Londres – Culpado ou inocente? E qual o nível de responsabilidade da mineradora BHP no rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, no dia 5 de novembro de 2015, quando 19 pessoas morreram e 700 mil foram afetadas em toda a Bacia do Rio Doce, de Minas ao Espírito Santo? Estas são as questões que o julgamento em Londres da multinacional inglesa e australiana tentará responder, a partir desta segunda-feira (21/10), até 5 de março de 2025.
Se considerada culpada, a multinacional poderá pagar R$ 248 bilhões (US$ 44 bilhões) de indenização – acordo que divide meio a meio os gastos com a mineradora Vale – aos 620 mil clientes do escritório internacional Pogust Goodhead, representando os atingidos na ação Internacional. O relatório do Estado de Minas informou exclusivamente sobre o processo internacional, em 2018, e está em Londres para acompanhar o início do julgamento.
O processo ocorre no Reino Unido porque a BHP é uma empresa anglo-australiana e porque é sócia da Vale na gestão da Samarco, mineradora que explorou a barragem de Fundão, que ruiu em Mariana, há quase nove anos.
Um duelo pesado entre advogados
A batalha jurídica em Londres promete ser árdua, com o melhor do direito internacional. Entre 2018 e 2023, os advogados das pessoas afetadas e a BHP travaram batalhas em tribunais de Manchester a Londres para decidir se a empresa poderia ser julgada no Reino Unido. A BHP obteve vitória em duas instâncias e o caso quase foi extinto, não fosse um raríssimo dispositivo de revisão contra uma “grande injustiça”, como legalmente classifica. O recurso acabou sendo acatado pelo tribunal de segunda instância e, ao final, representou a admissão do processo.
Com isso, as questões ocorridas no Brasil interferiram menos na culpa da multinacional, que será julgada a partir desta segunda-feira (21/10). Por outro lado, até o final de outubro, está prevista a assinatura de um novo acordo entre os estados de Minas, Espírito Santo e União, que busca indenizações de mais de R$ 160 bilhões com as mineradoras e a extinção da Renova Fundação.
Em outro desdobramento jurídico do caso no Brasil, o Instituto Brasileiro de Mineração questiona no Supremo Tribunal Federal, por meio de Alegação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF-1178), o direito dos municípios brasileiros de solicitarem indenização no exterior.
Entre os 620 mil representados na Inglaterra pelo escritório Pogust Goodhead, 23 mil são indígenas e quilombolas. Além deles, 46 municípios e mais de 1.500 empresas, autarquias e instituições religiosas aparecem no processo como afetados.
“As leis processuais são inglesas, mas a legislação brasileira será seguida para determinar se a multinacional descumpriu a legislação do país. A lei brasileira deve ser soberana. Mesmo as multinacionais que expatriam seus lucros para fora do Brasil, como a BHP fez e continua fazendo, precisam obedecer à legislação brasileira”, afirma Ana Carolina Salomão Queiroz, sócia da Pogust Goodhead.
No ano passado, por exemplo, isto aconteceu no mesmo tribunal internacional. Nessa ocasião, as empresas inglesas foram julgadas sob as leis substantivas de outros países, pela última vez no Gana, recorrendo a especialistas para informar os juízes sobre as responsabilidades e transgressões das empresas inglesas em relação às leis estrangeiras.
O que diz a multinacional
A BHP rejeita o processo no exterior, que classifica como uma duplicação dos acontecimentos no Brasil, e afirma não ter tido influência nas decisões da Samarco que culminaram no desastre da barragem de Fundão. “A BHP refuta as alegações quanto ao nível de controle em relação à Samarco, que sempre foi uma empresa com operação e gestão independentes. Continuamos trabalhando em estreita colaboração com a Samarco e a Vale para apoiar o processo de reparação e compensação em curso no Brasil”, informa a multinacional.
Ainda segundo a BHP, a Fundação Renova, criada em 2016 como parte do primeiro acordo com o poder público brasileiro, já destinou mais de R$ 37 bilhões em auxílio financeiro emergencial, indenização, reparação ambiental e infraestrutura para cerca de 430 mil pessoas, empresas locais e comunidades indígenas e quilombolas.
Os procedimentos de ação internacional
De 21 a 25 de outubro estão previstas declarações de abertura, nas quais advogados de ambas as partes apresentam oralmente o caso. Posteriormente, de 28 a 14 de novembro, testemunhas serão interrogadas pelos advogados dos atingidos e pelos defensores da empresa. Serão ouvidos diretores da BHP e agentes de governança indicados para a Samarco, entre outros.
No dia 18 de novembro começa a audiência de especialistas em direito brasileiro. Três serão escolhidos pela BHP e três por Pogust Goodhead para orientar o tribunal em direito ambiental, civil e societário brasileiro.
Entre os dias 13 e 16 de janeiro estão previstas audiências com especialistas geotécnicos (para falar sobre as condições das barragens, métodos de segurança, prevenção, causas de rompimento, entre outros). Especialistas em licenciamento também podem ser ouvidos de tempos em tempos.
O julgamento termina com o veredicto de culpa ou inocência, marcado para 5 de março de 2025. Após esse período, serão necessários cerca de três meses para a apresentação dos valores a serem indenizados, caso esta seja a decisão do tribunal na ação internacional.
