A decoração do novo estúdio da TV BRA é rosa choque. Essa é a cor preferida de dois repórteres da emissora, Emily Ann Riedel – que vestiu uma blusa rosa durante a visita da reportagem – e Petter Bjørkmo.
“Eu até tinha cabelo rosa!” Bjørkmo diz, rindo, antes de acrescentar que teve que mudar de cor “porque sou repórter – os repórteres têm que ter uma aparência decente”.
Todos os repórteres da TV BRA – que significa TV Boa – são pessoas com deficiência ou autistas; a maioria tem dificuldades de aprendizagem.
Toda semana, eles fazem um programa de uma hora cobrindo notícias, entretenimento e esporte, transmitido em uma importante plataforma de streaming norueguesa, a TV2 play, bem como no aplicativo e site da TV BRA.
O programa é apresentado em norueguês simples e é mais lento que os noticiários tradicionais, tornando-o muito mais fácil de acompanhar. Entre 4.000 e 5.000 pessoas assistem todas as semanas.
Os 10 repórteres da emissora estão espalhados por todo o país, onde trabalham como correspondentes de notícias locais.
Riedel, que tem Síndrome de Down, vive e trabalha na cidade litorânea de Stavanger. Ela teve que aprender a conter sua personalidade efusiva.
“Tenho que seguir o roteiro e não falar de assuntos pessoais – porque se trata de novidades. Quando trabalho aqui, tenho que ser muito profissional”, diz ela.
‘Beleza interior e exterior’
Embora Riedel esteja na delegacia há anos, algumas coisas ainda são novas, como o rímel que ela usa antes de aparecer na câmera – que, segundo ela, pesa nas pálpebras.
“Não preciso disso porque sou bonita”, diz Riedel com um sorriso. “Eu tenho beleza interior e exterior.”
“Isso mesmo”, ri Camilla Kvalheim, editora-chefe da emissora – e também, atualmente, maquiadora. “Mas no estúdio, com luzes fortes, você parece mais pálido.”
Kvalheim e uma pequena equipe técnica sem deficiência produzem e editam todos os relatórios.
Embora Riedel e os seus colegas tenham dificuldades ligeiras de aprendizagem – falam bem inglês e viajam sem assistência – algumas coisas são um desafio.
Os apresentadores muitas vezes precisam reler uma frase várias vezes para obter uma boa visão.
“Às vezes pode ser difícil saber o que está no teleprompter, por isso temos que fazer isso várias vezes”, diz Kvalheim.
Ela também precisa capacitar sua equipe, que não estudou jornalismo na universidade antes de ingressar na emissora de TV.
No entanto, suas expectativas em relação à equipe são altas.
“Ela diz: ‘Você pode fazer isso de novo? Você pode repetir o que disse? Você pode olhar diretamente para a câmera?'”, diz Riedel. “‘Quero que você esteja perfeito – isso é muito importante.'”
“E quando ela está orgulhosa, quando terminamos, ela diz: ‘Gostei dessa parte! Gostei dessa parte! É isso que eu quero ver! Use sua energia para ser o melhor que puder!'”
Pessoas com dificuldades de aprendizagem podem ser prejudicadas por feedback excessivamente positivo, o que as impede de desenvolver as suas competências. Isso não é um problema aqui.
“Se quisermos ser vistos pelo público, temos que parecer profissionais”, diz Kvalheim sem remorso. “Se quiserem ser respeitados como repórteres e jornalistas, precisam seguir os padrões éticos de outras organizações de notícias”.
As origens da BRA TV começaram há mais de uma década, quando Kvalheim trabalhava como professora para pessoas com dificuldades de aprendizagem num lar de idosos em Bergen e decidiu seguir a sua paixão pelo cinema.
Ela descobriu que assim que pegou uma câmera, a dinâmica entre ela e as pessoas com quem trabalhava mudou.
“De repente, quando trabalhávamos juntos nesses filmes, éramos uma equipe, éramos uma equipe. Não era eu que estava acima deles – éramos iguais”, lembra Kvalheim.
Ao descobrir que os seus colaboradores criativos tinham muito a dizer sobre o mundo, ela foi encorajada a continuar o trabalho.
Agora a televisão é uma rede nacional, com um estúdio adequado – mas Kvalheim admite que os seus repórteres não recebem o mesmo que os colegas de outras redes de televisão.
O canal recebe financiamento estatal e ganha dinheiro fornecendo à TV2 um programa semanal, mas o orçamento é apertado.
A equipe, porém, é motivada por outras coisas além do dinheiro.
