Áudios captados pela Polícia Federal, aos quais o Correspondência tiveram acesso, mostram que a ala militar, parte da organização que pretendia dar um golpe de Estado, tinha pressa e pressionava para pôr em prática o plano contra o Estado Democrático de Direito. As gravações foram incluídas no inquérito elaborado pela corporação — entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) —, que detalha a trama para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin. O documento completo, com indiciamentos de 37 pessoas, deve ser enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), até o final desta semana, pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso na Corte.
Em um dos áudios, o tenente-coronel Mauro Cid indica que o golpe deve ser realizado antes do dia 12 —Investigadores da PF acreditam que seja 12 de dezembro, dia em que o partido liderado por Lula foi certificado como vencedor das eleições presidenciais.
Nas gravações, Cid conversa com Mário Fernandes, na época secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência. “Dia 12 seria… Teria que ser antes do dia 12, certo? Mas com certeza não vai acontecer nada. E sobre os caminhões, pode deixar eu falar com ele, porque o Exército não pode ‘voar moscas’ de novo, certo? É uma área militar, ninguém vai interferir”, disse Cid, referindo-se aos caminhões que estavam estacionados em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, e que foram multados.
Em seguida, Cid, segundo a PF, disse a Mário Fernandes que conversaria com o então presidente Jair Bolsonaro sobre o assunto. “Não, pode deixar assim, general. Vou falar com o presidente. Acontece que ele tem essa personalidade, às vezes, né? Ele espera, espera, espera, espera para ver até onde ele vai, né? Veja o apoio que ele tem. Mas, às vezes, o tempo é curto, né?
Em outro trecho, fica claro para os investigadores que a intenção golpista seria colocada em prática antes do dia 12. Porém, Bolsonaro teria sinalizado ao general Mário Fernandes que isso poderia ocorrer a qualquer momento até 31 de dezembro, ou seja, um dia antes de Lula assumir a presidência.
A preocupação seria com a mudança de comando nas Forças Armadas —fazendo com que oficiais indicados por Bolsonaro deixassem cargos de liderança e dessem lugar aos escolhidos pelo presidente Lula.
“Meu amigo, me desculpe por estar incomodando tanto você hoje. Mas há duas coisas. A primeira: durante a conversa que tive com o presidente ele disse ‘ei, o dia 12 não seria uma restrição, pois é o diploma do vagabundo, qualquer ação nossa poderia acontecer até 31 de dezembro’ E eu falei: ‘Nossa, presidente, já perdemos tantas oportunidades’ eu, meditando aqui em casa, pensei: a partir da semana que vem para ele. uma: ou os movimentos de manifestação nas ruas vão desaparecer ou vão aumentar com o radicalismo, e aí vamos perder o controle. Tudo pode acontecer, mas também podem desaparecer”, disse Fernandes a Mauro Cid.
Fernandes foi alvo da Operação Punhal Verde e Amarelo, deflagrada pela PF na semana passada para investigar crimes de golpe de Estado, associação criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ele foi preso preventivamente, junto com outras quatro pessoas. A reportagem tentou contato com a defesa do acusado, mas não obteve resposta.
Moraes ainda analisa o relatório de 800 páginas. Somente após avaliar as informações e provas apresentadas, o ministro enviará o documento à PGR — responsável por determinar se deve apresentar denúncia contra os 37 réus.
O ministro do STF não tem prazo para enviar o documento ao Ministério Público, porém, a expectativa é que isso aconteça ainda esta semana. A previsão inicial era que o embarque ocorresse nesta segunda-feira. No entanto, o número de páginas atrasou o processo de avaliação.
Foram indiciados Bolsonaro, Mauro Cid, Mário Fernandes, os generais Braga Netto e Augusto Heleno, o ex-ministro Anderson Torres e outros acusados de envolvimento na tentativa de derrubar instituições democráticas.
