Sempre que o mês de novembroo banqueiro Paulo (nome fictício), 27 anos, diz à psicóloga que vai precisar de mais sessões de terapia e que você pode ter que ligar fora do horário de consulta.
A razão? O Sexta-feira Negra e a ansiedade que a avalanche de ofertas lhe causa.
A data foi importada dos Estados Unidos para o Brasil em 2010 e é realizada sempre na sexta-feira seguinte ao feriado americano de Ação de Graças. Em 2024, a versão brasileira acontece no dia 29 de novembro.
Mas as promoções começam a se multiplicar nas lojas com vários dias ou até semanas de antecedência.
Por um comprador compulsivo em tratamento como Paulo, isso torna seu vício ainda mais agudo. “Fico ansioso o mês todo”, diz ele.
“Lojas enviam ofertas e abordagens [os clientes] em todos os sentidos. Até silenciei notificações de novos e-mails no meu celular. Só vou ao shopping acompanhado de alguém que sabe do meu problema e pode me impedir.”
Ele diz que fazer compras, necessárias ou não, lhe causa uma satisfação e sensação de bem-estar. Depois vem a culpa por ter feito isso, que te leva a comprar mais, a se sentir bem novamente, em um ciclo difícil de quebrar.
“Se compro tênis porque acho bonito, então preciso comprar roupas que combinem e estou sempre arrumando uma desculpa para gastar.”
A psicóloga Tatiana Filomensky explica que cerca de 5% da população mundial apresenta algum tipo de transtorno de compra compulsiva.
A maioria dos que procuram ajuda são mulheres, segundo Filomensky, que coordena o Programa Compradores Compulsivos do Hospital das Clínicas de São Paulo.
“O isolamento causado pela pandemia triplicou o número de pessoas que nos procuram para esse tipo de tratamento. nós fornecemos um canal dar dicas e atender essas pessoas”, afirma.
Épocas de descontos, como a Black Friday, e outras datas comemorativas podem incentivar compras descontroladas.
“A Black Friday gera um impacto emocional. As pessoas são levadas a acreditar que têm permissão para comprar porque é barato”, explica.
“Nosso cérebro quer obter vantagem e então surge a vontade de comprar.”
Paulo conta que há um ano e meio começou a colocar numa lista o que queria comprar em vez de gastar por impulso.
Mas, na semana passada, ele precisou pedir ajuda ao psicólogo. “Vi um fone de ouvido R$ 50 mais barato e quis comprar. Era um gatilho, mesmo eu tendo o mesmo e ainda novo”, conta.
Mas ele não precisava de um fone de ouvido novo, e a consulta de emergência com o terapeuta o ajudou a conter a compulsão.
“A Black Friday não é a causa, mas aumenta a vontade de comprar daquela pessoa”, afirma a psicóloga do Hospital das Clínicas.
A origem da compulsão de compras
O banqueiro conta que seu vício em compras começou quando ainda era adolescente.
“Venho de uma família religiosa e, com o tempo, fui reprimido por ser gay”, diz ele.
“Então, toda semana eu comprava roupas novas para impressionar as pessoas e receber um carinho que não recebia da minha família”.
Paulo conta que já teve que comprar três vezes um guarda-roupa maior para acomodar o número cada vez maior de peças.
Ele conta que tem mais de 60 pares de tênis, muitos deles repetidos e alguns que nunca tirou da caixa para calçar.
“Eu guardo minhas coisas, não vendo e vou acumulando”, diz.
Ele diz que depois que começou a terapia, “tudo mudou”.
Paulo faz duas sessões por semana para lidar com o vício e, nos momentos mais difíceis, liga para a psicóloga para pedir opinião sobre uma compra.
“Ela recomenda olhar o que tenho hoje, avaliar se são produtos similares e entender se é necessário”, afirma.
Outra tática para aliviar o desejo por um produto é fazer alguma atividade para se distrair, como sair para correr ou visitar um amigo.
Paulo diz que a culpa constante que sente provoca outras compulsões, como comer doces demais. E você ainda se sente frustrado por ter roupas demais e não ter gasto em algo mais necessário.
