Uma mobilização nas redes sociais em torno do horário de trabalho está provocando uma discussão para mudar os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição.
Alguns internautas fazem campanha para que os deputados apoiem uma Proposta de Emenda Constitucional apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) que reduziria a jornada legal de trabalho no Brasil para 36 horas semanais. Uma petição coordenada por um movimento fundado por um ex-balconista de farmácia já atraiu mais de 2 milhões de assinaturas.
A discussão começou depois que uma campanha mobilizou os trabalhadores contra a chamada “escala 6×1”, em que as pessoas trabalham seis dias por semana para tirar folga.
“Se você ainda não sabe o que é essa escala 6×1, é um horário de trabalho permitido pela nossa legislação em que você trabalha 6 dias seguidos, e só tem um dia de folga por semana”, afirma Hilton em postagem no X.
“Isso tira o direito do trabalhador de estar com a família, de se cuidar, de se divertir, de procurar outro emprego ou mesmo de se qualificar para um emprego melhor. A escala 6×1 é uma prisão e é incompatível com dignidade do trabalhador”.
A redução da jornada de trabalho proposta por Hilton promoveria uma escala 4×3 no Brasil —ou seja, com trabalho quatro dias por semana e três dias de folga. O parlamentar defende que isso seja feito sem redução salarial. No entanto, parlamentares e entidades empresariais criticam a proposta e dizem que ela resultaria em perdas económicas, aumento de custos e desemprego.
Na segunda-feira (11/11), o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que a redução da jornada de trabalho deveria ser contemplada por convenções e acordos coletivos de trabalho.
“O Ministério do Trabalho entende que a questão do horário de trabalho 6×1 deve ser contemplada nas convenções e acordos coletivos de trabalho. O ministério considera, no entanto, que a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais é plenamente possível e saudável, quando decorrente de decisão coletivo.”
A reação do ministro foi criticada por apoiadores do fim da escala 6×1 —que pedem apoio direto do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para a causa.
Entenda a discussão abaixo.
O que é escala 6×1?
No Brasil, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) estabelece que os empregados não podem trabalhar mais de 8 horas diárias ou 44 horas semanais — com possibilidade de duas horas extras por dia, mediante acordo trabalhista.
O horário de trabalho — ou seja, a divisão dessas horas por jornada de trabalho — não é estipulado por lei.
Assim, as empresas podem definir a escala como quiserem. A escala mais comum é 5×2 — cinco dias trabalhados, com dois dias de folga.
Mas no comércio, por exemplo, uma das escalas mais comuns é a 6×1 —com seis dias de trabalho e um dia de folga.
Existem dois tipos mais comuns de escala em 6×1:
- 7 horas e 20 minutos por dia
- ou 8 horas por dia com alguns dias mais curtos, para compensar
Uma das reclamações dos trabalhadores é sobre o dia de descanso — que deveria ser gozado preferencialmente ao domingo, para coincidir com o dos familiares e amigos — mas muitas vezes é gozado a meio da semana.
Como esse movimento começou?
O fim da escala 6×1 é o principal objetivo de um movimento chamado Pela Vida Além do Trabalho (VAT), fundado por Rick Azevedo, ex-balconista de farmácia que foi eleito vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro nas últimas eleições.
Azevedo trabalhava na farmácia em 2023 quando gravou um vídeo que viralizou no TikTok.
O vídeo foi gravado logo depois que seu chefe ligou para ele em seu dia de folga e pediu que ele voltasse para o trabalho mais cedo no dia seguinte.
“Quando é que a gente da classe trabalhadora vai fazer uma revolução neste país contra essa escala 6×1? Gente, é a escravidão moderna. Não moderna: ultrapassada”, diz Azevedo no vídeo.
@rickazzevedo Quanto tempo durará essa escravidão?? ???? #clt #escala6x1 #fy
“Não tenho filho, não tenho nada, estou sozinha, não consigo fazer as coisas. Imagina quem tem filho, quem tem marido, quem tem casa para cuidar”.
“A pessoa tem que doar para a empresa seis dias por semana e apenas um dia de folga. E isso é por um salário mínimo. Gente, não chega.”
O vídeo explodiu em visualizações e Rick começou a fazer campanha nas redes sociais pelo fim da escala 6×1.
Foi então criado o movimento For Life Beyond Work, com uma petição na internet que já foi assinada por mais de 2 milhões de pessoas.
“É de conhecimento geral que a jornada de trabalho no Brasil muitas vezes ultrapassa limites razoáveis, sendo o horário de trabalho 6×1 uma das principais causas de esgotamento físico e mental dos trabalhadores. colaboradores, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares”, diz a petição.
