A operação da Polícia Federal que revelou um suposto plano para assassinar Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes e a realização de um golpe de Estado no Brasil em 2022 ainda têm pontos a serem esclarecidos.
O caso teve um novo desenvolvimento nesta quinta-feira (21/11), quando o Polícia Federal (PF) indiciou Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas por suspeita de tentativa de golpe de Estado para manter o ex-presidente no poder após as eleições de 2022.
Entre os indiciados estão General Walter Braga Nettoque foi candidato a vice-presidente na chapa derrotada por Bolsonaro em 2022, e o general Augusto Heleno, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo Bolsonaro.
Braga Netto e Heleno também são citados na investigação da PF que levou à prisão de cinco pessoas por planejarem matar Lula, incluindo quatro militares do Exército, que integram forças de operações especiais e são conhecidos como “crianças negras“, além de um policial federal.
Braga Netto e Heleno integraram o primeiro escalão do Planalto durante o governo de Jair Bolsonaro, e um dos presos, o general Mário Fernandes, também integrou seu governo.
Fernandes foi apontado pela PF como um dos principais articuladores do plano de assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. Heleno e Braga Netto chefiariam, segundo a investigação, um suposto escritório de crise que seria criado após a execução do plano para a realização de novas eleições.
Segundo a investigação da PF, Braga Netto teria participado da elaboração dos planos golpistas e ainda realizado uma reunião sobre o assunto em sua residência em Brasília.
Nesta quinta-feira (21/11), Lula falou publicamente sobre o caso pela primeira vez.
“Sou um cara a quem tenho que agradecer agora, muito mais, porque Eu sou vivo. A tentativa de envenenar a mim e ao Alckmin não funcionou, estamos aqui”, disse o presidente em evento no Palácio do Planalto.
“E não quero envenenar ninguém”, disse ele mais tarde no mesmo discurso. “A única coisa que quero é, quando terminar o meu mandato, desmoralizarmos, com números, aqueles que governaram antes de nós”.
O principal ponto a ser esclarecido no caso é qual o envolvimento de Bolsonaro e quais podem ser os possíveis impactos das novas revelações na investigação dos supostos planos golpistas.
Também ainda precisa ser esclarecido por que Braga Netto esteve amplamente implicado no plano de matar Lula, mas não foi preso como outros investigados, e também por que o plano foi abortado.
Quais são as implicações para Bolsonaro?
A operação da PF sobre supostos planos para matar Lula, Alckmin e Moraes ocorreu no momento em que a PF finalizava o inquérito que investiga uma suposta tentativa de golpe para manter Bolsonaro no poder, da qual fariam parte os atos de 8 de janeiro em Brasília.
Agora que Bolsonaro foi indiciado por tentativa de golpe de Estado, a Procuradoria-Geral da República decidirá se abrirá queixa-crime contra ele.
Não está claro até que ponto as novas investigações envolvendo o plano de assassinato de Lula poderiam implicar o ex-presidente, que não foi alvo direto da nova operação.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) saiu em defesa do pai e chamou a operação de “mais uma cortina de fumaça” “para desgastar sua imagem política”.
“Mais uma vez ele não tem responsabilidade direta ou indireta. Eram agentes de segundo ou terceiro nível”, disse em entrevista ao jornal O Globo.
“Não se pode responsabilizar uma pessoa pelas ações de outra. Se for verdade, obviamente ninguém sabia. Parece muito mais narrativo tentar mais uma vez envolver Bolsonaro.”
Nesta sexta-feira (22), Bolsonaro disse à revista Veja que nunca soube de um plano para assassinar autoridades.
“Na Presidência tinham mais ou menos 3 mil pessoas naquele prédio. Se um cara surge com algum negócio, o que eu tenho a ver com isso? Discutir comigo um plano de matar alguém, isso nunca aconteceu”, declarou. .
O ex-presidente também afirmou que “nunca toleraria” qualquer plano de golpe.
Porém, a investigação trouxe elementos contra pessoas muito próximas do então presidente, como o próprio Braga Netto e o general de brigada reformado Mário Fernandes.
Fernandes atuou como secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo de Jair Bolsonaro e também atuou como assessor do deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro de Bolsonaro, mas foi afastado do cargo por ordem do STF.
Segundo o relatório da PF, Fernandes enviou uma mensagem de áudio a Mauro Cid, então ajudante de campo de Bolsonaro, indicando que o então presidente participou dos planos golpistas.
“Durante a conversa que tive com o presidente, ele mencionou que o dia 12, por conta do diploma do vagabundo, não seria restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo mais”, teria dito, em referência à diplomacia de Lula como presidente em 12 de dezembro de 2022, quando apoiadores de Bolsonaro causaram tumulto em Brasília, chegando até a incendiar carros.
“Mas caramba, então eu disse: pó presidente, mas o quanto antes já perdemos tantas oportunidades”, continuou Fernandes no áudio para Cid.
Esta não é a primeira vez que investigações apontam para uma possível ação direta de Bolsonaro.
Em fevereiro, outra operação da PF indicou que o então presidente havia recebido uma minuta com teor golpista, prevendo as prisões dos ministros do STF, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, e do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na época, o próprio Bolsonaro teria feito ajustes no texto.
