A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) moveu ontem uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a proibição de jogos de apostas online em todo o país. Segundo a entidade, esse tipo de plataforma está desgastando as finanças das famílias brasileiras, principalmente das mais pobres. Na ação, a CNC pede a suspensão da Lei 14.790/2023, conhecida como “Lei das Apostas”.
A entidade afirmou que a legislação “está causando graves impactos sociais e econômicos”. Estudo realizado pela Confederação constatou que, entre 2023 e 2024, “os brasileiros gastaram aproximadamente R$ 68 bilhões em apostas, valor que representa 22% da renda disponível das famílias no período”.
A questão das apostas está a dar muito que falar e a causar grande preocupação à equipa económica. Dados recentes do Banco Central indicam que os gastos brasileiros com apostas online estão crescendo e atualmente somam cerca de R$ 20 bilhões por mês por meio de transferências Pix.
Segundo a CNC, “a disseminação desenfreada das apostas online estaria a criar um ciclo de dependência, especialmente entre os mais vulneráveis, o que tem levado à redução do consumo de bens essenciais e afetado diretamente o comércio”. Com isso, mais de 1,3 milhão de brasileiros já estão inadimplentes por apostar em cassinos online.
Dívida crescente
A Confederação destacou ainda que reviu em baixa a sua projeção de crescimento do setor retalhista em 2024, de 2,2% para 2,1%, reflexo direto do desvio do consumo das famílias para as apostas. “Estima-se que o comércio poderá perder até R$ 117 bilhões por ano em receitas devido ao crescimento dessas atividades. A ADI alerta para o crescente envolvimento de menores nas apostas, “facilitado pelo uso de celulares e aplicativos”, acrescentou o Documento CNC.
Por outro lado, a Confederação defendeu a regulamentação dos casinos físicos. Segundo a entidade, poderiam criar empregos e gerar receitas fiscais para o Estado. “A regulamentação dos cassinos físicos poderá gerar até 1 milhão de empregos diretos e indiretos, além de R$ 22 bilhões de receita anual para o governo”, afirmou o presidente da CNC, José Roberto Tadros.
Outra entidade que também não concorda com a regularização das apostas é o Conselho Econômico Regional da 2ª Região (Corecon-SP). Segundo Pedro Afonso Gomes, presidente do Corecon-SP, as apostas atrapalham a economia e prejudicam o desenvolvimento econômico. “As apostas são concentradoras de riqueza, captam recursos de muitas pessoas para conceder o ganho principalmente aos proprietários de empresas e um pouco aos apostadores. Gastam algumas fortunas patrocinando meios de comunicação e entidades para atrair mais apostadores. não só no Brasil, por lavagem de dinheiro”, destacou Afonso Gomes.
O órgão não é o único que vê problemas nas atividades das casas de apostas online. Além de a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) já ter manifestado sua opinião contra as casas de apostas, na última terça-feira, diversas entidades assinaram um manifesto no qual alertam para o crescimento desenfreado das apostas eletrônicas e suas graves consequências sociais, econômicas e sanitárias. público.
São elas: Associação Brasileira de Franchising (ABF), Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos e Serviços de Varejo (Abiesv), Associação Brasileira das Indústrias Ópticas (Abióptica), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro), Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), Associação Brasileira das Empresas de Venda Direta (Abved), Associação Brasileira de Tecnologia para Comércio e Serviços (Afrac), Associação Nacional de Restaurantes ( ANR), Associação Brasileira de Strip Malls (Abmalls), Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV) e Instituto Foodservice Brasil (IFB).
O manifesto traz cinco pontos principais e cinco motivos para reflexão e ação conjunta. Algumas delas são: alertar sobre o desvio de dinheiro de programas sociais, como Bolsa Família e renda básica, principalmente de famílias de classe baixa. E também que as entidades trabalharão em conjunto para regular a publicidade ligada às apostas e proibir o uso de cartões de crédito nas apostas.
Regulamentação fraca
Segundo a economista e coordenadora de políticas públicas da Associação Livres, Deborah Bizarria, a regulamentação tem seus pontos positivos, como a geração de mais receita tributária para o Estado e a proteção ao consumidor. “Permite ao governo aumentar a receita fiscal através da cobrança de impostos sobre as operações de apostas. Pode atrair investimentos estrangeiros, pois as empresas internacionais veem o país como um mercado organizado e tentam expandir os seus negócios. consequências involuntárias que podem gerar para a sociedade”, afirmou.
Segundo Bizarria, com regras claras e bem definidas é possível criar mecanismos que reduzam danos como gastos excessivos e dificultem o desenvolvimento de vícios relacionados ao jogo. “A proteção ao consumidor também é reforçada, pois a fiscalização ajuda a prevenir fraudes e práticas desleais, além de coibir a publicidade enganosa que apresenta as apostas como uma forma fácil de ganhar dinheiro”, detalhou.
Por outro lado, também existem pontos negativos, como a implementação de um sistema eficiente de monitoramento e combate ativo à lavagem de dinheiro. “Implementar e manter um sistema de fiscalização eficiente pode representar um alto custo para o governo. Há necessidade de mecanismos de combate à lavagem de dinheiro neste mercado específico. , gerando custos sociais que precisam ser contemplados na regulação”, disse o economista.
Gastos bilionários em jogos irregulares
Um estudo do Banco Central, solicitado pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), revelou que 56 apostas no Brasil não estão corretamente classificadas no setor econômico adequado, mas são as que geram maior receita: R$ 20,8 bilhões. Enquanto isso, outros 520 classificados corretamente tiveram faturamento bem menor, de R$ 300 milhões.
O órgão responsável pela regulação das casas de apostas online é o Ministério das Finanças. Estes valores são relativos a agosto deste ano, o ministério informou que “são resultados preliminares, dado que a análise aprofundada ainda está em desenvolvimento”. O documento também mostrou o perfil dos jogadores, a maioria tem entre 20 e 30 anos e aposta em média R$ 100 mensais. Enquanto a minoria, com mais de 60 anos, aposta cerca de R$ 3 mil.
O Banco Central também estimou que cerca de cinco milhões de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões para empresas de apostas, por meio da plataforma Pix. “O valor médio gasto por pessoa é de R$ 100. Desses apostadores, quatro milhões (70% do total) são chefes de família (aqueles que de fato recebem o benefício) e enviaram R$ 2 bilhões (67%) via Pix para apostas “, afirmou o estudo.
O BC revelou ainda que cerca de 17% das pessoas que receberam o auxílio jogaram no último mês. A conclusão do Banco Central é que as famílias de baixa renda são as mais afetadas. “É razoável supor que o apelo comercial de enriquecer através das apostas seja mais atrativo para quem se encontra em situação de vulnerabilidade financeira”, acrescentou a instituição.
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