Um grupo de pesquisadores promete revolucionar a relação entre os produtores rurais de café do Sul de Minas Gerais e sustentabilidade. Com uma nova métrica de valorização, os grãos produzidos nas pequenas propriedades podem ser vistos com olhos mais brilhantes e interessados no exterior.
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Tudo começou com um projeto de doutorado, desenvolvido na Universidade de Alfenas (Unifal), que ressignifica a forma como os agricultores encaram as ações de sustentabilidade, para garantir a sucessão no campo.
O projeto Créditos Ambientais e Equilíbrio Socioambiental (BSA) na Agropecuária do Sul de Minas Faz parte da tese de doutorado de Gabriela Azevedo Rocha na Unifal, sob orientação do professor Rafael Tiezzi. O processo começou em 2018, quando Gabriela percebeu que as certificações de qualidade para agricultores não refletem a realidade latino-americana.
“As certificações, em sua maioria, medem qualidades interessantes para a produção agrícola em solos no exterior, com diferentes condições de solo. Esses critérios não são ruins, mas não cobrem a nossa realidade”, explica Gabriela.
Com isso, iniciou-se o processo de criação do Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS). Segundo a pesquisadora, o índice foi criado como um cluster de conhecimento local aliado ao conhecimento científico. Para tanto, foi realizada uma curadoria participativa, com conversas com produtores de café, que contaram ao grupo o que é interessante e o que veem como práticas sustentáveis. “É um ‘Frankenstein’ de certificações”, brinca.
Para Gabriela, “nada mais justo do que os atores principais dizerem o que é importante para eles”. Com um novo critério, um valor é agregado aos grãos: a sustentabilidade.
Esperança renovada
Dessa forma, o IMS é calculado no Sul de Minas como uma valoração da sustentabilidade, baseada em aspectos ambientais, sociais, econômicogovernamental e agronômico. Segundo Gabriela, o índice de qualidade é identificado por meio da hierarquização desses critérios com oficinas participativas em cada região. “Cada região tem um cálculo baseado em critérios e realidade próprios”, afirma.
Portanto, a produção sustentável é interessante para o mercado. Porém, com a nova certificação e o apoio do Grupo de Valorização Econômica da Sustentabilidade (VES) – externo à universidade – a produção de café no Sul de Minas pode ser valorizada como um café de maior qualidade, enquanto os produtores recebem um retorno maior no apoio financeiro às produções.
Assim, um café vendido como uma simples mercadoria pode ser reconhecido como o café de alta qualidade que é. Para os pesquisadores, a vantagem para o produtor rural em aderir à nova certificação é valorizar a própria produção, na realidade.
É o que exemplifica Rafael Tiezzi, assessor de Gabriela. “Em uma situação, precisei medir alguns itens para calcular um índice do exterior em uma fazenda na região de Sorocaba (SP), que não consumia energia elétrica. Porém, para uma das medições foi necessário utilizar equipamentos elétricos específicos”, afirma o professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Unifal.
“Então, precisamos fazer toda uma instalação elétrica para realizar a medição. De uma fazenda sem consumo de energia elétrica, ela passou a consumir. Só para calcular essa certificação”, completa Tiezzi. “São necessários índices adequados para cada região, para permitir uma avaliação específica de que tipo de produção pode ser realizada em cada local”, explica.
Dessa forma, são realizadas apurações com os produtores rurais por meio de oficinas participativas. Nessas reuniões são definidos os pesos e a hierarquia do IMS, que avaliará as condições de cada safra produzida.
Ainda segundo a pesquisadora Gabriela, já estão sendo acertadas transações com um supermercado na Europa, que demonstrou interesse na certificação da produção sustentável. “É um reconhecimento financeiro e de valor”, comemora.
Iniciativa aprovada
O projeto foi bem recebido pelos produtores do Sul de Minas. É o que diz Ramon Senra Coelho, que há 8 anos produz café, verduras e legumes no município de São Thomé das Letras. “Este projeto beneficiará muito os agricultores que possuem práticas sustentáveis, especialmente na produção de café. Percebo que muitos produtores estão entusiasmados e entusiasmados com este projeto, porque é uma forma de valorizar e manter práticas sustentáveis no meio rural”, comenta.