“A investigação está chegando muito perto de Bolsonaro. Braga Netto era seu vice. Começou a ficar muito difícil”, diz Tangerino.
A nova operação também reforçou a oposição ao movimento pela anistia dos condenados pelos atos de 8 de janeiro, uma bandeira bolsonarista para tentar indultar quem já recebeu condenações, abrindo caminho para tentar evitar que Bolsonaro também seja, eventualmente, punido .
“Acho impensável falar em amnistia neste tribunal e neste contexto. Seria até irresponsável. Como todos sabem, tenho vários interlocutores no mundo político, e não creio que faça sentido, mesmo antes de termos denúncia, falar em anistia”, disse o ministro do STF, Gilmar Mendes, na tarde da operação.
Por que Braga Netto não foi preso?
Após a operação da Polícia Federal na terça-feira, muitos também começaram a questionar nas redes sociais por que Braga Netto não foi condenado à prisão preventiva, por ser apontado como um dos mandantes da suposta trama golpista.
“A pergunta que fica sem resposta: a que horas Braga Netto será preso?”, questionou, por exemplo, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), vice-líder do governo Lula na Câmara.
Para o criminalista Davi Tangerino, professor de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), não é possível entender a base legal para a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitar — e Moares decretar — a prisão de apenas parte dos investigados.
“A investigação indica que Braga Netto tinha uma posição hierárquica muito importante [nos planos de golpe]”, diz Tangerino.
“Se houver elementos de prevenção dos demais, dos quais tenho dúvidas, porque já se passou um tempo considerável desde os atos investigados, esses mesmos motivos seriam válidos, talvez ainda mais fortemente, para sua prisão”, analisa o criminalista .
Na sua leitura, porém, parece não haver elementos suficientes para prender algum dos suspeitos, porque os casos investigados ocorreram há quase dois anos.
Ele ressalta que a lei prevê alguns requisitos para a prisão preventiva, como provas de que a atividade criminosa ainda está em andamento ou de que os suspeitos estão tentando atrapalhar as investigações destruindo provas.
Para Tangerino, a decisão de prender apenas parte dos investigados pode ter uma razão política.
“Não encontramos uma boa razão legal para deixá-lo fora desta conta. [de interpretação] é que ele ficou de fora por uma consideração político-institucional: evitar uma rota de colisão ainda maior com as Forças Armadas. Parece-me a única explicação tangível”, afirma.
Tangerino considera ainda que a eventual prisão de Braga Netto poderá aumentar a pressão para a prisão de Bolsonaro, que seria “o último na hierarquia” do alegado golpe.
“Se Braga Neto for preso, só faltaria Bolsonaro. Talvez o Supremo Tribunal Federal não queira se encontrar na posição de ser acusado da prisão de Bolsonaro, até ter certeza de que todos os elementos para essa prisão estão reunidos”, disse. destaques.
Por que a emboscada de Moraes foi abortada?
Outro ponto ainda não esclarecido é o que levou os investigados a abortar uma tentativa de sequestro de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo a investigação, o grupo teria tomado medidas concretas para tentar prender Moraes na noite de 15 de dezembro de 2022, mas a operação acabou abortada. O relatório da PF não indica o que levou os suspeitos a desistir da missão.
A tentativa teria ocorrido próximo ao estacionamento do restaurante Gibão Carne de Sol, localizado no Parque da Cidade, em uma via por onde passaria o carro do ministro.
Os planos foram identificados a partir de trocas de mensagens, por meio de celulares adquiridos em nome das laranjas.
Segundo a polícia, os participantes do plano se comunicavam em um grupo denominado Copa do Mundo 2022, formado por seis integrantes, que usavam os codinomes Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana.
O documento do STF aponta que “as mensagens trocadas entre integrantes do grupo ‘Copa 2022’ demonstram que os investigados estiveram em campo, divididos em locais específicos para, eventualmente, realizar ações com o objetivo de prender o ministro Alexandre de Moraes”.
Às 20h33 daquela noite, a pessoa associada ao codinome Brasil informa um dos locais onde atuava.
Diz: “Estacionamento em frente ao Gibbon carne de sol. Troca de estacionamento pela primeira vez.”
Em seguida, a pessoa associada ao codinome Gana informa que já estava no local combinado: “Estou em posição”.
A troca de mensagens continua até que, às 20h57, a pessoa de codinome Áustria diz: “Estou perto da posição.
Segundo a PF, ele possivelmente queria saber se a ação contra Moraes seria anulada.
Cerca de dois minutos depois, o Japão, suposto líder do grupo, respondeu: “Abortar… Áustria… voltar ao local de pouso… ainda estamos aqui…”.
Antes de a missão ser abortada, foi enviada ao grupo a informação de que a sessão do STF daquele dia havia sido adiada. A investigação não explica por que isso foi importante.
A investigação da PF cruzou informações fornecidas pelos envolvidos e também dados de chips de celulares, aluguel de carros e outras fontes para concluir que o grupo monitorava Moraes.
“A análise […] permite concluir que é plenamente plausível que a pessoa de codinome Gana estivesse próxima da residência funcional do ministro Alexandre de Moraes.”
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