Existem técnicas tradicionais de ensino ortografia que não são apenas ineficazes. Eles podem até ser prejudiciais. Como isso é possível?
Um dos mecanismos utilizados pelo nosso cérebro para aprender a ler e escrever É chamado “aprendizagem estatística“ou implícito.
Este tipo de aprendizagem Começa assim que nascemos. Baseia-se na detecção de padrões regulares em eventos frequentemente observados.
Em suma, armazenamos o que é apresentado repetidamente porque nosso cérebro interpreta isso como importante para nos adaptarmos adequadamente ao ambiente que nos rodeia.
Aprendendo com as repetições
Quando aprendemos a ler e escrever, o aprendizado estatístico entra em operação.
Um exemplo: como podemos aprender que “hoje” se escreve com “h”?
Uma maneira é observar a palavra repetidamente, para que nosso cérebro possa armazená-la com a letra “h” correspondente. Mas o que aconteceria se a palavra “hoje” às vezes fosse apresentada com um “h” e, outras vezes, sem a letra inicial?
Nesse caso, o mecanismo de busca de padrões regulares não funcionaria corretamente, pois não conseguiria encontrar essa regularidade.
Para um leitor que é professor do ensino fundamental, pode parecer familiar a sensação de que, quando era mais jovem (antes de exercer a profissão), cometia menos erros ortográficos. E agora, depois de passar anos observando e corrigindo os erros de seus alunos, ele às vezes fica com dúvidas ao escrever uma determinada palavra com “ss” ou “ç”, ou se ela tem ou não “h”, quando antes de eu escrevê-la perfeitamente.
Isso ocorre porque o cérebro do professor já observou muitas vezes palavras escritas incorretamente – como “giboia”, por exemplo. Isso o faz duvidar se deveria escrever com “g” ou “j”.
O problema com exemplos errados
Uma atividade muito comum no Ensino Fundamental, em relação à ortografia, é pedir ao aluno que detecte e corrija palavras escritas com erros ortográficos. Nele, o aluno observa uma frase como:
“O aluno pediu para mudar de lugar porque não conseguiu preencher o quadro” – o coreto é um assento e um quadro.
Nesse caso, a apresentação de palavras com grafia incorreta dificulta a detecção de padrões regulares, impedindo sua observação e armazenamento. Em outras palavras, prejudica o aprendizado.
Se, cada vez que observamos uma palavra específica escrita corretamente, imaginamos que estamos subindo um degrau para armazenar definitivamente sua forma correta em nosso cérebro, observar a mesma palavra com grafia fora do padrão nos leva a descer vários degraus.
Existem outros exercícios de ensino de ortografia que também podem ser considerados prejudiciais.
O problema com o ditado
Talvez a atividade mais tradicional e utilizada no dia a dia escolar seja o ditado. Todos nós já fizemos ditados ao longo da nossa vida escolar e, neste momento, muitos alunos estão certamente a fazer este exercício.
Além de suas altas demandas cognitivas e da grande dificuldade de atendimento à diversidade em sala de aula, é necessário acrescentar uma limitação fundamental: o ditado é uma atividade de avaliação e não de ensino.
Se o aluno conhecer bem as palavras que estão sendo ditadas, ele as escreverá corretamente. Mas, se não estiverem previamente armazenados, o ditado não servirá para fixá-los na memória. É uma atividade de ensino ineficaz.
Quando utilizamos o ditado (na sua versão tradicional, em que o professor lê em voz alta um texto que ainda não foi apresentado aos alunos), não estamos ensinando ortografia. Estamos apenas avaliando o conhecimento ortográfico dos alunos.
E, na escola, deveríamos procurar ensinar muito e avaliar pouco, e não o contrário.
Estratégias Eficazes
Devemos lembrar que nosso cérebro não entende a ortografia, mas apenas o que é repetido com frequência.
