A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), conhecida como BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) da ciência no Brasil, vive um momento de recuperação. Em 2024, com orçamento recorde de R$ 12,6 bilhões, pretende investir em projetos inovadores e sustentáveis para cumprir a meta do governo Lula de reindustrializar o país, com responsabilidade ambiental. O presidente da Finep, Celso Pansera, ratifica ao Correio o compromisso de cumprir o Acordo de Paris, que busca reduzir drasticamente as emissões de poluentes até 2030.
Diante de tragédias ambientais, como a do Rio Grande do Sul, o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação do governo Dilma Rousseff ratifica a determinação de alinhar os projetos científicos às ações de responsabilidade socioambiental, retomando os investimentos paralisados durante o governo Bolsonaro, de eu concordo com ele. Como exemplo, ele citou o repasse de R$ 50 milhões ao Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
“Acredito que teremos tempo para colocar as coisas nos trilhos”, destaca. “Temos recursos e demanda para isso — demanda qualificada. Pessoas, empresas, organizações com projetos consistentes para aplicar no setor”, acrescenta. “Já temos um clima alterado e esse clima já está a gerar efeitos, temos que tentar antecipá-los”. Abaixo estão os principais trechos da entrevista.
Qual o cenário para investimentos em inovações e pesquisas científicas?
De 2016 a 2021, houve uma redução drástica dos investimentos no setor, chegando praticamente a zero em 2020. Em 2022, houve uma pequena reação via Finep, devido a uma mudança na lei que ajudamos a oposição a aprovar no Congresso. É a lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). (Ex-presidente Jair) Bolsonaro vetou o projeto, e nós derrubamos (o veto). Em 2023, esse fundo arrecadou R$ 12 bilhões e gastamos R$ 10 bilhões. Temos um fundo hoje inédito do ponto de vista da ciência brasileira, nunca houve um volume tão grande de recursos disponíveis para isso.
Como esse recurso é distribuído?
Metade desse dinheiro vai para projetos, como laboratórios para universidades, compra de equipamentos e infraestrutura. Também uma parte significativa vai para o subsídio. Outra metade vai para recursos retornáveis, que é o que emprestamos às empresas para projetos de inovação. O que mudou é que o presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) alterou a taxa de cobrança dos juros, deixando de ser TJ (Taxa de Juros de Longo Prazo) para TR (Taxa Referencial), então os juros anuais caíram de 6% para 7% a 1,5%, 1,6%, 1,7% ao ano. Temos mais recursos, em melhor volume, mas também com taxas mais atrativas para que as empresas que investem em inovação possam buscar recursos na Finep. Do ponto de vista da estratégia de ação, que também mudou muito, o governo tomou a decisão de reindustrializar o Brasil.
Existe diálogo entre o projeto de reindustrialização e as mudanças climáticas no Brasil?
Estamos investindo muito em projetos que trabalhem com descarbonização, tanto produzindo energia com menor teor de carbono quanto também em motores que façam essa economia consumir menos energia e energia com menor carbono e também sequestrando carbono. (Planejamos) eliminar o desmatamento e depois começar a reflorestar, mas também temos que produzir uma economia com baixo teor de carbono. A Finep entrou nesse processo, financiando projetos. Já temos um clima alterado e esse clima gera efeitos, temos que tentar antecipá-los.
Dos projetos que receberam apoio da Finep, quais se destacam?
Investimento no sistema Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) para ampliar o número de cidades atendidas pelo centro de monitoramento e também a nossa capacidade de processamento dessas informações. O computador capta essas informações, aplica modelos matemáticos e nos alerta se vai chover menos ou chover demais, ou chuva concentrada, ou frio. Obviamente isso tem um processo, não acontece de ontem para hoje. Temos que modernizar os radares que já existem. Instalar novos radares e comprar um computador – o que consome muito tempo. O caminho é a ciência, que demora um pouco para chegar lá e fazer funcionar. É o caso da startup de Porto Alegre, que ajuda a medir o nível das águas de rios, lagoas e lagos, e o sistema que existia antes entrou em colapso. Eles estão usando esse sistema.
Como essa proposta de reindustrialização se alinha com a nova realidade socioambiental?
Há uma união entre Banco do Brasil, BNDES e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços para ampliar linhas de financiamento para a nova indústria no Brasil, com linhas de financiamento para a área de descarbonização da economia. Há um esforço de investimento. (Por parte das) empresas existem muitos projetos bons. O Brasil tem uma meta, vamos ajudar o Brasil a cumprir a meta do Acordo de Paris. Estamos entrando tarde no que deveria ser mais avançado. Tem situações que não dependem da Finep, mas em termos de monitoramento de desastres e entendimento dos modelos nós podemos ajudar e estamos. Produzir novas tecnologias, ao mesmo tempo que voltamos a fazer do Brasil um país industrializado, com indústria relevante para a economia. Faça isso de forma sustentável. Na verdade, as empresas nos procuram com bons projetos. Temos 11 editais de outorgas destinados a empresas, totalizando R$ 2,1 bilhões, que exigem a participação de universidades.
O vácuo de investimentos poderia ter contribuído para tragédias como a do Rio Grande do Sul?
É preciso melhorar a estrutura de dados no Brasil. Estamos recomeçando do ponto em que estávamos há um ano porque durante 6 anos não houve investimento e isso tem impacto. O que existe está se deteriorando. O mundo ganhou uma velocidade enorme: a China empurrou a tecnologia e os países asiáticos se modernizaram muito e puxaram outras nações. O tamanho da nossa economia e o tamanho da nossa ciência nos permite ter uma economia mais inovadora, uma nação, ela tem potencial para isso. Recuperar isto não é uma tarefa fácil, mas acredito que teremos tempo para repor as coisas, a um nível muito interessante porque temos recursos e procura qualificada — pessoas, empresas, organizações com projetos consistentes para aplicar no setor.
O Brasil está atrasado no processo econômico associado à responsabilidade socioambiental?
Em 2010, o Brasil foi protagonista, criando uma legislação ambiental muito boa e melhorando questões de patentes, mesmo não sendo o país mais avançado na economia. Então se perdeu. Mas estamos retomando porque o Brasil está se tornando referência, estamos ganhando velocidade, protagonismo e relevância novamente no cenário global.
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