferíveis, mas sim aos bens muito pessoais, que revelam questões da natureza íntima dos usuários e que, certamente, não podem ser tratados como mercadorias. informações gerais do falecido.
Entre esses bens estão mensagens trocadas via aplicativos de mensagens
(WhatsApp, Telegram, etc.), mensagens privadas em redes sociais (inbox) e outras formas de interação privada que, salvo situações muito excepcionais, não devem ser repassadas a terceiros, sob pena de grave violação de direitos de personalidade.
Não é razoável comparar esse tipo de comunicação com os antiquados diários e cartas, que ficavam à mercê dos herdeiros após a morte de um parente, pois geralmente ficavam guardados em gavetas. Esses itens, na verdade, sempre estiveram à disposição de quem quisesse violar a privacidade alheia, bastando a vontade e a indiscrição de terceiros para lidar com eles.
As mensagens privadas nas redes sociais são efetivamente privadas, pois requerem acesso via nome de usuário e senha. Portanto, salvo em caso de fraude, terceiros jamais terão acesso sem a autorização do usuário, mediante entrega da senha. Além disso, é preciso lembrar que o acesso a tais contas virtuais, além de violar a privacidade do falecido, também violaria a privacidade e a intimidade de terceiros que conversassem com ele.
Percebe-se, portanto, que o acesso às mensagens privadas de uma pessoa falecida exige uma discussão delicada, pois tratar os ativos digitais como uma universalidade de ativos, sem diferenciá-los das mensagens privadas, ativos de natureza íntima e muito pessoal, seria ser um descuido do legislador.
Na atual minuta, há previsão de que os bens digitais de pessoa falecida farão parte da herança. Contudo, há também a previsão de que, não havendo disposição expressa do último testamento – o famoso testamento -, as mensagens privadas do autor da herança não poderão ser acessadas pelos seus sucessores legais, salvo se comprovarem “interesse próprio, pessoal ou econômico em conhecê-los”.
Contudo, por se tratar de um conceito amplo e subjetivo, o alcance do que seria “interesse próprio e pessoal”, que ensejaria o acesso de terceiros a arquivos de conversas privadas, deve estar sujeito à interpretação de cada juiz. E, claro, ao interpretar esta disposição de forma direta e simplista, um simples pedido judicial de um filho ou cônjuge que pretenda ter acesso ao conteúdo poderá ser suficiente.
O ideal seria que, além de demonstrar interesse, fosse suficientemente justificado e não houvesse outra forma de obtê-lo (como a necessidade de dados financeiros de uma empresa ou de um documento importante). Não é razoável que o mero interesse de um sucessor legal seja suficiente para violar a privacidade do utilizador falecido.
Vemos, portanto, que a regulamentação do património digital é um passo importante para enfrentar os desafios únicos apresentados pelos activos digitais na era moderna. Embora não exista legislação atual sobre o assunto, a melhor opção é a elaboração de um testamento para salvaguardar os direitos à privacidade e à intimidade. Caso contrário, a sua vida privada digital poderá ser facilmente acessada por terceiros. E, caso o novo Código Civil seja aprovado conforme proposto na minuta, a elaboração de testamento continuará sendo necessária para evitar acesso inapropriado, e porque não dizer abusivo, às suas conversas íntimas.
*Isabela é sócia da área contenciosa do TozziniFreire Advogados
*Sandra é advogada da área contenciosa do TozziniFreire Advogados
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br
empréstimo para pensionista do inss
empresas de emprestimo consignado
nova taxa de juros consignado
telefone noverde
picpay idade mínima
pague menos bancarios
simulador de financiamento safra
simulação consignado bb
simular empréstimo para aposentado
go pan consignado
emprestimo para negativados bh