Para alguns, ele acabou criando um religiãocom crenças e rituais. Para outros, um filosofia da vida, com base educação e ética.
O facto de os ensinamentos de Confúcio, cujo nome original era Ch’iu, um filósofo que viveu entre 551 a.C. e 479 a.C., terem influenciado e continuam a influenciar a sociedade chinesa e muitos dos religiões orientais.
“Ele atuou como professor, conselheiro político e administrador, defendendo a importância da harmonia social, da justiça e da benevolência”, disse à BBC News Brasil o professor Belmiro do Nascimento João, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
João destaca que os ensinamentos de Confúcio, “focados na ética, na moral e na organização social” são baseados em cinco princípios: Ren, Li, Xiao, Zhong e Shu.
Respectivamente, ele traduz esses pontos como benevolência, rito, piedade filial, lealdade e reciprocidade.
Para o professor, ren pode ser entendido como “humanidade, bondade, benevolência ou virtude”. “Bondade e compaixão como base das relações humanas. É o conceito central”, afirma.
Li (ou rito) seria “a importância de seguir normas sociais e comportamentais para a harmonia”.
“Abrange um vasto leque de práticas, desde rituais religiosos até regras de etiqueta do quotidiano”, afirma João.
A piedade filial é “respeito e obediência aos pais e antepassados, [uma vez que] O respeito pela autoridade e pela autoridade familiar é uma característica importante do confucionismo.”
Colocar zhong, é entendida como “fidelidade ao governante e aos princípios morais” e, por Shua prática de “tratar os outros como você gostaria de ser tratado”.
Membro da Associação Confucionista Internacional (ICA), na China, professor da Associação Sunbin de Wushu e Cultura Chinesa, em São Paulo, e ex-professor do Instituto Confúcio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o sinólogo Rogério Fernandes de Macedo diz à BBC News Brasil que “o cerne do confucionismo está baseado no conceito de ren“.
Ele afirma que o termo foi “errônea e claramente influenciado pelo Cristianismo” na tradução mais usual, como “benevolência”.
Macedo cita o filósofo Antonio Florentino Neto, professor da Unicamp, ao usar outro termo para ren: “inter-relacional”. Segundo ele, isso esclareceria “a ideia filosófica do próprio Confúcio”.
“Mas sugiro também o conceito de cooperação, que hoje é muito utilizado nas relações econômicas entre a China e outros países”, prefere o sinólogo Macedo.
“O significado de ren Para a cultura chinesa trata-se de um tratamento recíproco e mútuo, uma relação que não beneficiou nem prejudicou. De rentodos os outros conceitos confucionistas estão relacionados”, explica ele.
Os valores fundamentais Os confucionistas são cooperação, justiça, cerimônias e etiqueta, sabedoria e inteligência, confiança, coragem, alteridade, honestidade, lealdade e respeito.
Este último termo, como sublinha Macedo, “é muitas vezes traduzido como ‘piedade filial’, destacando a influência cristã, e ‘respeito pelos mais velhos’”.
“No meu ponto de vista, os princípios e valores do confucionismo são claramente idênticos aos da diplomacia, da conduta cívica, da procura do desenvolvimento social e político pacífico de uma nação, baseado em políticas educativas”, comenta o sinólogo.
Esses princípios ainda norteiam a China contemporânea, como bem observa o professor. Ele observa que no livro Governança da Chinacompilado a partir de quatro volumes com textos e discursos do presidente chinês Xi Jinping, o filósofo é essencial.
“A obra apresenta perfeitamente citações de Confúcio para esclarecer o modelo político chinês, bem como de outros filósofos e políticos da antiguidade chinesa”, observa o especialista.
Na sua perspectiva, este facto aponta para “um possível exemplo de leitura e valorização do confucionismo hoje, evidenciando o seu real valor como educador, filósofo e político”.
O professor Nascimento João lembra uma famosa frase atribuída a Confúcio que, na sua opinião, representa bem a sua importância: “A educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo”.
