Após ser votado duas vezes na Câmara dos Deputados e uma vez no Senado, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 175 de 2024, que altera as regras de transparência das emendas parlamentares, está pronto para ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). . A aprovação no Congresso foi mais um capítulo de uma queda de braço entre chefes do Legislativo, que querem continuar enviando quantias cada vez maiores de dinheiro às prefeituras; e o Judiciário.
As emendas são indicativos dos gastos que deputados e senadores fazem no orçamento do governo para obras e projetos nos estados que os elegeram. Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou decisão do ministro Flávio Dino, que suspendia o pagamento de emendas até que o Congresso adotasse novas medidas para que a destinação dos recursos atendesse aos requisitos de transparência, rastreabilidade e eficiência.
O bloqueio irritou deputados e senadores, que argumentaram que o Supremo está extrapolando suas competências e interferindo em outros Poderes. Com esta postura, os parlamentares discutiram o projeto de forma precipitada e sem resolver os problemas apontados pela Corte.
O texto foi apresentado pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), no dia 31 de outubro, e aprovado no plenário da Câmara cinco dias depois sob a relatoria de Elmar Nascimento (União-BA). No Senado, com relatório do senador Angelo Coronel (PSD-BA), a matéria sofreu alterações e foi aprovada no dia 18 de novembro. Pouco antes, a Consultoria Orçamentária da Câmara apontou que o texto não atendia praticamente nenhuma das exigências do STF e que algumas das “soluções” já existem.
A inutilidade, em termos de transparência, do texto foi confirmada por parlamentares ouvidos pelo Correio. Porém, alguns acreditam que é importante “deixar claras” as medidas existentes, como forma de mostrar ao Supremo que o Congresso de fato teria mecanismos de transparência.
Durante a sessão da Câmara que aprovou o projeto, o deputado Danilo Forte (União-CE), que foi relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias no ano passado, criticou publicamente a atuação do Supremo sobre o assunto, como fizeram seus colegas em diversas situações. tanto no plenário quanto na Comissão Mista de Orçamento — o que paralisou a discussão do Orçamento de 2025 pela incerteza em relação às alterações.
“Diante desta situação em que o Poder Judiciário se afirma como poder moderador e suspende a execução orçamentária, nós, ao votarmos esta matéria, damos mais um sinal para a construção do diálogo entre os Poderes. , mas na expectativa de que seja definitivamente resolvida a liberação do Orçamento, que é do povo brasileiro, e não de um ministro do Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
Sem transparência
A obscuridade na destinação de recursos une parlamentares de todos os espectros políticos, pois o dinheiro enviado para obras e prefeitos aliados pode ser fundamental na decisão de uma eleição municipal, por exemplo. Essa é a análise da deputada federal Sâmia Bomfim (PSol-SP). Ela acredita que a predominância de prefeitos de centro e direita eleitos em 2024 se explica pela alocação exagerada de dinheiro de deputados e senadores aos seus redutos políticos.
Para Sâmia, alguns parlamentares usam o argumento de que o Orçamento tem falhas, e de que não atende às necessidades de locais mais isolados, para tentar perpetuar um sistema que dificulta o acompanhamento da sociedade.
“É preciso atender essas regiões, mas essas alterações também precisam ter transparência, controle social, controle das instituições e a verdade é que isso não acontece. Essa exigência que parece justa é distorcida para significar na verdade desvio de recursos, controle sobre o volume máximo do Orçamento para favorecer a base eleitoral de determinado político, realizando obras públicas muitas vezes injustificadas”, aponta.
O cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getulio Vargas, explica que a resistência dos parlamentares em adotar novos critérios técnicos tem um motivo claro: quanto menos transparência, mais liberdade para indicar recursos com os critérios mais convenientes à vontade política.
“Por que voltar a um cenário pré-2015, quando o governo não era obrigado a pagar pelas emendas? Agora, tem uma emenda individual, uma bancada, um Orçamento Secreto que virou bancada. cidade que tem voto vai reverter em voto. É um enorme desperdício de dinheiro público, fragmenta o planejamento e gera pouquíssimos benefícios”, destaca.
O governo federal — que executa o Orçamento da União — pagou R$ 30,6 bilhões em emendas em 2024, considerando também valores comprometidos em anos anteriores. Ao considerar apenas os reservados em 12 meses, o valor pago foi de R$ 23,3 bilhões no valor empenhado neste ano.
Os valores pagos anualmente têm crescido substancialmente ano após ano desde 2015, quando uma emenda constitucional tornou obrigatório o pagamento de alterações individuais. Naquele ano, o governo pagou R$ 44,6 milhões. A partir do ano seguinte, as transferências passaram a ser bilionárias. Em 2020, quando começou o Orçamento Secreto, o pagamento foi de R$ 21,54 bilhões —o dobro de 2019. No ano passado, chegou a R$ 34,42 bilhões.
O parlamentar que mais teve emendas pagas em 2024 (considerando apenas as apresentadas neste ano) foi o senador Eduardo Braga (MDB-AM), com R$ 67,1 milhões. Em seguida aparecem os senadores Weverton (PDT-MA), Mara Gabrilli (PSD-SP), Cid Gomes (PSB-CE) e Beto Faro (PT-PA).
Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que pretende retornar à presidência do Senado em 2025, teve R$ 54 milhões em emendas pagas este ano. Ele também aparece entre os parlamentares que mais aprovaram emendas neste ano, perdendo apenas para Eliziane Gama (PSD-MA). O Amapá reservou R$ 69,6 milhões em aditivos até 20 de novembro.
Para Ricardo Volpe, consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, a União tem capacidade para cumprir, do ponto de vista técnico, novos critérios que ajudam a monitorizar a origem dos recursos, o seu envio e se o dinheiro foi aplicado corretamente. O especialista, que auxiliou na elaboração dos artigos do PLP 175 durante sua tramitação na Câmara, acredita que o mais importante para melhorar a transparência, porém, seria definir critérios prévios para a destinação dos recursos.
“O ideal seria que o Executivo tivesse critérios prévios de alocação desses recursos, alinhados às necessidades dos entes federados, de forma a mitigar distorções nas indicações individuais ou mesmo nas alterações coletivas”, explica.
Nesse modelo, os estados apresentariam previamente planos de necessidades de obras, equipamentos ou custos de serviços. “Além disso, futuramente poderá ser estabelecido que um percentual das alterações em determinado ano seria destinado a pequenos municípios que não receberam recursos ou receberam pouco benefício, para evitar que municípios com as mesmas características recebam recursos e outros não” , acrescenta Volpe.
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