Com a aprovação, nesta quarta-feira, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que proíbe todos os casos de aborto no país, o Brasil poderá ter agora um dos mais leis restritivas na América do Sul, colocando-se ao lado do Suriname. Expandindo este cenário para a América Central e as Caraíbas, estaria no mesmo nível de El Salvador, Haiti, Honduras, Jamaica, Nicarágua e República Dominicana – que proíbem o aborto em todas as circunstâncias.
No cenário sul-americano, em quase todos os casos, o procedimento é aprovado quando há risco à saúde da mulher. Na Argentina, por exemplo, a legislação permite o aborto seguro e gratuito até a 14ª semana de gravidez e pode ser realizado no sistema público de saúde — há também garantia de apoio psicológico e social pré e pós-procedimento. Na Colômbia, a interrupção da gravidez é legal até 24 semanas de gestação. No Uruguai, mulheres com até 12 semanas podem fazer aborto —quando a gravidez é resultado de estupro, o limite aumenta para 14 semanas de gestação.
O Chile descriminalizou o aborto em 2017. Aprovou uma lei que permite a interrupção voluntária da gravidez em situações de risco para a mãe, inviabilidade fetal (possibilidade de o bebê nascer morto) e estupro. Na Bolívia, a interrupção da gravidez é permitida em casos de estupro, incesto e risco à saúde ou à vida da mulher. No Peru, a situação é semelhante: é considerado ilegal, mas pode ser feito quando a mulher corre risco de morte ou para evitar que ela sofra de uma doença grave e permanente.
Em 2022, o Equador aprovou uma lei pela qual mulheres maiores de 18 anos poderão abortar, em caso de estupro, até a 12ª semana de gravidez. Menores de 18 anos terão até 18 semanas de gestação para realizar o procedimento, também em casos de violência sexual.
O aborto é ilegal na Venezuela – a menos que haja ameaça à vida da mulher. Quem consentir na interrupção da gravidez pode ser condenado a penas entre seis meses e dois anos de prisão. O médico ou pessoa que realiza o procedimento tem de um a três anos.
Na Guiana, o aborto é descriminalizado até a 12ª semana de gravidez desde 1995. A Guiana Francesa, como território ultramarino, segue a legislação do país — que, desde 1975, permite a interrupção voluntária da gravidez até a 10ª semana de gravidez. Além disso, em Maio, a França incluiu o direito e a protecção do aborto na sua constituição.
Procedimento
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 73 milhões de abortos são realizados anualmente no mundo. Na América Latina, três em cada quatro procedimentos são classificados como inseguros e 61% das gravidezes indesejadas são interrompidas voluntariamente. No Brasil, entre 2015 e 2019, foram realizados 1,8 milhão de abortos em mulheres de 15 a 49 anos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que as complicações durante a gravidez e o parto são a segunda causa de morte entre mulheres jovens de 15 a 19 anos em todo o mundo. Crianças e adolescentes (com idades entre 10 e 19 anos) correm maior risco de eclâmpsia, endometrite puerperal e infecções sistêmicas do que mulheres com idade entre 20 e 24 anos. Além disso, aqueles nascidos de mães adolescentes correm maior risco de baixo peso ao nascer, parto prematuro e condições neonatais graves .
Punição das vítimas
A deputada federal Dandara (PT-MG), que votou contra a PEC, afirmou que o texto é uma forma de “revitimizar e punir” as vítimas de estupro. “Ao aprovar projetos que retrocedem os direitos reprodutivos, o atual legislador ignora os avanços necessários para proteger a saúde e a dignidade das mulheres brasileiras, perpetuando uma cultura de violência e desamparo. tendo em vista que as principais vítimas de estupro no Brasil são meninas menores de 14 anos”, lamenta a deputada.
Para a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ), a aprovação da PEC vai contra o que deveria ser um compromisso do Legislativo —a defesa da vida. “Esta Casa deveria defender a vida e as famílias. Deveria defender a vida das 27 mil meninas de até 14 anos, que deram à luz no ano passado — ou seja, foram estupradas. milhões de mulheres que foram estupradas no ano passado no Brasil”, disse ele.
A deputada de Bolsonaro, Júlia Zanatta (PL-SC), disse que a CCJ fez “justiça” ao aprovar a matéria. “Não é uma questão política, não são os políticos ou os juristas que vão defender quando a vida começa. A vida humana, segundo a ciência, começa na concepção”, explicou.
Segundo Lenise Garcia, presidente do grupo Brasil sem Aborto, o aborto “faz mais mal do que bem para a mãe”. “Defendemos as duas vidas: a do bebê e a da mãe. A mulher que fizer o aborto ficará traumatizada para o resto da vida, e o bebê terá a vida tirada. amor”, argumenta.
*Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi
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