O Cimeira de Líderes do G20grupo das 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana, divulgou seu comunicado nesta segunda-feira (18/11), um dia antes do término da reunião de chefes de estado, de governo e seus representantes reunidos no Rio de Janeiro.
A declaração, negociada ao longo dos últimos meses, tem 24 páginas e ignorou a As restrições originais da Argentinaque se opôs a menções a termos como tributação dos super-ricos e tópicos como igualdade de género e empoderamento das mulheres.
A declaração foi também a primeira desde o início das guerras travadas por Israel contra o Hamas e o Hezbollah, na Faixa de Gaza e no Líbano. E o tema recebeu mais destaque no texto do que a guerra travada pela Rússia contra a Ucrânia.
O documento incluía todas as prioridades elencadas pela presidência brasileira no final do ano passado, quando assumiu a presidência do G20, entre elas a criação da Aliança Global Contra a Fome e a Pobrezaa transição energética e a luta contra a fome.
Confira abaixo os principais destaques do comunicado.
Ucrânia e Gaza
Um dos pontos que mais chamou a atenção na declaração foi o espaço dado a dois dos principais conflitos armados que ocorrem atualmente no mundo: as guerras entre a Ucrânia e a Rússia e a guerra travada por Israel contra o Hamas e o Hezbollah.
A declaração dos líderes dedicou doze linhas (na versão portuguesa) à guerra no Médio Oriente, enquanto a guerra na Ucrânia recebeu sete.
No que diz respeito ao conflito russo-ucraniano, a declaração destaca “o sofrimento humano e os impactos negativos adicionais da guerra no que diz respeito à segurança alimentar e energética global, às cadeias de abastecimento, à estabilidade macrofinanceira, à inflação e ao crescimento”.
O texto diz ainda que o grupo saúda “todas as iniciativas relevantes e construtivas que apoiam uma paz abrangente, justa e duradoura”.
Quanto à guerra no Médio Oriente, o texto classifica o conflito como uma “situação humanitária catastrófica”.
O texto também defende o “direito palestino à autodeterminação” e sustenta que o grupo tem “compromisso inabalável com a visão de uma solução de dois Estados, onde Israel e um Estado palestino vivam lado a lado”.
Em ambos os casos, a declaração não mencionou a Rússia ou Israel como Estados agressores ou responsáveis pelos dois conflitos.
Os termos utilizados na declaração já haviam sido acordados anteriormente pelos negociadores de todos os países do grupo, mas, nos últimos dias, houve pressão dos países europeus para que as negociações fossem reabertas.
Esta tentativa de retomada visava incluir uma condenação direta da Rússia depois que o país intensificou os ataques ao território ucraniano.
Porém, segundo diplomatas ouvidos pela reportagem, o Brasil resistiu à pressão europeia e não reabriu as negociações.
Igualdade de género
Outro tema que gerou polêmica foi a menção à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres.
O tema já havia sido abordado em outras cúpulas e incluído em declarações anteriores, como a de Nova Delhi, em 2023. O problema é que a delegação argentina já havia manifestado sua oposição ao tema.
Em Outubro, durante uma reunião de ministros dos países do G20, a Argentina foi o único país que se recusou a assinar uma declaração indicando apoio a medidas que promovam a igualdade de género.
O documento, na época, foi divulgado com a indicação expressa de que a Argentina havia sido o único país a não concordar com o texto.
A recusa da Argentina levantou dúvidas sobre se o país bloquearia a inclusão do tema na declaração final dos líderes do G20.
Apesar disso, o tema foi incluído no documento final e não houve indicação no corpo da declaração sobre a oposição argentina.
“Reafirmamos o nosso total compromisso com a igualdade de género e o empoderamento de todas as mulheres e raparigas. Encorajamos o desenvolvimento liderado pelas mulheres e promoveremos a participação e liderança plena, equitativa, eficaz e significativa das mulheres em todos os setores e em todos os níveis da economia, o que é crucial para o crescimento do PIB global”, lê-se num excerto do documento.
‘Jogo duplo’ argentino
Um ponto que chamou a atenção no pronunciamento final foi o fato de não haver menção expressa à oposição da Argentina a nenhum ponto.
Ao longo das últimas semanas, a diplomacia argentina tem dado indicações de que tentaria travar o progresso não só na questão da igualdade de género, mas também na transição energética e na tributação dos super-ricos.
No final, essas objeções só foram expressas no discurso de Milei durante a reunião de líderes e em comunicado divulgado pelo governo argentino.
“Sem obstruir a declaração dos demais líderes, o presidente Javier Milei deixou claro em sua participação no G20 que não segue vários pontos da declaração, incluindo: a promoção ou limitação da liberdade de expressão nas redes sociais, a imposição e esquema de vulnerabilidade da soberania das instituições de governança global […] a noção de que uma maior intervenção estatal é o caminho para combater a fome”, diz trecho do comunicado divulgado pelo governo argentino.
Apesar disso, além de não manifestar sua oposição ao texto final do G20, a Argentina ainda aderiu, de última hora, a uma das principais bandeiras da presidência brasileira do G20: a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.
Um diplomata brasileiro com quem a BBC News Brasil conversou em particular destacou que a postura inicial de Milei pode estar relacionada à sua linha ideológica e à necessidade de apelo à sua base política. Milei se autoproclama um anarcocapitalista, um defensor da direita e um defensor do livre mercado.
Apesar da necessidade de apelar à sua base política, Milei, na interpretação deste diplomata, não teria tido força política suficiente para impor a sua dissidência aos restantes líderes da cimeira.
Menção sem precedentes à tributação dos super-ricos
O comunicado traz pela primeira vez uma declaração sobre a importância de tributar os super-ricos, um dos principais pilares do Brasil na presidência do G20.
A declaração não aborda, no entanto, a proposta brasileira de um imposto mínimo global para bilionários, algo que tem gerado resistência de diversos países, principalmente dos Estados Unidos.
Portanto, o texto final enfatiza o respeito à soberania de cada país nesta questão.
“Com total respeito pela soberania fiscal, procuraremos envolver-nos de forma cooperativa para garantir que os indivíduos com património líquido ultraelevado sejam efetivamente tributados”, diz o texto final.
“A cooperação poderia envolver o intercâmbio de melhores práticas, o incentivo a debates em torno dos princípios fiscais e o desenvolvimento de mecanismos anti-evasão, incluindo a abordagem de práticas fiscais potencialmente prejudiciais”, continua o documento.
Os países também se comprometem a “continuar a discutir estas questões no G20 e noutros fóruns relevantes, contando com contribuições técnicas de organizações internacionais, universidades e especialistas relevantes”.
O documento incentiva a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo formado principalmente por nações ricas, a trabalhar no tema. Esta é a preferência das nações desenvolvidas para avançar na questão.
Outro caminho é que a tributação dos super-ricos seja negociada na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Fiscal Internacional, um caminho preferido para países como o Brasil e a Rússia.
“Continuamos a discussão construtiva nas Nações Unidas sobre o desenvolvimento de uma Convenção-Quadro sobre Cooperação Fiscal Internacional e seu protocolo”, destaca ainda o documento, dando espaço a ambas as visões.
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