Com a difícil missão de chegar a um acordo sobre o novo mecanismo de financiamento climático, representantes de 197 países mais a União Europeia iniciaram discussões na COP29 em Baku, no dia 10 de novembro. “Estamos a caminhar para a ruína. E não se trata de problemas futuros. As alterações climáticas já estão aqui”, disse o presidente da conferência, Mukhtar Babaiev, Ministro da Ecologia do Azerbaijão, na cerimónia de abertura. “O momento da verdade chegou.” Uma das primeiras medidas foi a aprovação das regras do mercado de carbono, transação acusada pela sociedade civil de falta de transparência.
Esvaziada de líderes mundiais, como Luiz Inácio Lula da Silva, Joe Biden, Emmanuel Macron e Olaf Scholz, a reunião anual da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) acontece em um momento chave, quando o mundo bate mais um recorde de calor — de acordo com o Instituto Copernicus da UE, 2024 será o ano mais quente já registado. Às advertências da ciência soma-se a eleição de Donald Trump para a presidência norte-americana. O republicano nega que o aquecimento global seja consequência da queima de combustíveis fósseis e deve retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris e da própria UNFCCC.
“Quero dizer-lhes que embora o governo federal dos Estados Unidos, sob Donald Trump, possa colocar a ação climática em segundo plano, o trabalho continuará, com paixão e compromisso”, disse John Podesta, o atual enviado especial do governo para o clima. Joe Biden. “Os Estados Unidos são uma democracia que escolheu um presidente cuja relação com as alterações climáticas é dominada pelas palavras ‘fraude’ e ‘combustíveis fósseis’”, acrescentou.
Simon Stiell, secretário executivo da UNFCCC, destacou no seu discurso que “a COP29 deve demonstrar que a cooperação global não está paralisada”. O entendimento dos especialistas é que a administração Trump não conseguirá abandonar a agenda climática, especialmente com as estimativas de perdas económicas desencadeadas por extremos climáticos, como secas, inundações e furacões. “Cada vez mais, temos impactos na agricultura, na segurança hídrica, essencial aos processos industriais. E os Estados Unidos não estão fora dessa equação”, comenta Karen, diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais da The Nature Conservancy (TNC) Brasil.
Dinheiro
Na chamada “COP de Financiamento”, os países e blocos económicos tentam definir o Objectivo Colectivo Quantificado para o Financiamento do Clima (NCQG), um mecanismo de financiamento que substituirá o fundo anterior. Em Paris, há quase uma década, foi decidido que os países desenvolvidos afectariam anualmente 100 mil milhões de dólares para acções de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento. O valor, considerado simbólico — para transmitir a ideia da importância que os signatários do acordo atribuíam ao tema — revelou-se irrealista.
O desafio agora é encontrar números factíveis e, principalmente, definir os critérios de distribuição do dinheiro, algo que o fundo anterior não previa. Os blocos económicos têm entendimentos diferentes sobre a composição do NCQG e os Estados Unidos querem que a China também contribua (ver caixa).
O dinheiro é essencial para que os países consigam elevar o nível de ambição das suas contribuições nacionalmente determinadas (NDC), os planos que cada um tem para garantir que o planeta não chegue ao final do século 1,5ºC mais quente do que no pré-guerra vezes. -industrial. Essa meta já é considerada impossível, mas há expectativa de pelo menos evitar um aquecimento superior a 2ºC, o que já causaria catástrofes ambientais.
Irreversível
O Grupo Consultivo para a Crise Climática (CCAG) divulgou hoje um relatório sobre os princípios orientadores para o desenvolvimento das NDC. O documento destaca que as contribuições existentes eliminam a possibilidade de atingir 1,5ºC e colocam o mundo no caminho para um aquecimento superior a 3ºC até 2100. “Os NDC de elevada ambição devem reflectir quotas justas, com os países desenvolvidos a assumirem maior responsabilidade através de cortes mais profundos e de um aumento apoio às nações em desenvolvimento”, disse, em nota, Mercedes Bustamante, membro do CCAG e professora da Universidade de Brasília (UnB). “Estamos à beira de uma mudança irreversível, mas também enfrentamos uma oportunidade sem precedentes para redefinir a nossa abordagem à ação climática.”
