Em relatório de 884 páginas, a Polícia Federal descreve passo a passo detalhado de uma tentativa de golpe de Estado planejada no Brasil entre 2021 e 2022. Segundo a corporação, o ex-presidente Jair Bolsonaro é a peça central do anti -intenções democráticas: foi autor da edição de um projeto golpista, realizou reuniões com os comandos das Forças Armadas para tentar atrair apoios e impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e, por fim, beneficiar-se-ia de um plano de fuga, elaborado pelos militares, em caso de fracasso do ataque ao Estado Democrático de Direito.
Segundo a PF, Bolsonaro realizou reuniões golpistas no Palácio do Planalto e no Palácio da Alvorada, com o objetivo de impedir a posse de Lula e do vice Geraldo Alckmin, alterar a composição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), permanecer no poder e, posteriormente, convocar novas eleições.
Uma minuta manuscrita apreendida na sede do PL, em Brasília, na mesa de um assessor de Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, deixa claro que Lula não poderia subir a rampa. A PF destaca que este documento é uma clara referência ao golpe que estava sendo tramado.
O relatório contém mensagens que foram apagadas em 2022 e recuperadas pelos investigadores, documentos, atas, audiodescrições e slides com a linha do tempo de como o Brasil sofreria outro golpe, 40 anos após o fim do regime militar que durou 21 anos.
O documento mostra ainda que Bolsonaro recebeu um projeto de decreto para o golpe de Estado do então assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Garcia Martins, e do advogado Amauri Feres Saad. Previa uma ruptura institucional para impedir a posse do governo eleito através do Decreto do Estado de Defesa, no âmbito do TSE, e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”.
Inicialmente, o documento previa a prisão dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, além do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Porém, Bolsonaro teria alterado a resolução, prevendo a prisão apenas de Moraes.
No dia 6 de dezembro, segundo as investigações, o então ajudante de campo da presidência, Mauro Cid, outros militares e Bolsonaro se reuniram no Alvorada para fazer alterações no documento que serviria de decreto. No dia seguinte, o então presidente apresentou o texto aos comandantes das Forças Armadas.
Segundo a corporação, o chefe da Marinha, almirante Garnier, concordou e colocou suas tropas à disposição para impedir a posse de Lula. Os comandantes do Exército e da Força Aérea Brasileira (FAB) não concordaram e disseram que não tomariam nenhuma ação que visasse impedir a posse do governo eleito.
Diante da recusa dos chefes da FAB e do Exército, Bolsonaro se reuniu com o general Estevam Theóphilo para obter apoio terrestre para a execução do golpe. Os investigadores apontam que o soldado concordou em participar da empreitada. Theóphilo é um dos 37 indiciados pela corporação.
O nome do ex-presidente é citado 535 vezes no relatório, e o de Cid, 417 vezes. Procurada pelo Correio, a defesa de Jair Bolsonaro não quis comentar as revelações do documento. A defesa do almirante Garnier sustentou que ele é inocente.
Sede do PL
O projeto golpista apreendido pela PF na sede do PL em Brasília dizia que Lula da Silva não subiria a rampa do Palácio do Planalto. Segundo os investigadores, o item fazia parte do plano de golpe de Estado. O documento manuscrito aponta o passo a passo de uma ação chamada Operação 142, em referência ao artigo da Constituição que trata do papel das Forças Armadas.
“Ainda na análise do material apreendido na sede do Partido Liberal, mais especificamente na mesa do assessor do general Braga Netto, coronel Peregrino, em uma pasta chamada ‘memórias importantes’, foi apresentado um esboço das ações previstas para o chamado A “Operação 142 foi apurada”, descreve a PF. “Esse fato evidencia a preocupação dos investigados com a possibilidade da existência de minuta física relativa ao artigo 142 da CF encontrada pela Polícia Federal. O documento é manuscrito.”
“O documento, dentro do tema ‘Linhas de esforço’, propõe ações que incluem ‘interrupção do processo de transição’, ‘mobilização de juristas e formadores de opinião’ e ‘marco legal do decreto 142 (AGU e MJ)’”, acrescenta. a corporação.
Carta para convencer Forças e pessoas
A investigação da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de estado revelou que uma carta foi escrita por militares para convencer a população e altos funcionários das Forças Armadas a aderirem ao plano antidemocrático.
Entre os argumentos utilizados estava suposta fraude eleitoral. O texto intitulava-se: Carta ao Comandante do Exército dos Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro. Contudo, as duas primeiras versões foram intituladas Carta ao Povo Brasileiro.
O conteúdo buscava demonstrar instabilidade política e clamor público por uma resolução, que deveria partir das Forças Armadas.
Uma das versões do texto afirma que o país vivia um “processo gradual de degradação política, institucional, social, jurídica, constitucional, ética e mortal do país, que recentemente culminou na desconfiança de milhões de brasileiros nas eleições de 2022”. “. Além de afirmar que há “inconsistências apontadas pelo relatório das Forças Armadas e pela auditoria privada encomendada pelo PL e apresentada ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral)” em relação aos resultados eleitorais.
