Mudanças nas regras de aposentadoria militares estão entre os ajustes no pacote de cortes de gastos anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quinta-feira (27/11) em rede nacional.
Pensado para equilibrar as contas públicas, o pacote proposto pelo governo prevê uma série de medidas para evitar o aumento das despesas em algumas áreas que correspondam a despesas mais elevadas ou onde haja maior desequilíbrio financeiro.
As medidas para evitar um aprofundamento da dívida pública são vistas como necessárias pelo governo, pela oposição, pelos economistas e investigadores e pelo mercado.
Segundo Haddad, a previsão do governo é economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos.
O anúncio era esperado na semana passada, mas as negociações com os militares para chegar a um acordo atrasaram a divulgação, segundo o jornal Folha de S.Paulo. O governo também coordenou a apresentação do pacote ao Congresso e a divulgação pública do edital.
Embora o pacote anunciado conte com outras medidas mais importantes pela dimensão da contenção de custos, o impacto fiscal das mudanças no setor militar não é irrelevante, explica o economista Marcus Pestana, um dos diretores da IFI (Instituição Fiscal Independente).
“O nosso sistema de pensões como um todo é desequilibrado, e dentro dele o sistema de pensões militar é o mais desequilibrado, é o que tem maior distância entre despesas e receitas”, afirma Pestana.
Em 2023, esse desequilíbrio no SPSMFA (Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas) gerou um prejuízo de R$ 49,7 bilhões nos cofres públicos, segundo documento do Tribunal de Contas de junho de 2014.
Segundo o governo, as mudanças anunciadas por Haddad visam reduzir esse déficit.
Para os investigadores, incluir os militares na contenção fiscal é tão importante do ponto de vista financeiro como do ponto de vista político.
“Embora a economia não seja comparável a mudanças nos gastos que afetam um grupo maior de pessoas, os ajustes (nas pensões militares) são um sinal importante do governo de que está fazendo ajustes para todos”, diz Guilherme Klein, pesquisador do MADE (Centro de pesquisa em macroeconomia das desigualdades), pela USP, e professor da Universidade de Leeds, na Inglaterra.
“É a mesma coisa que supersalários. É uma questão de justiça social. São mudanças que, por si só, não resolverão o problema, mas se forem feitas em diversas áreas, vão somar. Se você vai fazer um pente fino nas contas públicas, se vai fazer no BPC (Benefício de Prestação Continuada) por que não fazer em todas as áreas?”, diz Klein.
Além da importância financeira, há um simbolismo político na contenção dos privilégios previdenciários militares, ressalta. Várias tentativas de fazer alterações no sistema de pensões militares já foram frustradas devido à resistência do sector.
“As alterações nas despesas previdenciárias dos militares parecem ter um caráter mais de justiça social, tendo em vista que a categoria ficou de fora da reforma previdenciária de 2019”, afirma o economista Alexandre Andrade, que também é diretor da IFI.
Qual é o tamanho do déficit de pensões militares?
O valor absoluto do déficit previdenciário militar — R$ 49,7 bilhões em 2023 — é menor que o buraco do RGPS (Regime Geral de Previdência Social, o da maioria dos trabalhadores, administrado pelo INSS) e do RPPS (Regime Próprio da Previdência Social). , o dos servidores públicos).
Mas o chamado défice per capita, ou seja, quanto cada beneficiário custa ao sistema, é 17 vezes maior nas pensões militares.
O déficit per capita no INSS é, em média, de R$ 9,4 mil. Entre os servidores públicos, o déficit poderá chegar a R$ 69 mil. Entre os militares, são R$ 159 mil, segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) de 2024.
“Hoje você tem soldados que servem 35 anos contribuindo com 20% do salário, se aposentam aos 55 e vivem mais 30 anos aproveitando 100% do salário. E depois da morte ainda passam para a viúva e as filhas”, explica Pestana.
Embora uma mudança em 2001 tenha encerrado a pensão vitalícia para filhas de militares, a mudança não teve efeito sobre aquelas que já recebiam o valor. Além disso, os militares que ingressaram no serviço até 2000 continuaram tendo direito ao benefício desde que contribuíssem à alíquota de 1,5%.
As mudanças propostas agora pelo governo também não entrariam em vigor imediatamente.
Elas serão encaminhadas ao Congresso e precisam ser aprovadas pelas duas casas para entrarem em vigor.