O relatório se juntará inicialmente a outras duas investigações que também são conduzidas pelo Ministério Público: a que trata da venda de joias sauditas e a fraude envolvendo carteiras de vacinação de Bolsonaro e de seus familiares. Fontes da PGR disseram ao Correio que a entidade vê uma interligação entre os três casos e pretende apresentar uma denúncia conjunta, que deve ser enviada ao Supremo até fevereiro de 2025.
Porém, até o final do ano, a Polícia Federal deve concluir a investigação do esquema de espionagem que utilizou a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) — conhecida como “Abin Paralela”. A intenção é que as provas e audiências realizadas pela corporação se somem a outros fatos constantes de documentos enviados ao Supremo e à Procuradoria-Geral da República. Esta investigação também pode se somar a outras e reforçar uma possível denúncia contra os investigados.
“Democratas são uma merda”
Os militares envolvidos na trama do golpe de Estado após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022, falaram em entrar em uma guerra civil contra “os vermelhos”, disseram ter “apoio massivo” da população e afirmou que “qualquer solução não acontece sem quebrar os ovos”.
As declarações fazem parte de um conjunto de mais de 50 gravações de áudio obtidas pela Polícia Federal. Nas gravações, o tenente-coronel Mauro Cid — que na época era ajudante de campo do então presidente Jair Bolsonaro —, o general Mário Fernandes e os coronéis Reginaldo Vieira de Abreu e Roberto Raimundo Criscuoli discutem o complô para impedir a posse de Lula.
Em áudio enviado a Fernandes, Criscuoli enfatizou que a intervenção militar deveria ser realizada imediatamente. “Será uma guerra civil agora ou será uma guerra civil mais tarde, mas a guerra civil agora tem uma justificação, o povo está nas ruas, temos um apoio massivo. daqui para frente, daqui a alguns meses, esse cara vai destruir o Exército, vai destruir tudo”, afirmou.
O coronel diz que a guerra civil será contra “os vermelhos” —termo usado pelos bolsonaristas para descrever “comunistas” ou “petistas”. “O presidente (Bolsonaro) não pode pagar para ver isso. Ele (Lula) vai destruir o nosso país. agora. ‘Ah, não vou sair das quatro linhas’, acabou o jogo. Não tem mais quatro linhas, o povo na rua está pedindo o amor de Deus”, enfatizou Criscuoli. Ouça o áudio:
Fernandes pede que Mauro Cid mostre um vídeo a Bolsonaro. Pelo contexto, pode-se entender que seria uma gravação de manifestantes bolsonaristas após a eleição de Lula. “Ei, mostre esse vídeo para o comandante. Isso é história, e a história é marcada por momentos como os que estamos vivenciando agora”, afirmou.
Numa outra gravação, dirigida a uma pessoa identificada como “Caveira”, Fernandes afirmou que “qualquer solução não pode acontecer sem partir ovos” e que “não falta apoio popular”.
“Eu estava pensando aqui, sugeri ao presidente que ele mudasse de novo o MD (Ministério da Defesa), caramba. Coloque o João Braga Netto de volta lá. O João Braga Netto está indignado, caramba, ele vai ter um apoio mais efetivo. Reestruturar de novo” , ele enfatizou. “O presidente diz ‘ah, vão dizer que vou mudar isso para dar um golpe’. Qual a solução, Caveira? Você sabe que não pode acontecer sem quebrar ovos, sem quebrar cristais. , indo em frente, apoio popular é o que não falta”, declarou.
Fernandes afirmou ainda que as eleições presidenciais de 2022 foram fraudadas, além de citar o clamor popular, “como foi em 1964”, para que as Forças Armadas aderissem ao golpe.
“É óbvio que houve fraude, droga. É óbvio, não aguentamos mais essa merda, está uma merda. Está uma merda. E outra coisa, nem que seja para divulgar e inflamar as massas. Para que possam ficar com isso nas ruas, e aí, caramba, talvez seja isso que o alto comando, o que a Defesa quer. O clamor popular, como foi em 64”, destacou o coronel para Luiz Eduardo Ramos, que não está entre esses. indiciado pela PF.