Portanto, a premissa do ensino de ortografia é oferecer às crianças exemplos corretos das palavras que elas precisam aprender.
Além disso, é necessário apresentar estes exemplos repetidamente, para estimular, melhorar e facilitar o desenvolvimento adequado dos processos de aprendizagem estatística.
Nesse sentido, é importante garantir apresentações repetidas das palavras mais complexas do ponto de vista ortográfico, ou seja, palavras que o aluno precisa utilizar muito no seu dia a dia, mas que possuem grafia complexa.
Um exemplo de paradigma é o verbo “haver” – e sua semelhança com o parônimo “a ver”, que costuma causar tanta dor de cabeça entre os estudantes.
Uma atividade muito fácil de aplicar é a chamada “caixa de palavras”. Essa técnica consiste na criação de uma caixa, na qual os alunos incluem palavras difíceis, cada uma em um cartão separado.
Dessa forma, eles terão sempre essas palavras acessíveis e poderão consultá-las com frequência. E, quando os alunos as escrevem corretamente, podem retirá-las da caixa, abrindo espaço para o aprendizado de novas palavras.
No caso de expressões homófonas, como “haver” e “to see”, podemos acrescentar ao cartão esta informação, ou quaisquer outros dados que consideremos estimulantes para uma aprendizagem aprofundada, como quaisquer regras que facilitem a memorização ou derivadas palavras que mantêm ou não essa complexidade ortográfica.
Separe a ortografia de outras habilidades
É importante ser específico, abordando a ortografia de forma independente do resto de suas habilidades de escrita.
Quando nosso foco é colocar as ideias em ordem, usar conectores ou revisar textos, é recomendado deixar a ortografia de lado. Se quisermos que os alunos melhorem a gramática, a sintaxe, o planeamento e a ortografia ao mesmo tempo, muito provavelmente não conseguiremos melhorar nenhum destes aspectos.
Portanto, se o nosso objetivo é a ortografia, vamos nos concentrar apenas nisso.
Nesse sentido, complementando a apresentação correta e frequente de palavras impulsionada pela aprendizagem estatística, também é benéfico ensinar explicitamente regras ortográficas (“os prefixos ‘post’, ‘pre’ e ‘pro’ requerem hífen”, por exemplo). Este é um exemplo de prática tradicional recomendada.
Uma alternativa ao ditado tradicional é a “cópia diferida”. Consiste em apresentar aos alunos uma frase que contenha dificuldades ortográficas e explicá-las, pedindo-lhes que escrevam essa frase.
Cada complexidade ortográfica escrita corretamente é reforçada com pontos e os alunos têm a oportunidade de reescrevê-la se desejarem obter a pontuação máxima.
Minimize a possibilidade de erro
A leitura pode melhorar a ortografia, justamente porque nos expõe a muitas palavras usadas com frequência, escritas corretamente.
Mas, com palavras menos frequentes, é preciso reforçá-las com estratégias em sala de aula. Ler muito pode ser a melhor maneira de escrever corretamente, mas os alunos mais novos não têm tempo de leitura suficiente. Portanto, necessitam de apoio e reforço durante as aulas.
Por fim, é preciso considerar que, como explica a pesquisadora espanhola Mercedes Rueda, os professores devem minimizar a possibilidade de erros na escrita – e, caso ocorram, oferecer feedback imediato.
Não devemos esperar que a criança cometa um erro, precisamos nos antecipar. Se uma criança perguntar “professor, ‘hiena’ tem ‘h’?”, não deveríamos responder “o que você acha? como soa melhor?”
O mais eficaz é responder à pergunta com clareza, sem hesitações, expondo a grafia correta da palavra. Devemos responder claramente: “sim, é com ‘h’”. E é isso.
* Gracia Jiménez Fernández é professora titular do Departamento de Psicologia Evolutiva e Educação da Universidade de Granada, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas A conversa e republicado sob uma licença Creative Commons. Leia aqui versão original em espanhol.
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