Foi uma profunda identificação com Martha Medeiros que levou Cissa Guimarães a Louco e santo. Há pouco mais de 14 anos, a atriz leu uma crônica da autora em um jornal diário e se emocionou. O texto falava sobre ela chegar aos 50 anos. “Eu estava completando 50 anos e tinha muitos projetos, namoro e, de repente, me deparei com essa data. E pensei ‘que coisa estranha estar com 50 anos e tão animado com a vida, tão ativo com tantos projetos’. Comecei a refletir sobre isso e Martha, minha contemporânea, escreveu crônicas sobre esse tema”, lembra. Após enviar um e-mail dizendo o quanto se identificava com a autora, Cissa resolveu perguntar se Martha tinha um texto que pudesse virar uma peça de teatro. Na época, o autor estava lançando Doidas e santas e Cissa disse “é esse mesmo”. O show foi montado em menos de dois anos e nunca mais saiu do show. É uma versão com uma Cissa um pouco mais antiga, mas não menos ativa, que o público brasiliense poderá assistir hoje e amanhã, no Teatro Unip.
Quatorze anos depois, Cissa vê no texto — a história de uma mulher exausta pelo papel de esposa e mãe de um adolescente — uma atualidade e um frescor que a faz estabelecer um diálogo imediato com o público. “O livro tem essa coisa que fala de uma mulher nova, que está casada só para casar, farta de ser só mãe e esposa, que quer ser independente”, diz a atriz. A dramaturga Regiana Antonini levou ao palco o livro de Martha em uma adaptação gratuita e o elenco contou com Giuseppe Oristanio e Josie Antello, que interpreta a filha. Loucos e Santos já foi visto por mais de 500 mil pessoas e foi transformado em filme em 2017, dirigido por Paulo Thiago.
A peça estreou em 2010 e, até 2019, foi exibida na Espanha e em Portugal, além de Rio de Janeiro e São Paulo. Cissa estava se preparando para sua turnê de 10 anos quando a pandemia atingiu e todos tiveram que suspender as atividades. Hoje com 67 anos, a atriz acredita que pouco mudou em relação à sua identificação com a narrativa vivenciada em palco.
Formada em química, Cissa Guimarães despontou na TV brasileira à frente do Vídeo Show, programa da Rede Globo que foi ao ar de 1983 a 2019. Na década de 1990, posou nua para a Playboy e, mais tarde, aos 48 anos, repetiu a dose na revista Sexy. Também atuou em novelas como Salve Jorge, O Clone, Malhação e Top Model. Em 2021, foi demitida da Globo após 40 anos de carreira e, este ano, voltou à telinha com o programa Sem Censura, da TV Brasil. Em entrevista ao Correio, a atriz fala sobre envelhecimento no palco, preconceito de idade e a possibilidade de retomada do teatro após a pandemia.
Entrevista//Cissa Guimarães
Quando você decidiu criar Doidas e santos, você tinha completado 50 anos recentemente. Hoje ele tem 67. O que mudou em seu caráter desde então?
Não é que nada tenha mudado, mas ela é uma nova mulher de 60 anos. Quando olho para os 60 anos, como eram as mulheres antigamente, elas eram garotinhas. E hoje estou cheia de vida, cheia de libido, no sentido mais amplo da palavra, cheia de vontade de vida, de fazer projetos, trabalhar, namorar, beijar na boca. Acho que a única coisa que mudou foi o número. Acho que, na realidade, somos todas mulheres novas, são novos tempos. Não importa muito. Claro que se eu tivesse 80, 90 anos, as coisas iriam pegar. Fiquei até um pouco preocupado, pensando se vai dar certo, será que não estamos esticando muito a corda? Mas não. Eu falei: ‘Ah, não vou nem pensar nisso. Eu vou em frente’. E não tive nenhum problema desse tipo, nem mesmo com relação ao figurino, tudo correu muito bem. Em Belo Horizonte o público baixou, colocamos mais de 1000 pessoas no teatro e me senti muito à vontade para dizer o texto. Fico feliz em fazer isso, porque considero que é um fenômeno. Gostaria que houvesse mais peças como essa que fizessem tanto sucesso, por tanto tempo.
O preconceito de idade tem sido um tema discutido, inclusive no teatro. Como você vê esse tipo de postura no Brasil?
É um absurdo, algo ainda provinciano. Estamos atrasados há muitos anos. É extremamente provinciano, no século 21, ter algum tipo de preconceito de idade com uma mulher ou um homem de 60 anos. Com a medicina e a ciência, tivemos um intervalo de 10 anos. Hoje uma mulher com 50, 60 anos é como se tivesse 25, 30. Essa coisa de preconceito de idade, de demitir gente do trabalho, de não namorar pessoa mais velha, eu acho um absurdo, quase beirando a estupidez. E há algo de machismo, de homens quererem mulheres mais jovens. E mulheres querendo meninos grandes. A peça fala sobre isso, o ideal é você ser o seu amor. Se você ama um garoto 30 anos mais novo ou mais velho, isso é ótimo. Seja como for, o importante é ter uma cumplicidade, uma parceria.
A peça faz sucesso há mais de 10 anos e agora volta aos palcos, assim como ao teatro nacional. A programação voltou com força depois da pandemia?
Eu acho que está chegando. Louco, o teatro está bombando depois dessa crise horrível que tivemos, desse desgoverno. Os teatros estão lotados. E isto prova que o público gosta, que o público precisa da cultura porque a cultura salva. Vivemos quatro anos de desgoverno que destruiu a cultura e agora que podemos voltar e praticar o nosso ofício, os teatros estão lotados.
Como tem sido a experiência de liderar o Sem Censura?
Revivemos esse icônico programa da TV brasileira. Para quem ainda sofre dessa doença chamada idadismo, essa velhinha aqui trabalha de segunda a segunda e ainda dá beijo na boca. O programa é maravilhoso, a começar pelo nome, depois de um período tão sombrio. O Sem Censura começou em 1985, tem 30 anos e parou graças a essa má gestão. Agora voltou com tudo, outro dia foi trending topic no Twitter. Gosto de debater os temas que considero importantes com pessoas inteligentes, é a vida inteligente na TV da tarde, com leveza, alegria e profundidade.
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br
g1 esporte
globo esporte ao vivo
g1 mundo
ge globo
sites