A Polícia Federal frustrou um plano digno dos melhores roteiros de filmes de espionagem política. Nele, um grupo formado por quatro militares e um policial federal teria planejado matar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após o derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. O Correio teve acesso ao Ofício nº 4810932/2024, no qual a PF detalha, em 221 páginas, todas as investigações.
Pelas apurações, o plano seria colocado em prática no dia 15 de dezembro de 2022, três dias após a certificação da chapa Lula-Alckmin no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e três dias após os ataques à sede da Polícia Federal, em Brasília. .
A organização criminosa cogitou assassinar Lula por envenenamento ou uso de medicamentos. Os golpistas acreditavam que o estado de saúde do petista justificaria sua morte. “Para a execução do presidente Lula, o documento (da Polícia Federal) descreve, considerando sua vulnerabilidade sanitária e frequentes visitas a hospitais, a possibilidade de uso de envenenamento ou uso de produtos químicos para causar colapso orgânico”, diz trecho da decisão que autorizou a operação.
O plano de ação, chamado de “crianças negras” do Exército, reunido pela Polícia Federal, conta com informações de operadoras de telefonia e dados armazenados nos celulares de Mauro Cid, ex-ajudante de campo de Bolsonaro, e de Marcelo Câmara, ex-assessor do o ex-presidente. Alguns dados foram apagados por Cid, mas recuperados pelos investigadores.
Na carta da PF, há um resumo em que os policiais detalham desde o início das investigações até o passo a passo dos envolvidos, como os veículos que utilizaram, os caminhos que percorreram e seus codinomes. Os golpistas chamaram o presidente Lula de “Jeca”; Alckmin, de “Joca”; e Moraes, de “Professora”. Entre eles, também usaram apelidos para camuflar seus nomes verdadeiros, como “Alemanha”, “Argentina”, “Brasil”, “Áustria”, “Gana” e “Japão”.
Ciência para Bolsonaro
No dia 8 de dezembro de 2022, o general reformado e ex-secretário-geral da Presidência Mário Fernandes, apontado como um dos mais “radicais antidemocráticos” pela PF, indicou ter conversado pessoalmente com Bolsonaro. Ele demonstra preocupação com os movimentos nas ruas, especialmente com a “possibilidade de perder o controle sobre a massa de pessoas envolvidas nas manifestações”.
Segundo Fernandes, “o golpe pode ser frustrado se for muito esperado, pois, a partir de 20 de dezembro, o Comando Militar seria ‘passado’ para militares indicados pelo governo eleito, referidos na mensagem como ‘possível prisioneiro do governo’. ‘”, diz a investigação da PF. No diálogo entre Fernandes e Cid, o general não poupa adjetivos pesados contra Lula, em conversa impressa no dia 04/11/2022, às 19h26.
“Durante a conversa que tive com o presidente, ele mencionou que o dia 12, por conta do diploma do vagabundo, não seria uma restrição, que isso poderia, que qualquer ação nossa poderia acontecer até 31 de dezembro e tudo mais. , na época, eu falei, vamos, presidente, mas o mais rápido possível, já perdemos tantas oportunidades. E aí, meditando aqui em casa, queria que você passasse para ele dois aspectos que levantei. em relação a isso. A partir da semana que vier — até falei isso para ele —, um dos dois, ou os movimentos de manifestação de rua, ou vão desaparecer ou vão se intensificar”, disse Fernandes.
Cid tenta contemporizar e tranquilizar o general, informando que conversará com Bolsonaro e comunicará, detalhadamente, as preocupações, em resposta também impressa no dia 08/12/22, às 23h04. “Pode deixar assim, general. Vou falar com o presidente. Acontece que ele às vezes tem essa personalidade. Ele espera até onde vai, para ver que apoio tem. Mas às vezes o tempo é curto, não é é possível esperar muito mais para passar o dia 12 seria… Teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada. E sobre os caminhões, deixa eu falar com ele, porque o Exército pode. não se incomode de novo, certo?”
Impresso digital
Segundo as investigações, os envolvidos no plano utilizavam celulares cadastrados em nome de outras pessoas, sem envolvimento no caso. A PF encontrou no aparelho do militar Rafael Oliveira uma fotografia da Carteira Nacional de Habilitação, que, na imagem, estava em seu poder, mas os dados pertenciam a Lafaiete Teixeira, considerado de boa-fé.
