“Se você fala de sucesso pessoal, você quer alguém mais charmoso que o Tom? Boa aparência, entendeu? Nossa, ele não tinha do que reclamar. Olha, dá vontade de falar mal do Tom.”
A declaração acima é do jornalista e escritor Ivan Lessa (1935-2012), dada logo após saber da morte de Tom Jobimem 8 de dezembro de 1994.
A morte do músico — uma das mais importantes da história da cultura brasileira — completou 30 anos neste domingo (12/08).
O BBC News Brasil resgatada O emocionante depoimento de Ivan Lessa sobre Tom Jobim, com quem mantém uma amizade de mais de quatro décadas.
Ivan Lessa conversou com os colegas Helena Carone e José Antônio Arantes, da BBC Brasil, nos estúdios de Londres.
Ouça a declaração editada de Ivan Lessa sobre Tom Jobim à BBC em dezembro de 1994 no áudio acima.
Trechos desse depoimento foram usados em um programa especial da BBC sobre a morte de Tom naquele ano.
“Vamos supor que neste momento em todo o Brasil não exista uma estação de rádio brasileira que não esteja tocando a música do Tom há pelo menos 24 horas – e com razão. E a televisão, se estiver exibindo fitas e entrevistas, eu acho é ótimo”, diz Ivan Lessa.
tempos boêmios
Ele conta que conheceu Tom Jobim no final da década de 1940, quando o músico ainda era estudante de Arquitetura e se apresentava como pianista em “inferninhos” — bares boêmios do Rio de Janeiro no passado, principalmente nos bairros de Ipanema e Copacabana. Em 1949, tocou com Thereza Hermanny, sua primeira esposa.
Ivan relembra alguns lugares que lembra de ter visto Tom jogar: Tudo Azul, Clube dos Tatuís e Gardênia.
A amizade deles é anterior à fama de Tom Jobim, e Ivan se lembra das tardes dos anos 1950 em que bebiam cerveja, tocavam porrinha e ouviam discos de jazz americano.
Tom trabalhava na gravadora Continental, transcrevendo partituras, mas já começava a dar os primeiros passos na música.
“A primeira música gravada por Tom é Já faz uma semanauma música que ninguém mais fez um cover”, lembra Ivan. “Sempre que encontrava o Tom, gostava de lembrá-lo daquela música, e ele não achava muita graça, não sei por quê”.
Ivan lista os diversos parceiros musicais e projetos de Tom na era pré-Bossa Nova: música Tereza da Praiafeito para Dick Farney e Lúcio Alves cantarem juntos, Sinfonia do Rio de Janeirofeita com Billy Blanco, duas músicas com Dolores Duran e Foi a noitecom Newton Mendonça e Luís Bonfá.
Tom e Ivan compartilhavam um amor: a música americana. Ivan conta que foi em seu apartamento que Tom descobriu muitas das músicas americanas da época — já que o jornalista era um ávido colecionador de discos, a maioria deles comprados na antiga loja Murray.
Esse amor pela música americana, porém, também causou problemas a Tom com alguns críticos musicais brasileiros da época.
“É aí que entra o que incomodou o Tom a vida toda, onde ele é crítico dizendo ‘ah, mas a Bossa Nova é uma forma de jazz’ — nossos queridos Tinhorãos da vida [referência ao crítico musical José Ramos Tinhorão, que escrevia artigos duros contra a Bossa Nova].
“Os puristas, resumindo. E o Tom está cansado de dizer: ‘mas a música é como um pássaro, está no ar, não há nada que não seja influenciado [por outra coisa]’.”
Em outro comunicado que a BBC News Brasil resgatou este mês,proferido em 1986, o próprio Tom Jobim ataca os chamados “puristas”.
“O que acontece com o negócio do jazz, que causou muita confusão, é que os americanos chamam tudo que faz rock de jazz”, disse Jobim.