“O confucionismo, sistema filosófico e ético baseado nos ensinamentos de Confúcio, moldou a sociedade chinesa durante séculos, influenciando a educação, a política, as relações familiares e sociais”, avalia.
“Confúcio é considerado um dos maiores pensadores da história e seus ensinamentos permanecem relevantes até hoje, oferecendo lições valiosas sobre ética, moral e organização social.”
A vida de Confúcio
Confúcio nasceu no antigo reino de Lu, hoje cidade de Qufu, província de Shandong, China.
Descendente de nobres da região, ficou órfão de pai ainda muito jovem e foi criado pela mãe.
“Qufu era um ambiente de cultura musical e ritual e Confúcio recebeu influência local que contribuiu para a formação de seu pensamento e respeito aos ancestrais”, afirma Macedo.
“Confúcio foi filósofo, político e educador, o primeiro de sua época a defender a educação para todos, sem distinção”, acrescenta. Por isso, o pensador é considerado até hoje o pai da educação na China.
João acrescenta que o pensador é “considerado um dos maiores sábios da história” e que os seus ensinamentos ficaram registados na obra Analectos de Confúcio“compilado por seus discípulos após sua morte.”
O professor destaca que suas ideias “influenciaram a cultura chinesa e asiática [como um todo] há mais de 2 mil anos”.
E lembre-se que durante a dinastia Han, entre os anos 206 a.C. e 22 d.C. “o confucionismo tornou-se a ideologia oficial do Estado [chinês] e influenciou fortemente o sistema educacional e a burocracia imperial”.
“Naquela época a gente comum não tinha acesso ao estudo e até Confúcio teve dificuldade de ser aceito pelo sistema, pois vinha de uma família humilde”, aponta Macedo, em referência às condições financeiras da família após a morte de Confúcio ‘ pai.
Caçula de 11 filhos, Confúcio decidiu aos 15 anos que investiria suas energias na busca pelo conhecimento. Como ficou órfão muito cedo, teve que trabalhar desde criança para ajudar no sustento da família. Ele era pastor, vaqueiro, funcionário público e contador.
Ao longo da vida, aprimorou sua filosofia de vida e passou a vê-la como uma missão. A partir dos 50 anos, começou a viajar pela China, buscando convencer autoridades governamentais a adotarem suas ideias. Ao longo de 14 anos, visitou 14 reinos chineses.
Aos 68 anos voltou à sua terra natal e começou a lecionar. Foi assim, rodeado de discípulos, que continuou até à sua morte, aos 73 anos.
Religião
Não há consenso sobre se o confucionismo pode ou não ser considerado uma religião.
Muitos entendem que aceitar a filosofia como uma questão de fé é uma distorção causada pelos missionários católicos que procuraram catequizar o povo chinês.
Para Nascimento João, “a classificação do confucionismo como religião é complexa e gera debates entre os estudiosos”, dependendo “da perspectiva e dos critérios utilizados”.
Ele explica que os argumentos a favor de classificá-lo como religião baseiam-se no fato de o confucionismo ter um sistema de crenças, “em Tian, o céu, os ancestrais e os espíritos” e ter “rituais específicos para diferentes aspectos da vida, como como sacrifícios ancestrais, cerimônias fúnebres e festivais”.
Há também o facto de se apresentar como “um guia moral e ético para a vida individual e social, abrangendo conceitos como benevolência, rito e piedade filial”.
Por último, Nascimento João refere ainda o facto de existirem templos e santuários confucionistas em vários países asiáticos, “servindo como locais de culto e veneração”.
Contra a ideia de que se trata de uma religião, há o argumento de que a doutrina foca na ética e na vida social.
“Ele se concentra principalmente na ética, na moral e na organização social, com menos ênfase nas crenças sobrenaturais e na soteriologia, ou seja, a parte da teologia sistemática que trata da salvação da alma”.