Além disso, não modificam os direitos dos militares já aposentados e devem conter regras de transição para os militares que estão atualmente na ativa.
Como os cortes propostos pelo governo afetarão os militares?
Grande parte do anúncio do ministro Fernando Haddad teve como foco a divulgação de outras propostas, como a reforma do Imposto de Renda — com isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil — e o fim dos salários acima do teto para servidores públicos.
Segundo Alexandre Andrade, da IFI, em linhas gerais, as medidas tentam corrigir a trajetória de alguns grupos de despesas que vinham crescendo acima do quadro.
“Isso tende a reduzir o ritmo de crescimento dessas despesas”, afirma.
Mas Haddad também citou cortes nos militares, negociados com o Ministério da Defesa.
O governo não divulgou oficialmente quanto espera economizar com as medidas, mas Haddad disse aos jornalistas na semana passada que a contenção seria “da ordem de R$ 2 bilhões” por ano.
As mudanças anunciadas que afetam os militares foram:
- A criação de uma idade mínima para militares irem para a reserva
Atualmente, não existe idade mínima para militares ingressarem na reserva e passarem a receber pensão, benefício equivalente à aposentadoria.
O critério atual é o tempo de serviço, no mínimo 35 anos.
Na prática, isto significa que muitos militares se reformam muito cedo e passam muito mais tempo a receber a segurança social do que a contribuir, segundo Pestana.
A criação de uma idade mínima ajuda a diminuir um pouco esse desequilíbrio, afirma o economista Marcus Pestana.
Haddad mencionou apenas a criação de uma idade mínima —mas, ao longo desta semana, vazou a informação de que seria de 55 anos.
A confirmar-se, a idade mínima continuará a ser baixa em comparação com o regime civil – que em 2031 atingirá os 65 anos para os homens e os 63 anos para as mulheres.
A mudança não terá efeito imediato ou retroativo e deverá contar com regra de transição. Isto significa que, na prática, não se trata de um corte nas despesas correntes, mas sim de uma contenção das despesas futuras, explica Pestana.
A idade mínima também deverá ter efeito na progressão na carreira militar – que é concebida para que as pessoas não acumulem muito tempo em cargos de chefia.
- Limitação à transferência de pensões para familiares
Embora a mudança de 2001 tenha encerrado a transferência das pensões aos filhos, os militares que ingressaram no serviço até aquela data puderam optar pela manutenção do benefício pagando uma alíquota de 1,5%.
Para quem optou por manter, após a morte, a pensão pode ir não apenas para cônjuges e filhos, mas também para parentes mais distantes (como irmãos), em caso de falecimento dos parentes mais próximos.
Haddad anunciou apenas que haverá uma limitação e que o objetivo é criar mais igualdade nas Forças Armadas.
“Essas são mudanças justas e necessárias”, disse ele.
Caso se confirme o que foi divulgado na imprensa ao longo desta semana, a nova regra deverá estabelecer que, caso já tenha sido feita solicitação de parentes próximos, parentes mais distantes não poderão receber o benefício.
Irmãos e pais só poderão receber a pensão em caso de falecimento do soldado se não houver parentes próximos para recebê-la primeiro.
Outros ajustes
Em seu anúncio, Haddad mencionou que deverão haver outros reajustes nas pensões militares, sem entrar em detalhes.
Mas nas últimas semanas, o governo apresentou duas outras medidas possíveis.
Eles, porém, não estão confirmados como parte do pacote que será enviado ao Congresso.
- Fim dos pagamentos para familiares de militares expulsos do serviço ou condenados por crimes
Se confirmada, a medida poria fim a um procedimento denominado “morte fictícia”: quando um militar é condenado por um crime ou expulso do serviço, ele é tratado para fins previdenciários como se tivesse morrido.
Ou seja, sua família tem direito a receber 100% da pensão.
A mudança preveria que a família receberia apenas o abono de prisão, ao qual têm direito todos os familiares de presos que contribuíram para a previdência social e cujos valores são bem menores.
- Contribuição igual de saúde para todos de 3,5%
Outra mudança que ainda não foi confirmada seria a equalização das contribuições militares ao Fundo de Saúde. Atualmente, algumas contribuições chegam a 3,5% e outras são bem menores.
A nova regra estabeleceria que a contribuição seria de 3,5% para todos.
Isso poderia gerar uma receita extra de R$ 2 bilhões por ano, segundo o Centro de Liderança Pública.
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