“Agora, dei entrada em um apartamento para usar esse dinheiro de outra forma”, diz ele.
“Preciso acabar com esse complexo de inferioridade que sempre tive de comprar coisas para impressionar outras pessoas”, diz ele.
Como evitar compras desnecessárias na Black Friday
A psicóloga Tatiana Filomensky afirma que, em datas como a Black Friday, as pessoas são involuntariamente impactadas por promoções, mesmo que não as procurem.
“Nós, seres humanos, temos um sentimento de pertencimento. Se não fizermos algo que todo mundo está fazendo, nos sentimos excluídos”, afirma o especialista.
“Então, fazemos tudo o que podemos para participar também. Isso cria um estímulo generalizado ao consumo”.
A psicóloga afirmou que, em ocasiões como essa, mesmo quem não é comprador compulsivo pode acabar adquirindo produtos ou serviços desnecessários por impulso.
Ela dá algumas dicas para quem quer fazer compras de forma mais consciente e evitar gastar mais do que deveria.
1. Faça uma lista do que você gostaria de comprar
Filomensky explica que mapear seus desejos de compra ajuda você a “não se perder mentalmente” entre tantas ofertas.
Isto é especialmente verdade nas lojas digitais, que muitas vezes apresentam aos consumidores sugestões de produtos diferentes daqueles que os levaram a um website.
“Você clica para ver o telefone que deseja e é sugerido que compre um celular, e isso leva à perda de controle”.
2. Pense em quanto você pode gastar
Antes de ir às compras, a pessoa deve entender quais são suas possibilidades financeiras, afirma a psicóloga.
É uma forma de evitar que as compras, por mais baratas que sejam, se tornem um problema no futuro.
“A pessoa tem que pensar: ‘Posso comprar? Quanto posso gastar? Se for parcelar, em quantas parcelas vai ser? Isso afetará meu orçamento no longo prazo?’.”
3. Evite armadilhas
Filomensky afirma que, antes de fazer uma compra, é bom refletir para ter certeza de que é uma boa opção.
“Sempre que for comprar alguma coisa, coloque no carrinho e se permita pensar”, diz.
É comum encontrar cronômetros em sites de compras que indicam que a oferta irá expirar em breve ou que muitas pessoas estão visualizando o mesmo produto.
“São incentivos para você comprar sem pensar. Fazer uma pausa antes de finalizar a compra é fundamental para não ser pressionado.”
4. Peça ajuda à família e amigos
A psicóloga afirma que, principalmente em casos de compradores compulsivos, o ideal é não fazer compras sozinho.
Ela diz que muitas pessoas evitam fazer compras com pessoas próximas porque sabem que provavelmente receberão críticas.
“Compartilhe com alguém próximo o que você está comprando ou pesquisando na internet. Pergunte também a opinião dela sobre essa compra.”
5. Limite o acesso às redes sociais
Filomensky recomenda que o ideal é ficar longe das redes sociais em períodos como a Black Friday.
Limitar o uso de aplicativos e desligar notificações ajuda a evitar estímulos desnecessários ao consumidor.
“O Instagram é um dos piores lugares, porque há uma enxurrada de conteúdo patrocinado direcionado a você”, afirma a psicóloga.
“Isso leva você a acreditar que precisa disso, mesmo que nunca tenha visto isso antes.”
6. Se não puder pagar, não compre
O especialista afirma que, se você não tiver condições de pagar a dívida, o ideal é não comprar.
Reduzir o limite do cartão ou eliminar a possibilidade de utilizar o cheque especial, por exemplo, é uma forma de se controlar nesses momentos.
Isso fornece uma margem de segurança para não comprar mais do que você pode pagar.
“As possibilidades de consumo são infinitas, mas o dinheiro não”, diz Filomensky.
“O mais importante é ganhar consciência e não deixar a emoção tomar conta e usar a razão.”
Este relatório foi publicado originalmente em 23 de novembro de 2023 e atualizado em 26 de novembro de 2024, com números atualizados sobre a Black Friday
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