As redes sociais fervilharam com o anúncio de um cigarro eletrônico que supostamente não contém nicotina e ainda faria bem à saúde por conter vitaminas.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que “não é possível apresentar vitaminas na forma de vaporizadores” e que “o produto não pode ser vendido como suplemento alimentar”.
A BBC News Brasil também ouviu especialistas para entender se o aparelho realmente traz benefícios à saúde.
A venda dele e de qualquer outro vaporizador do seu tipo é proibida em território nacional. Mesmo assim, uma pesquisa publicada em 2022 mostrou que quase um em cada cinco brasileiros de 18 a 24 anos usou algum tipo de cigarro eletrônico pelo menos uma vez na vida.
Nas redes sociais, o aparelho fabricado pela IZ Health é apresentado por uma modelo em um vídeo em que ela se exercita enquanto usa o vaporizador.
Na propaganda, ela afirma ainda que inalar a fumaça da “vagem” garante que ela tenha mais energia, algo como um suplemento alimentar.
“Com o IX Power, você garante a energia necessária para realizar as mais variadas tarefas, sem prejudicar a saúde, e com sabor cítrico de menta, que o torna ainda mais delicioso. Os ‘pods’ IZ são concentrados vitamínicos desenvolvidos para o uso diário. dia”, diz a mulher do vídeo enquanto se exercita.
A BBC News Brasil encontrou diversos sites que vendem o produto. O mais barato custa R$ 55 e o mais caro custa R$ 75.
Professora livre da Faculdade de Medicina da USP e diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor, Jaqueline Scholz afirma que a promoção desse vaporizador “é puro marketing enganoso”.
“O pulmão não é o aparelho digestivo para receber vitaminas. O pulmão foi feito para receber ar e quanto mais puro ele for, melhor. As micro e nanopartículas podem causar processo inflamatório e, nos casos mais graves, o paciente pode até precisa ser intubado”, diz.
Na propaganda do vaporizador de essências vendido como saudável, a modelo diz que os nutrientes são absorvidos pela mucosa durante a inalação do vapor produzido em baixas temperaturas.
O pneumologista do hospital Sírio-Libanês André Nathan disse desconhecer qualquer estudo que indique a absorção de vitaminas pelo sistema respiratório humano.
“Não foi projetado para isso e não conheço nenhum estudo sobre essa via de absorção de vitaminas”, afirma no relatório.
Após a grande repercussão do vídeo, a empresa IZ Health desativou todas as contas que tinha nas redes sociais. A reportagem tentou contatá-los para ouvi-los sobre o caso, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
A BBC News Brasil não encontrou nenhuma evidência de que a empresa IZ Health atue no Brasil, como CNPJ, site oficial ou canal de contato. Também não há informações se ela tem sede em outro país ou se os produtos oferecidos foram fabricados sob demanda, a pedido de outra empresa ou pessoa física.
Procurada, a Anvisa informou que “a resolução RDC 46/2009 proíbe dispositivos eletrônicos para fumar”. Segundo a agência, o texto “se aplica a quaisquer acessórios e recargas destinados ao uso em qualquer dispositivo eletrônico para fumar”.
A Anvisa informou ainda que “o perfil de toxicidade das substâncias utilizadas nos dispositivos em questão é desconhecido considerando seu uso por meio de vaporização”.
Segundo a agência, “as formas farmacêuticas que podem ser utilizadas em suplementos alimentares são aquelas destinadas à administração oral e ingestão, ou seja, pela boca”.
‘Apenas ar’
Jaqueline Scholz, médica e pesquisadora do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, afirma que não é recomendada a ingestão de medicamentos ou suplementos por inalação. Ela conta ao repórter que as exceções são os pacientes com problemas respiratórios, como os asmáticos.
“O aparelho respiratório serve para você receber apenas ar. Exceto em situações muito restritas e até desesperadoras, quando não consegue acesso periférico, por exemplo”, afirma o médico da USP à BBC News Brasil.
Scholz afirma que, mesmo que seja retirado, o anúncio já causou “enormes danos” ao convencer as pessoas de que o produto pode trazer benefícios à saúde.
Ela afirma que é justamente o contrário e que inalar essências por meio de vaporizadores pode ser ainda mais prejudicial que o cigarro.
“Em primeiro lugar, porque não é vapor, é um aerossol. O vapor é apenas água da água. E o aerossol contém micropartículas que atravessam os alvéolos. Elas atacam as nossas membranas, que são ultrafinas, e podem causar inflamações graves. Os cigarros eletrônicos possuem baterias que geram uma quantidade muito maior de nanopartículas do que os cigarros convencionais”, afirma o médico.
Para ela, os responsáveis pela empresa devem ser identificados e responsabilizados, assim como as redes sociais que permitiram a veiculação do conteúdo.
Ela defende ainda que a divulgação de produtos falsificados deve ser combatida da mesma forma que a divulgação de notícias falsas nas redes sociais.
“Quando você inala algo que contém uma partícula ultrapequena, ela entra na corrente sanguínea e pode infectar os pulmões, provocando asma aguda. Não recomendo inalar nada. Você pode inalar metais pesados, níquel e cobre. Materiais cancerígenos que podem ser absorvido pelo corpo.”
Ela resume que o discurso sobre os vaporizadores de essência serem rotulados como saudáveis é “mais um artifício da indústria de cigarros eletrônicos, junto com as cores e aromas, usados para atrair os mais jovens”.
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