“Isso confundiu toda uma geração de críticos puristas aqui no Brasil que ficavam dizendo que Pixinguinha é jazz, que João Gilberto é jazz, que Tom Jobim é jazz. É jazz se você chamar tudo de jazz.”
“A atitude purista do Brasil é ‘deixa pra lá’. E a atitude deles é ‘venha até nós’. Então para um a atitude é positiva, de rico, de aquisição. Para o outro a posição é: você faz uma coisa linda, mas no momento em que o americano toca, o cara diz que é americano. Então é uma doação eterna.”
Para Lessa, “Tom estava muito preocupado com as críticas”.
“Na verdade, ele se preocupou um pouco demais com as críticas. Talvez as críticas tenham incomodado e perturbado Tom um pouco.”
Sucesso no exterior
Em seu depoimento de 1994, Ivan Lessa lamenta a morte do amigo — e elogia a versatilidade do músico.
“A morte de Tom Jobim é mais ou menos como se os dois irmãos Gershwin tivessem partido no mesmo dia, mais Django Reinhardt, Bill Evans, a orquestra de Tommy Dorsey e um crooner.”
“Porque o Tom fez tudo isso muito bem. O Tom foi arranjador, maestro, letrista, compositor, violonista, pianista e cantor. Gosto muito do Tom cantando. E pergunta ao Frank Sinatra, se ele não gosta que ele cante também? Sinatra, que deve entender um pouco dessas coisas, gostou do Tom cantando. Tem muita gente que não entende.”
Ivan Lessa também fala sobre a reputação que Tom Jobim tinha como um artista brasileiro que fazia mais sucesso fora do país do que no mercado nacional.
“Estou fora do Brasil há 17 anos. Acho que isso era mais ou menos válido até alguns anos atrás, mas teve um carnaval onde o Tom era tema de escola de samba. Ele estava com um disco. [Antonio Brasileiro, de 1994] que já contava com 65 mil cópias vendidas, caminhando para 100 mil — mais um e mais um disco de ouro brasileiro. Então acho que isso se tornou um mito.”
Para o escritor e jornalista, a parceria mais feliz de Tom Jobim foi “certamente” com o poeta Vinícius de Moraes.
“Vinicius foi seu maior parceiro no sentido de quantidade de músicas e na minha opinião de qualidade também não há lugar para isso.”
Ele também se lembra de ter reencontrado Tom Jobim em julho de 1969, em Londres —Ivan Lessa já trabalhava na BBC Brasil. Com eles estava o jornalista Paulo Francis, que veio à cidade cobrir um show dos Rolling Stones para a revista Realidade.
Tom veio trabalhar na trilha sonora do filme O mundo dos aventureiros — produção de Lewis Gilbert com Candice Bergen, Charles Aznavour, Olivia de Havilland, Fernando Rey e Ernest Borgnine no elenco.
O filme acabou sendo um fracasso de bilheteria. Mas Ivan lembra que seu amigo estava no auge como compositor. E ele se lembra de ir aos pubs de Londres, onde se divertiam como antes — e o compositor atraía a todos com seu carisma.
“Tom fez muito sucesso mesmo sem ser reconhecido nas ruas”, afirma.
Apesar da erudição e sofisticação, Ivan diz que Tom Jobim era conhecido por ser uma pessoa acessível e de “boa conversa”.
“Ele era maestro, arranjador, pianista, guitarrista, cantor, tudo isso, mas também era um figurão. Ele era do tipo popular. Tom era bom em conversar com as pessoas. Ele contava histórias e zombava dele. ele teve que encontrar os equivalentes de leguminosas e vegetais, conhecendo a história da couve-flor — como a couve-flor foi parar no Brasil”, diz.
“Sinatra precisava mobilizar aqueles 16 capangas para impedir que as pessoas se aproximassem. E o Tom estava lá dando sopa – qualquer pessoa chata que chegasse poderia chatear o Tom. E ele cuidou disso. É mais um vazio que ele deixa – um lugar na mesa [do bar] também.”
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