Pela primeira vez, um consórcio internacional de cientistas mapeou todos os neurônios e suas respectivas conexões num cérebro adulto, abrindo caminho para um conhecimento sem precedentes das funções do órgão. Neste caso, o objeto de estudo foi a mosca da fruta. Embora minúsculo, o inseto compartilha 60% de seus genes com os humanos, e nada menos que 10 pesquisadores já receberam o Prêmio Nobel por estudos na área médica com a chamada Drosophila.
O ambicioso projeto FlyWire, coordenado pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde da América do Norte, começou em 2019 e é composto por centenas de cientistas dos EUA, Porto Rico e Reino Unido. O resultado de cinco anos de trabalho foi publicado ontem, em forma de oito artigos, na revista Nature. Neles, os pesquisadores divulgaram um diagrama de todos os 139.255 neurônios de uma fêmea adulta de drosófila e 50 milhões de conexões produzidas por essas células.
Numa conferência de imprensa online organizada pela Nature, os investigadores explicaram que diagramas cerebrais completos já tinham sido publicados, mas eram muito mais limitados do que os da Drosophila. Por exemplo, sabe-se que a larva da mosca da fruta tem 3.016 neurônios e o verme nematóide tem 302. No entanto, este é o primeiro mapeamento total de um organismo vivo complexo que pode ver, navegar e cheirar, entre outras coisas. .
Complicado
“As moscas da fruta podem fazer todo tipo de coisas complicadas, como andar, voar, navegar. Os machos cantam para as fêmeas”, disse Gregory Jefferis, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, um dos colíderes da pesquisa. “Se quisermos compreender como funcionam os cérebros, precisamos de uma compreensão mecanicista de como todos os neurónios se combinam e permitem pensar. Para a maioria dos cérebros, não temos ideia de como funcionam estas ligações.”
De acordo com Jefferis, os diagramas cerebrais, que reconstroem não apenas os neurônios, mas a maneira como eles se comunicam, são o primeiro passo para compreender “tudo o que nos interessa – como controlamos o movimento, atendemos o telefone ou reconhecemos um amigo”. Mala Murthy, neurocientista de Princeton e uma das principais cientistas do projeto, destacou que todo o banco de dados está aberto e acessível a pesquisadores de todo o mundo.
“Esperamos que a ferramenta seja transformadora para os neurocientistas que tentam compreender melhor como funciona um cérebro saudável”. Murthy enfatizou que, no futuro, será possível comparar o que há de errado nos padrões cerebrais associados a doenças mentais, por exemplo.
Uma das descobertas que a ferramenta já proporcionou foi que cerca de 0,5% dos neurônios apresentam variações de desenvolvimento que podem fazer com que suas conexões fiquem mal conectadas. Os pesquisadores acreditam que esta será uma área importante para pesquisas futuras, que buscam entender se as alterações estão ligadas à individualidade ou a distúrbios cerebrais.
Todo o cérebro da Drosophila tem menos de 1 mm de largura. Os pesquisadores começaram com um órgão cortado em sete mil fatias, cada uma com apenas 40 nanômetros de espessura, que foram previamente escaneadas em microscopia eletrônica de alta resolução no laboratório do colíder do projeto Davi Bock, então na Janelia Research, nos Estados Unidos.
Para identificar e mapear neurônios (e as conexões entre eles), os pesquisadores desenvolveram inteligência artificial, que analisou mais de 100 terabytes de dados de imagens (equivalente ao armazenamento em 100 laptops típicos).
“O mapeamento de todo o cérebro foi possível graças aos avanços na computação de inteligência artificial – não teria sido possível reconstruir todo o diagrama manualmente”, comentou Sebastian Seung, da Universidade de Princeton, que foi um dos co-líderes da investigação.
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