Desde que me lembro, ouço os versos “Lá vem o pato, pato aqui, pato ali // Lá vem o pato ver o que tem ali”. Só muitos anos depois, com a música sussurrando em minha mente toda vez que via ou ouvia um pato, é que aprendi a origem do texto. Agora, minha filha — de 2,5 anos — vive a mesma experiência: antes mesmo de saber falar, ela já sabia cantarolar aquele ‘Pato pateta pintou a caneca’.
Os versos de O pato ultrapassaram gerações desde os anos 70. Naquela época, Vinícius de Moraes, carioca, icônico e imortal no mundo das letras, achou que seria uma boa ideia combinar em rimas a história do Pato que pulou do poleiro e se engasgou com um pedaço de jenipapo , quebrou a tigela e, depois de pronto, foi para a panela.
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E a ideia foi muito boa. Tanto que, além de se popularizar no Brasil — com a publicação de um livro intitulado Arca de Noé — e se tornar parte do imaginário coletivo, a história de Pato foi registrada em áudio em álbum lançado primeiro na Itália, em 1970, e depois na terra natal do autor, em 1980, após a morte de Vinícius de Moraes.
O álbum foi nomeado Arca de Noéporque além do Pato também aborda as histórias O pinguim, O Leão, O Gato, As Borboletas, A Corujinha e muitos outros animais que serviram de inspiração ao poeta. O álbum foi um sucesso no Brasil e vendeu 200 mil cópias em apenas três meses.
Agora, 50 anos depois do lançamento do álbum e do primeiro livro, a editora Companhia das Letrinhas relançou o livro Arca de Noé. Com ilustrações de Nelson Cruz, artista premiado com sete prêmios Jabuti, a obra inspira o filme homônimo em exibição nos cinemas de todo o país.
O ilustrador reflete que o trabalho em Arca de Noé Foi um desafio imenso, pois a poesia de Vinícius de Moraes já inclui, em si, uma série de imagens repletas, ao mesmo tempo, de simplicidade e simbolismo. “Procurei criar ilustrações que não tivessem a intenção, digamos, de captar os poemas, mas sim de dar outras dimensões à temática de cada um deles. Considerei-os trechos para criar ilustrações que registrassem meu sentimento de leitor e ilustrador do poeta. Foi assim que liderei a criação das imagens desta edição; aliás, leitor e ilustrador se uniram até o final do livro no feliz encontro que foi ilustrar esses poemas”, diz Nelson Cruz.
As falas do ilustrador guiam o leitor por um caminho que remete à infância, mas fala aos dilemas da vida adulta. O Leão, rei da criação, está no centro do olhar dos demais animais, que perscrutam a sua pompa solitária. Uma coroa caída surge ao lado do rei e nos faz refletir sobre o espaço que queremos ocupar e os títulos que buscamos ter.
A morte da ovelha é ilustrada com o voo do animal pelo céu noturno. Entre as nuvens, o novelo de lã se perde. Já em O filho que eu quero ter a imagem comove tanto quanto o poema ao mostrar a evolução que cuida da criança no berço, a acompanha na infância, desdobrando-se em quantas forem necessárias ao longo dos anos, sendo uma sombra de si mesma para acolher e cuidar.
Arca de Noé É um livro que provoca e pode servir de ferramenta para unir crianças e adultos em torno da obra brasileira de um dos mais importantes poetas do país.
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