O Brasil antecipou e, na sexta-feira, divulgou, três meses antes do prazo, suas novas NDCs: reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa em 59% a 67% em 2035, em comparação aos níveis de 2005. Para Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, o compromisso não cumpre a meta de 1,5ºC, pois, em números absolutos, significa emitir 984 milhões e 792 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. “Também estão em desacordo com os compromissos já assumidos pelo governo e com a promessa do Presidente da República de eliminar o desmatamento no país — juntas, essas políticas levariam a emissões líquidas inferiores a 650 milhões de toneladas em 2035.”
O que eles querem
Bloquear reivindicações
e países em negociações
de financiamento
» Grupo Árabe – mínimo de
US$ 441 bilhões, entregues ao fundo a partir de 2025
» EUA – China e Arábia Saudita devem começar a contribuir
» Paquistão – pelo menos 70% do fundo deve ser destinado a subsidiar os efeitos das alterações climáticas na Turquia (outubro) – a abordagem multifacetada é uma opção, mas requer detalhes
» China+G77 – a meta deve concentrar-se em fundos dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento
» Aliança dos Pequenos Estados Insulares — a meta global deve ser superior a 1 bilião de dólares, pequenas áreas requerem apoio específico
» Japão – a meta de 1,5ºC não pode ser alcançada apenas pelos países desenvolvidos
» Reino Unido — os países em desenvolvimento precisam de “trilhões”, que devem atender às suas necessidades específicas
» África — São necessários 1,3 mil milhões de dólares até 2030
» União Europeia — o objetivo só pode ser alcançado se “todos os principais poluidores estiverem comprometidos”
» Reino Unido (outubro) – o objetivo é ter uma ninhada “interna” em crianças e uma ninhada “externa” em trilhões
» África (Agosto) – meta de 1,3 mil milhões de dólares necessários até 2030, com uma meta global de 6,5 mil milhões de dólares
» UE (setembro) – o novo objetivo só poderá ser alcançado se todos os principais poluidores estiverem comprometidos.
Fonte: Carbon Brief, com base nas NDCs submetidas à UNFCCC
Créditos são aprovados, mas com desconfiança em ONGs
Na sessão plenária do primeiro dia da COP29, foram aprovadas novas regras para o estabelecimento de mercados internacionais de carbono. Criado em 2015, no Acordo de Paris, para facilitar o alcance das metas climáticas, o mecanismo até agora não havia sido regulamentado, com negociações bilaterais, na ausência da Organização das Nações Unidas (ONU).
Neste mercado, os países que emitem menos gases com efeito de estufa podem vender créditos àqueles que têm dificuldade em reduzir a emissão de poluentes — cada um equivale a uma tonelada de dióxido de carbono. As regras aprovadas ontem vão regular a metodologia de cálculo e determinar o que acontece quando há perda de carbono — por exemplo, se um incêndio destruir uma floresta que foi dada como garantia.
Desconfiança
A forma como um tema tão importante foi definido, porém, gerou desconfiança na sociedade civil. Segundo Erika Lennon, especialista em créditos de carbono do Centro de Direito Ambiental Internacional, “regras perigosas foram aprovadas antecipadamente e sem o devido processo”.
Em outubro, um comitê técnico, o Órgão de Supervisão do Artigo 6.4 do Acordo de Paris, decidiu que os créditos seriam um dos mecanismos do amplo mercado de carbono. “Na maior parte, estas são abordagens especulativas. Esta medida ignora a capacidade dos Estados de rever e reforçar normas”, criticou Lennon, em nota.
Nas negociações climáticas anteriores, tanto a COP27 em Sharm El-Sheikh, Egipto, em 2022, como a COP28 no Dubai, em 2023, as recomendações do Órgão de Supervisão foram rejeitadas pelos governos. “Hoje, os Estados permitiram que este movimento desonesto do Órgão de Supervisão prevalecesse. Mas isto dificilmente é uma vitória. Aprovar estas regras do mercado de carbono sem discussão ou debate estabelece um precedente perigoso para todo o processo de negociação”, alerta.
Lise Masson, da Friends of the Earth, também criticou a aprovação sem debate prévio. “É inaceitável e mina a credibilidade de todo o processo. Além disso, abrirá as comportas para um mercado global de carbono que terá impactos devastadores nas comunidades do Sul global, nos povos indígenas e, acima de tudo, nos pequenos agricultores.” Masson destacou que os mercados de carbono “não são financiamento climático e não podemos aceitar que estes esquemas neocoloniais sejam considerados um sucesso da Cop29”. (PÓ)
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