A ausência de um Deus central também se destaca. “O confucionismo não tem um Deus único e todo-poderoso como em muitas religiões teístas. Não existe Deus, uma unidade criativa. Sua doutrina é baseada na busca do Tao, da harmonia da vida e do mundo”, destaca.
Finalmente, existe uma pluralidade histórica que dificulta o estabelecimento de um sistema padrão.
“Ao longo da história, diferentes correntes confucionistas apresentaram interpretações variadas de textos e ensinamentos, dificultando a definição de um único dogma”, afirma.
“Do meu ponto de vista, não vejo isso como possível [considerar o confucionismo uma religião]”, diz Macedo, argumentando que há um “choque com as religiões brasileiras de base cristã” e que “o propósito do confucionismo sempre foi a educação e a conduta cívica, do ponto de vista político e filosófico”.
“Mas não nego que Confúcio acreditava nas crenças de sua época, ou seja, na ‘teologia natural’ de que Deus é natureza”, afirma, citando interpretações de pensadores como o missionário jesuíta Matteo Ricci (1552-1610) , que trabalhou na China, e o filósofo e matemático Gottfried Leibniz (1646-1716).
“Ele viveu em um lugar e período onde eram comuns práticas ritualísticas, oferendas em memória e respeito aos antepassados, comportamento mais regulamentado de pessoas alfabetizadas e nobres, etc.”.
Segundo Macedo, “Confúcio utilizou os ritos como exemplo para a sociedade, devido à necessidade de manter e demonstrar respeito aos antepassados na morte, bem como na vida, incluindo os mais velhos, os pais e os parentes, fazendo com que esta conduta servisse de exemplo para mais tarde”. gerações, ampliando esse modelo ao monarca e à nação, buscando a conduta moral e ética como forma de construir e preservar a civilidade”.
“Ou seja: Confúcio era um estudioso, não um religioso”, afirma. “A conduta moral e ética de Confúcio pode certamente ser comparada com a educação moral e cívica para o desenvolvimento, pacificação, organização e administração de um reino.”
Para o especialista, os valores de Confúcio ficam evidentes em sua atuação como educador, “quando orienta seus discípulos a agirem com honestidade, ética, moralidade, na busca de serem pessoas exemplares para a sociedade”. “Não porque acreditem em algo divino, mas porque resgatam os valores herdados dos antigos.”
“A base da conduta de Confúcio é o respeito aos familiares. Na época das missões jesuítas na China, era comum os religiosos questionarem as crenças chinesas, na tentativa de catequizar o povo, que respondia que acreditava em seus ancestrais , seus avós, pais e nada mais, por isso os chineses eram considerados materialistas e ateus”, compara.
Ele explica que a compreensão do confucionismo como religião acabou ganhando forma mais consolidada com as missões jesuítas que buscavam evangelizar a China. O religioso Ricci era fluente em chinês, mas garantiu que, neste processo, fosse aplicado o chamado “método de acomodação”.
“Consistia em adquirir o máximo possível de elementos da cultura e da língua chinesa para introduzir o cristianismo naquele país”, explica Macedo.
Algo muito semelhante ao aplicado pelos missionários católicos que fizeram parte do projeto de colonização do Brasil, na mesma época.
“Então, embora ele seja fluente em chinês, ele [Ricci] interpretou a figura de Confúcio como idêntica a Jesus Cristo, contrastando com o descaso com o celibato, a tolerância de outras religiões e a permissão da poligamia atribuída ao confucionismo, fatos que ele mesmo notou, aumentando as críticas dos superiores da Igreja Católica”, contextualiza Macedo .
“A influência das missões na China realmente mudou a visão das pessoas sobre o confucionismo, surgindo o neoconfucionismo com características religiosas”, admite.
“Mas o facto é que o confucionismo original tem sido cada vez mais propagado por especialistas chineses. Desta perspectiva, podemos identificar vestígios da concepção religiosa do confucionismo hoje”.
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