Uma série de decisões judiciais desconstruiu, passo a passo, o trabalho da força-tarefa considerada a maior operação anticorrupção da história do país. Nesta semana, novas determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) libertaram mais dois condenados na Lava-Jato e abriram caminho para que outros condenados buscassem a vitória na Justiça —como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também conseguiu. -Presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Na terça-feira, a Segunda Turma do STF anulou a condenação do ex-ministro petista José Dirceu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No mesmo dia, o ministro Dias Toffoli anulou todas as sentenças impostas ao empresário Marcelo Odebrecht pela 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da força-tarefa.
No caso de Dirceu, a Segunda Turma do Tribunal considerou a extinção da pena por prescrição —ou seja, o prazo para a punição já havia decorrido. A defesa alegou que a prescrição foi caracterizada porque o crime foi cometido em 2009, quando houve um suposto acordo para pagamento de propina.
Os advogados também apontaram a idade avançada do ex-ministro. Como Dirceu tinha mais de 70 anos no momento da condenação, o prazo prescricional foi reduzido pela metade. Agora, o ex-ministro também aguarda vitória no Superior Tribunal de Justiça (STF), onde interpôs recurso contra outra condenação da Lava-Jato. Em caso de triunfo, ele recuperará os seus direitos políticos.
Em relação a Marcelo Odebrecht, Toffoli apontou uma série de erros na condução da investigação. Segundo o ministro, os integrantes da Lava-Jato agiram em conluio, ignorando o devido processo legal, o sistema contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos pessoais e políticos. Como exemplo, ele citou os diálogos entre o então juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR), e procuradores —essas gravações foram apreendidas na Operação Spoofing. “É clara a mistura da função de acusar com a de julgar, desgastando os alicerces do processo penal democrático”, frisou.
Contratempos
A Lava-Jato sofreu outros reveses na Justiça. Em dezembro passado, Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F assinado com o Ministério Público Federal (MPF). Em fevereiro, o ministro também acatou pedido da Companhia Novonor S.A. (nova denominação do então Grupo Odebrecht) e cancelou o pagamento de multas de R$ 8,5 bilhões impostas à empresa.
Durante a Lava-Jato, foram mais de mil mandados de busca e apreensão, mandados de prisão temporária e preventiva, além de condutas coercitivas em cerca de 80 fases. O número de réus chegou a 600 e as penas ultrapassaram os três mil anos de prisão.
Nesta sexta-feira, Moro negou a possibilidade de que algum erro seu tenha levado à anulação de condenações na operação. “Em relação à Lava-Jato, não tenho interesse pessoal. Fui juiz do caso e tenho muito orgulho do que foi feito. Sei que, infelizmente, existe uma tradição de impunidade no Brasil que tenta prevalecer, “, disse ele ao UOL Notícias.
Para especialistas ouvidos pelo Correspondência, houve erros, excessos e fugas que levaram a retrocessos e anulação de condenações tal como está a acontecer neste momento. Fabio de Sá e Silva, professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA), alerta para a necessidade de avaliar os impactos negativos da Lava-Jato no país. O caminho a seguir, segundo ele, é criar um painel para apurar possíveis abusos na operação.
“A melhor solução para lidar com a Lava-Jato seria submetê-la a uma ‘comissão da verdade’, para que pudéssemos entender coletivamente o que aconteceu, tanto do lado das empresas e dos governos quanto do lado dos juízes, procuradores e imprensa para que pudéssemos melhorar tanto os nossos padrões como as nossas práticas em relação à corrupção e ao combate à corrupção”, sustenta.
O analista político Melillo Dinis avalia de forma semelhante. Ele considera que a operação acumula falhas. “Apesar dos esforços de muitos, a Lava-Jato atolou no pântano das ilegalidades; mergulhou no oceano do pseudo-heroísmo de promotores e juízes, que se propuseram a tentar ser maiores que a lei; na imensa vaidade de alguns ; e na modificação da bolha que se construiu em torno de um modelo anticorrupção individualista e errático”, afirma.
Veja as principais condenações derrubadas
Jose Dirceu — a Segunda Turma do STF anulou a condenação do ex-ministro pelo crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A defesa alegou idade avançada do cliente. Como o petista tinha mais de 70 anos na data da condenação, o prazo de prescrição foi reduzido pela metade.
Marcelo Odebrecht — o empresário teve todos os processos criminais bloqueados por ordem do ministro Dias Toffoli. A medida não inclui o acordo de delação premiada firmado durante a operação.
Luiz Inácio Lula da Silva — em 2021, o STF anulou as condenações da Lava-Jato por entender que o então juiz Sergio Moro foi tendencioso no processo e que os processos tramitavam fora do foro correto. O petista passou 580 dias preso.
João Vaccari Neto — em janeiro, o ministro Edson Fachin anulou a pena de 24 anos de prisão imposta ao ex-tesoureiro do PT. O juiz reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o caso. A decisão beneficiou também o publicitário João Santana e sua esposa, Mônica Moura; e o empresário Zwi Skornicki.
Eduardo Cunha — no ano passado, o STF anulou a pena de prisão de quase 16 anos do ex-parlamentar por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A alegação era de que o Tribunal de Justiça de Curitiba era incompetente.
Sérgio Cabral — no início do mês, o ex-governador do Rio de Janeiro teve três condenações contra ele anuladas pelo Tribunal Federal da 2ª Região (TRF-2). As decisões não o absolveram dos crimes investigados, mas determinaram que as ações penais fossem redistribuídas.
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