Uma tragédia e poucas respostas
Relembre o caso Mariana, às vésperas de completar nove anos
Comunidade, Bento Rodrigues
Paulo Filgueiras/EM/DA Imprensa – 08/11/2015
5 de novembro de 2015
O rompimento da Barragem de Fundão, no Complexo Germano, em Mariana, libera 40 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro. Entre a área de garimpo e a primeira comunidade, Bento Rodrigues, que foi destruída, 19 pessoas morreram. Paracatu de Baixo, em Mariana, e Gesteira, em Barra Longa também sofrem destruição.
8 de novembro de 2015
Lama e resíduos chegam a Governador Valadares pelo canal do Rio Doce. A coleta de água é interrompida e 200 mil pessoas precisam economizar. Abastecimento de água começa a ser enviado
13 de novembro de 2015
Investigações criminais e civis instauradas pelo Ministério Público nas esferas federal e estadual, Polícia Federal, Polícia Civil e Ministério do Trabalho

Rio Doce
Leandro Couri/EM/DA Imprensa – 27/11/2015
21 de novembro de 2015
A massa de rejeito de minério, que satura o rio Doce, chega ao mar no distrito de Regência Augusta, em Linhares (ES). Foram percorridos 663 quilômetros nos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce, totalizando 41 municípios e três reservas indígenas
23 de dezembro de 2015
Samarco se compromete a pagar indenização de R$ 100 mil às famílias dos mortos e desaparecidos, além de auxílio emergencial de um salário mínimo mais 20% por dependente e cesta básica mensal para os atingidos
3 de fevereiro de 2016
Com o fechamento da foz do Rio Doce à pesca, toda a nascente e áreas afetadas dos rios Carmo e Gualaxo do Norte também têm a atividade proibida
2 de março de 2016
Na contramão do Ministério Público, a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, assinaram Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com o governo federal e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo para a criação da Fundação Renova e 40 ações de recuperação social, ambiental e económica das regiões afectadas. Acordo inicial era investir R$ 13,3 bilhões até 2031
2 de maio de 2016
MPF ajuiza ação civil pública pedindo indenização integral pelo descumprimento, no valor de R$ 155 bilhões
4 de julho de 2016
Liminar solicitada pelo MPF é concedida pelo STJ e suspende o TTAC. Em 18 de agosto, o TTAC é anulado
20 de outubro de 2016
MPF denuncia 26 pessoas físicas e jurídicas pelo desastre, sendo 21 acusadas de homicídios dolosos e outros três crimes, além de crimes ambientais
25 de junho de 2018
O TAC de Governança foi assinado entre o Ministério Público Federal (MPF), os MP de Minas (MPMG) e do Espírito Santo (MPES), a Defensoria Pública da União (DPU) e as Defensorias dos dois estados, além de outras nove organismos públicos, com as empresas mineiras para novas estruturas para a participação efectiva dos afectados. Ação no valor de R$ 155 bilhões está suspensa
21 de setembro de 2018
O escritório de advocacia inglês atualmente chamado Pogust Goodhead anuncia a entrada de uma ação judicial de 5 bilhões de libras em cortes no Reino Unido contra a BHP Billiton SPL, controladora da Samarco ao lado da Vale. Processo com 200 mil atingidos é protocolado em 2 de novembro
26 de outubro de 2018
Deputados e defensores públicos assinam acordo com mineradoras para não prescrever indenizações
22 a 31 de julho de 2020
Os advogados das pessoas afetadas e a BHP Billiton levam o caso internacional ao Centro de Justiça Civil em Manchester. Em 9 de novembro, o juiz arquiva o caso
30 de setembro de 2020
Sem avanços, MPF, MPMG, DPU e Defensorias Estaduais retomam ações civis públicas no valor de R$ 155 bilhões
23 de março de 2021
Tribunal de Recurso de Londres nega recurso aos afetados e rejeita o caso
22 de junho de 2021
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenta renegociar
27 de julho de 2021
Tribunal de Recurso do Royal Courts of Justice de Londres admite recurso dos afetados e reabre o processo internacional

protesto em Londres
Mateus Parreiras/EM/DA Imprensa – 04/08/2022
4 a 8 de abril de 2022
Os juízes do Tribunal de Recurso ouviram argumentos da BHP e dos apoiantes dos afetados, que protestam em Londres
8 de julho de 2022
Tribunal de Apelação de Londres decide que todas as questões levantadas pelas pessoas afetadas podem ser julgadas em processos no Reino Unido contra a BHP Billiton
8 de setembro de 2022
No Brasil, renegociação mediada pelo CNJ fracassa
30 de janeiro de 2023
Novo grupo de trabalho é formado dentro do governo federal. Em julho há novas negociações para acordo com estados e mineradoras
20 de junho de 2024
Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) questiona Supremo Tribunal Federal (STF) sobre possibilidade de municípios brasileiros entrarem com ações no exterior
22 de setembro de 2024
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira estima o acordo com as mineradoras em R$ 167 bilhões. Data de assinatura está estimada entre 24 e 29 de outubro
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