Os diálogos obtidos pela PF
General Mário Fernandes para Mauro Cid
“Meu amigo, desculpe incomodar tanto você hoje. Mas há duas coisas. A primeira: durante a conversa que tive com o presidente, ele disse: ‘Ei, o dia 12 não seria uma restrição, pois é o diploma do vagabundo, qualquer ação nossa poderia acontecer até 31 de dezembro’ E eu falei: ‘Nossa, presidente, já perdemos tantas oportunidades eu, meditando aqui em casa, pensei, a partir da semana que vem, eu. até mencionou isso para ele, ambos: ou as manifestações de rua desaparecerão ou aumentarão com o radicalismo, e então perderemos o controle. Tudo pode acontecer, mas também podem desaparecer aqueles que estão sendo nomeados para o eventual governo do prisioneiro. . E aí tudo fica mais difícil, cara, para qualquer ação.”
Coronel Roberto Raimundo Criscuoli por Mário Fernandes
“Se não tomarmos as rédeas agora, mais tarde penso que será pior. Na realidade, será uma guerra civil agora ou uma guerra civil mais tarde. Mas a guerra civil agora tem uma justificação. As pessoas estão nas ruas, temos esse apoio massivo Logo a gente vai entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara vai destruir o Exército, vai destruir tudo, e aí o povo vai falar: ‘Ah, agora isso eles mexeram com você, você vai levar para as ruas? Então vai ficar feio. Ele vai destruir o Exército inteiro, vai mandar embora todas as quatro estrelas. Vai ser só o GDias e mais alguns aí. ) Essa decisão tem que ser tomada com urgência, cara. O presidente também não pode pagar para ver, cara. Ele vai destruir o nosso país, cara. não precisa ser mais democrata agora. ‘Ah, não vou sair das quatro linhas’ O jogo acabou, cara. Agora o povo na rua está pedindo pelo amor de Deus. esperando? Dar tempo para eles se organizarem melhor? Para a guerra ser pior, vamos falar com 01, cara, é daqui pouco. o grupo aqui (…) vamos, cara.
Coronel Reginaldo Vieira de Abreu a Mário Fernandes
“Garoto negro, o presidente tem que fazer uma reunião de petit comitê. O povo ia ter reunião essa semana com o comandante do Exército, aí chegou o Paulo Guedes, chegou o pessoal do TCU, chegou o pessoal da AGU, aí não conseguiu. Essa gente acima da linha da ética, ele não pode estar nessa reunião, tem que ser uma pequena comissão, cara, para debater o que vai ser feito.”
Mário Fernandes para o General Luiz Eduardo Ramos
“É óbvio que houve fraude. Não aguentamos mais essa merda. Mesmo que seja para divulgar e inflamar as massas, para que fiquem nas ruas e, sim, talvez seja isso que o alto comando, que a Defesa quer. Um clamor popular, como foi em 64. Porque, como você disse, grande parte do alto comando, pelo menos no Exército, não está muito disposta ou não vai intervir, a não ser que seja o começo. é feito por sociedade, cara General, reforce isso, estou fazendo meu trabalho com a brigada e o pessoal da divisão da minha turma, cara.”
Vieira Abreu por Mário Fernandes
“Desculpem minha expressão, mas quatro linhas são uma merda, quatro linhas da Constituição são uma merda. Estamos em guerra, eles estão vencendo, está quase acabando, e eles não dispararam um tiro, devido a nossa incompetência, nossa incompetência “.
Mário Fernandes para Vieira Abreu, conhecido como Velame
“Velame, cara, estou batendo nessa tecla. Nego, estou começando a achar que as Forças Armadas são como o general Theóphilo colocou hoje no texto dele. Se não houver uma política de decisão, eles não vão fazer nada e aí estão sendo usados como pivô, cara. Tem dissidentes, tem o fds aí, já está fazendo um excelente trabalho. mas eles não íamos interferir tanto, mas, cara, o presidente tem que decidir e assinar essa merda, cara.”
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