Os investigadores enviaram a imagem ao Instituto Nacional de Identificação para exame de impressões digitais e identificaram que as impressões digitais do dedo indicador esquerdo coincidiam com as impressões digitais do soldado. Esses detalhes estão na página 35 do ofício da PF. Há também outra foto no aparelho, que mostrava a placa de um veículo registrado em nome de Lafaiete, gerando um boletim de ocorrência. O acidente ocorreu no dia 6 de dezembro de 2022 e envolveu o carro conduzido pelos militares, no sentido Brasília-Goiânia. Segundo a Polícia Federal, o militar utilizou os dados de sua carteira de habilitação para cadastrar a linha telefônica que utilizou para tratar da trama golpista.
Missão abortada duas vezes
Por meio de trocas de mensagens entre os envolvidos, descobriu-se que o Parque da Cidade e o bairro eram monitorados de perto porque o ministro Alexandre de Moraes, do STF, gosta de um restaurante ali. No dia 15 de dezembro de 2022, mensagens no Signal informam que eles estão reunidos no estacionamento do parque — um dos soldados diz estar em “posição”. Já posicionados, por duas vezes – uma no parque e outra na 312 Sul, tribunal de justiça – abortaram a missão de assassinar o ministro.
O restaurante é o Gibão. Em frente fica o Estacionamento 04 do parque. A campainha do parque foi suspensa e a motocicleta, que seria utilizada, foi abandonada. Um soldado caminhou, foi parar no shopping Pátio Brasil e depois na quadra do ministro. Tive que pegar um táxi nas proximidades. Ao tratar do plano de assassinato de Lula, Alckmin e Moraes, os militares Hélio Ferreira Lima, Mario Fernandes, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra Azevedo e o policial federal Wladimir Matos Soares aludiram à Copa do Mundo de 2022. Eles usaram expressões típicas do futebol de forma criptografada. “O evento ‘Copa do Mundo de 2022’ apresenta elementos típicos de uma ação militar planejada detalhadamente, porém, no presente caso, de natureza clandestina e contaminada por propósito absolutamente antidemocrático”, diz o texto da PF.
Na carta enviada a Moraes, as investigações reúnem mensagens de um grupo criado por militares por meio de um aplicativo de mensagens de texto com criptografia avançada. A ferramenta permite chamadas de voz e vídeo. As mensagens se autodestroem tanto no remetente quanto no destinatário.
O grupo “Copa 2022” foi criado no dia 3 de dezembro de 2022. Pelas mensagens, é possível verificar que os cinco homens se dividiram no “campo” — Brasília e São Paulo — para mapear as áreas de atuação e detalhar cada etapa . “Como forma de dificultar o rastreamento de atividades ilícitas, os criminosos envolvidos nas ações habilitaram linhas de telefonia móvel em nome de terceiros (…) criaram um grupo chamado ‘Copa 2022’ no aplicativo de mensagens Signal”, define a PF. (RG)
Presos pela PF
Rafael Martins de Oliveira
Major das Forças Especiais, Rafael Martins é acusado de negociar com Mauro Cid, ex-ajudante de campo de Jair Bolsonaro, o financiamento de R$ 100 mil para levar manifestantes a Brasília, como parte de uma trama golpista. Em mensagens de novembro de 2022, ele discutiu com Cid custos logísticos, incluindo hospedagem e alimentação para grupos vindos do Rio de Janeiro. Rafael foi preso pela Polícia Federal em fevereiro de 2024 durante investigações sobre sua participação na organização de movimentos antidemocráticos. Ele havia sido liberado e usava tornozeleira eletrônica.
Helio Ferreira Lima
Ex-comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais em Manaus, Hélio Ferreira Lima foi afastado do cargo em fevereiro de 2024, durante investigações sobre planos antidemocráticos relacionados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Quando solicitado a prestar depoimento à Polícia Federal sobre sua suposta ligação com o golpe de Estado, optou pelo silêncio. Com formação em Operações Especiais, ele faz parte do grupo de elite do Exército conhecido como “crianças negras”, especializado em missões confidenciais de alto risco.
Rodrigo Bezerra de Azevedo
Considerado um militar altamente qualificado, Rodrigo Bezerra de Azevedo é doutorando em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) e possui especialização em operações de guerra não convencionais. Formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 2003, atuou como instrutor no Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança, nos EUA, e participou de missões no exterior, como na Costa do Marfim. Além disso, chefiou a Companhia de Comando do Comando Militar da Amazônia e possui experiência acadêmica em terrorismo e relações internacionais. Ele também faz parte do grupo de “crianças negras”, treinado para operações estratégicas
Mário Fernandes
General da reserva, foi assessor do deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ) e ministro interino da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo Bolsonaro.
Vladimir Matos Soares
O policial federal Wladimir Matos Soares foi preso pela Operação Contragolpe sob a acusação de fazer parte de um plano para dar um golpe de Estado no Brasil.
(Luana Patriolino colaborou)
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