O movimento propõe “rever o horário de trabalho 6×1 e implementar alternativas que promovam uma jornada de trabalho mais equilibrada, permitindo aos trabalhadores usufruir de tempo para a vida pessoal e familiar”.
O Congresso acabará com a escala 6×1?
A ideia de Rick Azevedo foi levada adiante pela deputada federal Erika Hilton, que no dia 1º de maio deste ano propôs uma Proposta de Emenda Constitucional.
O deputado afirma ter coletado 134 assinaturas de parlamentares. Porém, para tramitar no Congresso, o texto precisa de 171 assinaturas.
A mudança proposta pela PEC não fala especificamente em escala. Trata da redução da jornada semanal de trabalho.
Hilton quer alterar o artigo 7º da Constituição Federal, que trata dos direitos dos trabalhadores. Hoje a lei diz que o horário normal de trabalho não deve ser superior a oito horas por dia e 44 horas por semana.
A PEC propõe a alteração da jornada de trabalho para 36 horas semanais.
“O momento é de transformar as garantias alcançadas por determinadas categorias profissionais em direitos para todos os trabalhadores brasileiros, especialmente ao exigir o fim da escala 6×1 e a adoção da jornada de trabalho de 4 dias no Brasil”, diz o texto da PEC, em seu justificativa.
O texto afirma que a redução da jornada de trabalho deve ser implementada sem redução salarial.
Uma redução de oito horas semanais na jornada de trabalho — de 44 horas para 36 horas — implicaria a adoção de um horário 4×3 para a maioria das empresas.
O que é escala 4×3?
O texto cita algumas experiências já realizadas com a escala 4×3, como um projeto piloto realizado em setembro do ano passado pelas entidades Reconnect Happiness at Work, 4 Day Week Global e Boston College.
“Cerca de 22 empresas com até 250 funcionários aderiram à iniciativa, em que os resultados do projeto no país apresentam projeções importantes para a transição da jornada de trabalho para o modelo de 4 dias, em que é possível observar menos faltas de funcionários e aumento da produtividade, devido à adoção de estratégias de organização funcional para o modelo de empresa”, argumenta o texto do deputado.
No site do movimento 4 Day Week Global, os organizadores afirmam que o projeto piloto teve dados coletados pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP).
Segundo o movimento, “61,5% dos participantes observaram melhorias na execução dos projetos, 44,4% relataram aumento na capacidade de cumprimento de prazos, 82,4% sentiram aumento de energia para realizar tarefas e 62,7% experimentaram redução do estresse no trabalho”.
“Além disso, 85,4% notaram um aumento na colaboração entre colegas, enquanto 65% relataram uma redução na exaustão e 74% notaram uma melhoria na saúde física. Em termos financeiros, 72% das empresas participantes relataram um aumento na receita durante o período piloto. “
Este mês, a 4 Day Week Global iniciou outro projeto piloto de seis meses no Reino Unido, no qual 17 empresas experimentarão mudar para um modelo de semana de trabalho de quatro dias.
Quem é contra a redução da jornada de trabalho?
Alguns parlamentares conservadores — como Nikolas Ferreira (PL/MG) e José Medeiros (PL-MT) — e empresários são contra as mudanças propostas na lei.
A Confederação Nacional do Comércio afirma que não é possível reduzir a jornada de trabalho sem reduzir os salários dos funcionários. A entidade representa mais de 4 milhões de empresas, responsáveis por 23,8 milhões de empregos diretos e formais.
“Embora compreendamos e valorizemos as iniciativas que visam promover o bem-estar dos trabalhadores e ajustar o mercado às novas exigências sociais, destacamos que a imposição de uma redução do horário de trabalho sem a correspondente redução dos salários resultará diretamente num aumento nos custos operacionais das empresas”, diz nota da CNC divulgada nesta segunda-feira (11/11).
A entidade prevê que a PEC provocaria uma onda de demissões no país e possíveis aumentos de preços aos consumidores.
“O impacto económico direto desta mudança poderá resultar, para muitas empresas, na necessidade de reduzir o número de funcionários para se adaptarem ao novo cenário de custos, reduzir salários para novas contratações, fechar estabelecimentos em dias específicos, o que reduz o desempenho do setor e aumenta o risco de repercussão do desequilíbrio no consumidor.”
O maior impacto seria sentido pelos sectores do comércio e serviços que “exigem uma flexibilidade que poderá ser comprometida com a implementação da semana de quatro dias, dificultando a satisfação das exigências dos consumidores e comprometendo a competitividade do sector”.
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