Na Noruega, como em todos os países, as pessoas com dificuldades de aprendizagem enfrentam problemas que vão desde baixas taxas de emprego até ao acesso a apoio e habitação.
Ser capaz de compreender as notícias capacita a comunidade em geral a fazer campanha sobre estas questões.
Falando sobre direitos
Um relatório recente de Petter Bjørkmo é um exemplo.
Ele visitou uma mulher com dificuldades de aprendizagem mais graves que vive num abrigo em Trondheim.
“A cidade – o governo – quer tirar-lhe as compras”, diz ele, referindo-se ao orçamento que ela recebe todos os meses para fazer compras com a ajuda de uma assistente social.
“Disseram que ela tem que comprar coisas online. Mas ela não pode! Como ela não fala muito bem, é difícil para ela comprar comida online. Ela precisa de ajuda!”
O relatório de Bjørkmo obteve uma “resposta entusiástica” dos telespectadores, diz Kvalheim, embora não tenha feito o governo local repensar a sua posição.
“A BRA TV é muito importante”, concorda Svein Andre Hofsø, outro repórter. “Porque estamos falando de pessoas com deficiência e quais são os nossos direitos na vida real.”
Caiu na rede
Hofsø, correspondente em Oslo, já era conhecido antes mesmo de ingressar na BRA TV.
Ele interpretou o personagem principal em um filme de 2013 Detetive Downs.
Antes das últimas eleições parlamentares em 2021, Hofsø teve a oportunidade de vestir novamente o seu chapéu de detetive, mas desta vez a sua função era interrogar vários políticos sobre as suas propostas.
Uma dessas sequências mostra-o sentado num banco do lado de fora do edifício do parlamento em Oslo, fingindo ler um jornal.
Um político, Jonas Gahr Støre – o líder do Partido Trabalhista – caminha lá fora, mas atrás de um pilar, um colega do jornalista está esperando para emboscá-lo. Enquanto Hofsø observa, o homem lança uma rede sobre o desavisado Støre.
Na cena seguinte, vemos Støre sentado em uma cadeira no porão.
Hofsø aponta uma lâmpada para seu rosto e mostra fotos de pessoas com deficiência que parecem tristes e solitárias. “Se votarmos em você, o que você fará por nós?”
Støre então explica quais seriam suas políticas para pessoas com deficiência. E depois da eleição, ele se tornou primeiro-ministro.
Camilla Kvalheim ri ao relembrar o encontro.
“Foi muito engraçado. Desde então, sempre que o encontramos, ele dizia: ‘Ah, você vai me pegar com essa rede?!’”, diz Kvalheim.
No dia em que a BBC visita a BRA TV, o canal também recebe a visita de Silje Hjemdal, parlamentar do direitista Partido do Progresso.
Uma equipe de quatro repórteres a questiona sobre tudo, desde estradas até a imigração, e o que ela pensa sobre os planos para o luxuoso novo teatro nacional em Oslo.
Kvalheim também participa, conduzindo as questões.
As respostas de Hjemdal são sérias, mas há também calor no encontro; ela é uma apoiadora de longa data da estação.
“Muitos políticos agora sabem o que é a BRA TV, então eu diria que é uma grande melhoria apenas nos últimos cinco anos”, diz ela.
Uma nova maneira de fazer TV
A TV BRA não é o único canal de telejornal apresentado por pessoas com deficiência intelectual, mas é o maior.
Existem programas semelhantes, embora de menor dimensão, na Islândia e na Dinamarca.
A Eslovénia, os Países Baixos e vários outros países já oferecem um serviço de “notícias fáceis” – reportagens simplificadas, embora não apresentadas por pessoas com dificuldades de aprendizagem.
Para os telespectadores da TV BRA, esse tipo de serviço é essencial.
“Acho que esta estação de televisão é muito importante para a nossa comunidade”, diz Anne-Britt Ekerhovd, uma fã da estação que tem dificuldades de aprendizagem.
“Eles explicam as coisas muito bem. Em diferentes telejornais, como o NRK, eles explicam as coisas de uma forma muito difícil de entendermos. A BRA TV é muito mais fácil de entender.”
Outro fã da emissora, Espen Giertsen, concorda. “Há algo especial nisso – eles têm uma nova maneira de fazer TV”, diz ele.
Os repórteres da TV BRA estão muito conscientes do importante papel que desempenham no atendimento a esse público muitas vezes esquecido.
“Se eles carregam toneladas de peso, quero que o levantem, para que possam ser livres e se sentirem aceitos”, diz Emily Ann Riedel.
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