É impossível não estabelecer uma relação entre o filme Eu ainda estou aqui — drama que retrata a vida da família do ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, sequestrado e assassinado no quartel da Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Rio de Janeiro, em 1971 — e a situação política atual, em que o ex- o presidente Jair Bolsonaro e um grupo de militares, incluindo alguns generais do Exército e um almirante da frota, são acusados de tentativa de golpe de Estado.
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Mais de 50 anos depois, a história oferece um forte contraste entre o que acontece com esses soldados, que estão sendo indiciados e serão julgados com base no devido processo legal, e o que aconteceu com o oposicionista assassinado sob custódia do Estado durante o regime militar.
O filme é sucesso de bilheteria, foi visto por mais de 2 milhões de espectadores (a maior audiência do cinema nacional do ano) e ultrapassou R$ 40 milhões em faturamento. Diferentemente de outras obras do gênero que também retratam os anos de liderança, o filme de Walter Salles, com Fernanda Torres e Fernanda Montenegro no papel de Eunice Paiva, tem uma dramaturgia emocionalmente contida, embora muito forte do ponto de vista sentimental e político.
Ainda estou aqui é inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva, escritor, dramaturgo e jornalista paulista, filho do ex-deputado federal do PTB, cassado pela ditadura. Lançada em 2015, é uma obra de grande qualidade técnica, que retrata o cotidiano da família Paiva antes e depois da prisão do parlamentar.
Rubens Paiva foi político, engenheiro e jornalista, foi deputado federal pelo antigo estado da Guanabara, em 1962, pelo PTB. Como parlamentar, defendeu reformas sociais progressistas no governo João Goulart, deposto pelos militares. Foi revogado pelo Ato Institucional nº 1, logo após o golpe militar de 1964.
Ele é uma das vítimas mais simbólicas da ditadura militar brasileira. O seu caso pôs em causa a narrativa do regime de que estava a combater terroristas ligados à luta armada, uma tese que justificaria a tortura e as execuções. O político desapareceu em janeiro de 1971, após ser levado ao DOI-Codi, no Rio de Janeiro, por suspeita de envolvimento em atividades consideradas subversivas pelo governo militar, após ser detido em sua casa.
O assassinato de Rubens Paiva só começou a ser esclarecido após o fim da ditadura. Marival Chaves, ex-agente do regime militar, anos depois, em declarações públicas e à Comissão Nacional da Verdade, revelaria práticas sistemáticas de tortura, ocultação de cadáveres e execuções realizadas por órgãos de repressão, incluindo o DOI-Codi.
Marival Chaves de Souza era sargento e trabalhava no Centro de Informações do Exército (CIE). Na década de 1990 e no período da Comissão Nacional da Verdade (CNV), revelou detalhes de casos específicos. Segundo ele, o ex-deputado foi torturado “por ordem superior”. Numa dessas sessões de tortura, ele não resistiu. Depoimentos indicam que Rubens Paiva sofreu graves traumas — fraturas e lesões internas — que o levaram à morte.
Segundo Marival, seu corpo foi desmembrado e descartado ao mar, prática comum na época, para esconder provas de assassinatos cometidos pelo regime. As autoridades criaram uma narrativa falsa, alegando que o político tinha fugido durante uma tentativa de resgate. Seus restos mortais nunca foram encontrados. No topo da cadeia de comando estavam o então ministro do Exército, Orlando Geisel, e o presidente Emílio Garrastazu Médici.
A família de Rubens Paiva, especialmente sua filha, Vera Paiva, conhecida como Veroca, durante décadas, ao lado da mãe, lutou para descobrir a verdade e exigir justiça. Somente em 2014 a CNV reconheceu oficialmente que o ex-deputado foi assassinado sob tortura pelo Estado brasileiro. Tornou-se um símbolo da resistência democrática e da luta por justiça no Brasil. Escolas, ruas e praças receberam seu nome em diversas cidades brasileiras. Sua história é um alerta contra a repressão política e a violência estatal.
Torturadores
Apesar das revelações e do reconhecimento oficial do crime, os responsáveis pela morte de Rubens Paiva foram beneficiados pela Lei de Anistia de 1979 e nunca foram punidos: o Coronel do Exército Rubens Paim Sampa, comandante do DOI-Codi, no Rio, responsável pelas operações no local, incluindo tortura de presos políticos; Capitão do Exército Frederico Aramis de Oliveira, violento chefe de interrogatórios do DOI-Codi, um dos executores diretos das sessões de tortura; O major do Exército Alfredo Paulo Charlet, subordinado ao comandante do DOI-Codi, participou das sessões de tortura e supervisionou os interrogatórios, inclusive os de Rubens Paiva; e o delegado do Dops e agente do DOI-Codi Manoel Thomaz Pereira, um dos torturadores mais atuantes no período em que Rubens Paiva esteve detido.
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