Para ele, a vantagem é que o produtor opta por ter práticas sustentáveis. “Os grandes protagonistas da sustentabilidade, que são os agricultores agroecológicos, orgânicos, que têm essas práticas de regeneração, são as pessoas que fazem parte do processo de criação e desenvolvimento da metodologia. Isso torna o projeto muito rico, pois além de trazer os benefícios do pagamento por serviços socioambientais, também é inclusivo no sentido de escuta e escuta”, afirma.
Segundo Ramon, a iniciativa é uma forma de garantir o reconhecimento desse pequeno produtor. “Os agricultores poderão receber pagamento por práticas de sustentabilidade. Essas práticas são um serviço prestado à comunidade e ao planeta. Fazendo esse trabalho, estamos produzindo recursos e não reduzindo os recursos naturais”, destaca.
Sucessão familiar
A prática também pode ser a solução para garantir a sucessão familiar no meio agrário. “Estamos focados nos pequenos produtores. Então, a gente faz um cálculo de reprodução social, qual o valor que ele precisa para ter dignidade no campo, qual o valor que ele precisa para garantir a sucessão familiar”, explica.
Segundo Gabriela, uma justificativa para a evasão rural é a falta de retorno financeiro. “Hoje, os jovens estão saindo do campo. Eles não se interessam mais pela terra, porque na cidade há dinheiro mais fácil. Não há tanto sofrimento quanto lidar com a terra, acordar cedo e lidar com avarias ou intempéries. É muito difícil o jovem hoje querer continuar plantando”, afirma a pesquisadora.
Segundo ela, uma família que recebe um retorno financeiro mais digno pelas produções tem maiores chances de ter continuidade na atividade. “O benefício do agricultor ao aderir ao nosso projeto é que ele será remunerado de forma justa por aquele produto rural e pelos serviços socioambientais que presta”, afirma.
“Vamos medir qual o benefício que ele traz para a terra, para a comunidade do entorno, se ele cuida da biodiversidade… Se o produtor perceber que a região em que está inserido é rica em biodiversidade, ele vai olhar com mais atenção sobre a natureza e receberá justiça pelo produto que plantar”, explica o doutorando.
É o que também pensa o produtor Ramon Senra. “O projeto é uma forma de valorizar o produto, valorizar as práticas e criar condições para a reprodução familiar. Ou seja, condições para que as próximas gerações possam estar na terra produzindo, gerando autonomia alimentar para a comunidade onde vivem, com receitas justas”, afirma.
Possível aplicação
Rafael explica que o Brasil, apesar de ser o maior produtor de café do mundo, está longe de ser o país que mais lucra com o grão: “O grande lucro vai para a França e a Suíça. Esses países não possuem um único hectare de produção de café. Eles lucram muito porque é onde ocorre a transformação do grão em café.” Segundo ele, a implementação da certificação, com o apoio do grupo VES, eliminará a participação deste mediador e levará o produtor ao pagamento real pelo grão produzido.
Essa percepção fica clara em pesquisa da Universidade de Brasília, realizada em 2023. Segundo o estudo, a produção agrícola gerou R$ 49,67 bilhões no ano. Desse valor, 35% foram destinados à indústria, responsável pela torrefação, moagem e peneiramento; 28% para o setor atacadista e varejista; 25% para cooperativas e corretores; enquanto a produção agrícola acumulou apenas 12% do lucro. Porém, o equilíbrio é inverso no que diz respeito ao número de pessoas envolvidas. A produção agrícola representa 70% do emprego, enquanto o comércio grossista e retalhista, a indústria e as cooperativas e os corretores representam cada um 10% do emprego.
Os pesquisadores explicam ainda que o projeto foi possível graças a uma tática semelhante desenvolvida para os seringais, na Floresta Amazônica, pelo grupo João Mangabeira. Segundo Gabriela, a técnica pode ser aplicada em qualquer região de produção agrícola. “É possível adaptar os critérios a cada local”, afirma. “Este é o valor do conhecimento científico. Abram caminhos para que novas pesquisas sejam realizadas”, acrescenta o professor Rafael Tiezzi.
Caso algum produtor rural de café tenha interesse em participar do projeto, pode entrar em contato com o Grupo VES via email ves@ves.org.br.
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