Para os golpistas, isso estava gerando “grande insatisfação entre milhões de brasileiros, provocando uma escalada de tensões, levando pessoas a se manifestarem nas redes sociais, nas rodovias e em frente aos quartéis das Forças Armadas, em todo o Brasil”.
O documento afirma ainda que “baseado principalmente na opinião de especialistas políticos e jurídicos” o país já estaria a viver “uma situação de ruptura institucional”. Por esta razão, os militares argumentaram que cabia “ao Poder Executivo restabelecer prontamente o Estado Democrático de Direito, as instituições e a lei e a ordem”.
Outra versão do texto inclui os “7 pontos patrióticos”, que defendem a mesma tese dos militares, em tópicos. A primeira delas foi declarar obediência ao então presidente da República, Jair Bolsonaro. Os demais defendiam o Exército como ator na defesa dos “tempos de paz” e garantiam a defesa do “bom povo brasileiro”. O último item convidava a população a se juntar aos militares no movimento golpista: “O povo brasileiro é a locomotiva soberana da nação”.
O texto das possíveis cartas foi debatido em reunião no salão de festas do coronel reformado Márcio Resende, em prédio da Asa Norte, em Brasília. A reunião entre militares teria ocorrido para planejar o golpe de Estado.
Segundo a PF, no início da reunião, o Coronel Corrêa Neto enviou via WhatsApp do Tenente Coronel Mauro Cid o documento intitulado Carta ao Comandante do Exército dos Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro. Esta seria então a versão final da declaração.
“O documento tem data do mesmo dia e, pelo seu conteúdo, seria um manifesto de oficiais superiores do Exército Brasileiro, com base no artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal. deixou claro que estava em curso a execução de atos de supressão do Estado Democrático de Direito”, aponta o relatório da PF.
Ofensiva contida por comandantes do Exército e da Aeronáutica
A Polícia Federal concluiu, em sua investigação sobre a tentativa de golpe de Estado após a derrota eleitoral do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que o processo não teve sucesso devido à resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Os delegados no caso afirmam que, apesar da pressão exercida por Bolsonaro, o General Freire Gomes, assim como a maioria do Alto Comando do Exército, e o Tenente-Brigadeiro Aeronáutico Carlos de Almeida Baptista Júnior, “permaneceram fiéis aos valores que governar o Estado Democrático de Direito, não cedendo às pressões golpistas”.
Para a PF, a consumação de um golpe de Estado perpetrado pelo que chama de organização criminosa não ocorreu “por circunstâncias alheias ao controle do então presidente da República Jair Bolsonaro”.
Investigadores da PF afirmam que a organização criminosa começou a desenvolver ações visando desestabilizar o Estado Democrático de Direito em 2019, visando manter Bolsonaro no poder por meio de uma ruptura democrática.
A concretização do golpe exigiria, como destacam os investigadores, o apoio do braço armado do Estado brasileiro, especialmente do Exército. Bolsonaro e sua equipe jurídica, formada por Filipe Martins, Anderson Torres, José Eduardo e Amauri Saad, mantiveram reuniões com os comandantes das Forças Armadas para tentar angariar apoio para o empreendimento. O então ministro da Defesa, Paulo Sérgio, e o comandante da Marinha, Almir Garnier, descobriram o crime.
Ataques pessoais
A recusa de Gomes e Baptista Júnior em aderir ao golpe “não gerou confiança suficiente para que o grupo criminoso avançasse na conclusão do ato final e, por isso, Bolsonaro, apesar de ter o decreto pronto, não o assinou”, diz o relatório . Os comandantes passaram assim a ser alvo de ataques pessoais lançados pelo grupo responsável pela incitação aos militares, sob ordens de Braga Netto. Eles foram chamados de “traidores do país” e “comunistas”.
“Nesse contexto, Braga Netto ordenou que Ailton Gonçalves Barros dirigisse ataques pessoais (inclusive familiares) contra o então comandante do Exército, general Freire Gomes, e o então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Júnior, e por outro lado, elogiasse o então Comandante da Marinha, o almirante de esquadra Almir Garnier Santos também orientou a divulgação das notícias, com o objetivo de alcançar a reputação do general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, atual comandante do Exército, que também adotou um posto. posição institucional, opondo-se a qualquer ação ilícita das Forças Armadas”.
Ainda segundo a investigação, uma conversa do tenente-coronel do Exército Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros chamou a atenção dos investigadores. Um interlocutor do Cavaliere disse que, em reunião entre Bolsonaro, o general Hamilton Mourão (ex-vice-presidente) e outros generais, os militares “rasgaram o documento que Bolsonaro havia assinado”, “possivelmente referindo-se ao decreto do golpe de Estado”.
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